Interferência do governo em estatais e empresas tem afastado investidores estrangeiros. Entenda – O Globo
- Na Mídia
- 28/03/2024
- Tendências
Fluxo de investimentos do exterior na B3 acumula déficit de R$ 21,2 bilhões neste ano. Ações da Vale e da Petrobras caem
A interferência do governo em companhias abertas, como a estatal Petrobras e a mineradora Vale, vem contribuindo para azedar ainda mais o humor de investidores em relação ao Brasil, diante de um cenário externo em que a política de juros nos EUA e a incerteza sobre o ritmo do crescimento da China impulsionam a retirada de recursos de mercados emergentes.
Até o último dia 22, estrangeiros retiraram R$ 21,2 bilhões da B3. Já as ações da Vale e da Petrobras já acumulam neste ano quedas de, respectivamente, 19% e de 4%.
Analistas do banco de investimentos Goldman Sachs recomendaram, em relatório a clientes esta semana, a venda de ações de estatais brasileiras e a compra de companhias privadas. Um dos motivos para a recomendação foi a recente interferência na Petrobras — o governo vetou a decisão da petroleira de pagar mais dividendos, maneira pela qual empresas abertas distribuem lucros.
“Tais eventos normalmente levaram a um prêmio de risco mais elevado para os ativos brasileiros”, diz um trecho do relatório do Goldman, assinado pelos estrategistas Jolene Zhong, Nathan Fabius e Caesar Maasry.
Na semana passada, pesquisa de opinião com 100 agentes do mercado no Rio e em São Paulo, do instituto Quaest em parceria com a corretora e gestora Genial Investimentos, apontou o intervencionismo do governo na economia como o principal risco no Brasil. O desequilíbrio nas contas públicas, até então o principal fator a tirar o sono dos investidores, agora aparece em segundo lugar.
Segundo a pesquisa, 97% dos entrevistados classificaram como errada a decisão da Petrobras sobre os dividendos, enquanto 89% disseram que a intervenção na Vale teria como efeito a redução dos investimentos estrangeiros no Brasil — em janeiro, o Palácio do Planalto aumentou a pressão para indicar, sem sucesso, o ex-ministro Guido Mantega como CEO da mineradora. Após os dois episódios, 57% dos entrevistados pelo Quaest disseram ter mudado suas carteiras de investimento.
‘Encanto quebrado’
Para Silvio Campos Neto, sócio e economista sênior da consultoria Tendências, a interferência na Vale e na Petrobras ajudou a influenciar o comportamento dos investidores estrangeiros, que vêm tirando recursos do país.
Os episódios recentes envolvendo as companhias abertas quebraram o “encanto” deles com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, ao lembrá-los de que se trata de um governo com viés intervencionista, disse o economista.
Mesmo assim, conforme analistas ouvidos pelo GLOBO, o cenário internacional pesa sobre a saída de recursos de investidores estrangeiros da B3 e sobre a queda nas cotações de ações — a interferência governamental potencializa o movimento.
No lado externo, houve um ajuste na percepção global sobre os rumos da política de juros nos EUA, disse Campos Neto. Agora, investidores esperam que as taxas americanas demorem mais a cair e caiam mais lentamente.
A perspectiva de juros mais altos nos EUA tende a atrair investidores globais para o mercado americano, em detrimento dos países emergentes.
— Os investidores globais passaram a reposicionar as carteiras de investimento à medida que entenderam que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) iria promover cortes mais lentos — disse Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos.
Ao mesmo tempo, há preocupação com o crescimento da China, principal importador global de matérias-primas. A perspectiva de um arrefecimento na demanda chinesa diminui o apetite de investidores financeiros por mercados de países produtores desses insumos, como é o caso do Brasil.
— Há preocupação com o crescimento da China e isso pode afetar a compra de commodities (matérias-primas cotadas internacionalmente), o que mexe com nossa Bolsa — explicou Campos Neto, da Tendências.
De acordo com Costa, da Toro Investimentos, o cenário deste início de ano é contrário ao do ano passado. Em 2023, houve saldo positivo nos fluxos de investimento financeiro do exterior, com entrada de capital. Isso também ocorreu em outros países emergentes.
Matheus Nascimento, analista da Levante, diz que a saída de estrangeiros é um dos fatores que pesam no desempenho “de lado” da bolsa este ano. O Ibovespa, principal índice de ações da B3, acumula, no ano, queda de pouco mais de 5%.
— A Bolsa é muito dependente de capital estrangeiro. Eles representam 54,6% do fluxo mensal — disse Nascimento.
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