Empregados sem carteira assinada e por conta própria puxaram taxa de ocupação nos últimos 4 anos – Estadão
- Na Mídia
- 09/04/2024
- Tendências
Movimento trouxe alívio para a taxa de desemprego, mas fez acender sinal amarelo para o risco de aumento do déficit da Previdência
Brasileiros empregados sem carteira assinada e trabalhadores formais por conta própria foram os que mais impulsionaram a ocupação do mercado de trabalho no País nos últimos quatro anos. Isso provocou um alívio na taxa média de desemprego, que encerrou o ano passado em 7,8%, a menor marca desde 2014 (7%). Por outro lado, esse movimento fez acender um sinal de alerta para o risco de aumento do déficit da Previdência a médio prazo.
Entre 2019, antes da pandemia, e o final do ano passado, o número de trabalhadores por conta própria formalizados cresceu 27,4% e de empregados informais do setor privado, excluindo os domésticos, aumentou 10,4%, revela um estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão. O trabalho considerou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O grupo de trabalhadores do setor privado com carteira assinada, exceto os domésticos, que é a maior fatia da ocupação e responde por quase 40% do total, também avançou 8,6% no período. No entanto, o ritmo de crescimento foi menor comparado aos informais e aos formais por conta própria.
O ano de 2023 terminou com 100,985 milhões de brasileiros ocupados, o maior nível da série histórica iniciada em 2012 pelo IBGE. O crescimento em relação a 2019 foi de 5,7% e compatível com o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) no período, de 5,9%.
“Houve um crescimento da ocupação muito semelhante ao do PIB”, ressalta Fábio Bentes, economista-sênior da CNC e responsável pelo estudo. Ele argumenta que o indicador do mercado de trabalho que reflete o ritmo de crescimento da economia não é a taxa de desemprego, mas o nível de ocupação.
O aumento do contingente que optou por trabalhar informalmente ou por conta própria, com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), é um dos fatores que explicam a taxa de desocupação estar em patamar tão baixo, apesar de o PIB ter crescido pouco nos últimos quatro anos, diz Bentes.
“Hoje temos uma procura menor por emprego do que antes da pandemia em razão do aumento do empreendedorismo formal, sobretudo por necessidade”, afirma. Certamente, diz ele, nos últimos quatros anos o Brasil não se transformou em uma terra de oportunidades.
De carteira assinada para trabalhador por conta própria
Ronaldo Queiroz da Silva Costa, de 36 anos, casado e pai da Vitória, de seis anos, e do Isaque, de três, faz parte desse movimento de empreendedorismo por necessidade que vem mudando o perfil do mercado de trabalho.
Em meados do ano passado, Costa resolveu pedir a conta do emprego de auxiliar de limpeza e empreender por conta própria.
Fazia quase um ano que trabalhava com carteira assinada em um prédio residencial em São Paulo e ganhava um salário mínimo. Costa pediu demissão para virar motorista em tempo integral de carro de aplicativo.
“Decidi trabalhar por conta própria por causa da liberdade e para ganhar mais”, diz. Como motorista de aplicativo chega a tirar entre R$ 3 mil e R$ 4 mil líquidos, dependendo do mês. E não pretende voltar a procurar emprego com carteira assinada, a menos que apareça uma vaga que valha a pena.
Taxa de desemprego
A taxa de desemprego é a relação entre o número de pessoas a procura de trabalho ante o total da população em idade de trabalhar. Quando Costa e outros brasileiros decidem desistir de ir atrás de emprego, eles contribuem para redução do índice médio de desocupação. “A taxa de desemprego não está caindo porque a economia está bombando, mas porque a procura por emprego diminuiu”, observa Bentes.
Mas, ao virar motorista de aplicativo e artesão – Costa também faz sabonete e cesta de café da manhã para vender –, o ex-auxiliar de limpeza engrossa outro grupo de trabalhadores: os formais por conta própria, muitos deles Microempreendedores Individuais (MEIs).
No final do ano passado, havia no País 11,5 milhões de MEIs, segundo dados do mapa de empresas do Ministério da Fazenda. É um salto de 168% em relação a 2019, quando existiam 4,3 milhões de MEIs, aponta o estudo da CNC. Mas o estudo ressalta que nem todos os MEIs podem estar ativos.
Transportes no topo
O grande crescimento do número de MEIs entre 2019 e 2023 foi registrado em dois segmentos relacionados a transportes: outras atividades auxiliares dos transportes terrestres (699%) e serviços de malote não realizados pelo Correio nacional (692%).
São atividades que envolvem entregas do comércio eletrônico, que disparou com a pandemia, especialmente depois da mudança da forma do brasileiro ir às compras.
Várias plataformas de entregas de mercadorias exigem dos motoristas cadastro como MEI para trabalhar. Reportagem recente publicada pelo Estadão apontou que 25% dos motoristas e entregadores de aplicativo são MEIs.
Também o transporte de pessoas por meio de aplicativos explodiu nos últimos quatro anos, segmento no qual Costa, que era faxineiro, resolveu empreender. “Durante a pandemia, cresceu o número de trabalhadores ‘uberizados’, que prestam serviços de entregas por meio de aplicativos”, observa Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria Integrada.
A perspectiva, segundo Assis, é de que esse movimento continue. Ele ressalta que “a crise do trabalho é histórica e acompanha as transformações que vêm se dando no âmbito da economia globalizada.”
Serviço é o grande empregador
Nos últimos quatros anos, o setor de transportes foi o segundo que mais ampliou a ocupação (14,3%), atrás apenas do segmento de informação e comunicação. “O setor de serviços (que engloba transportes) é o grande empregador da economia”, diz Bentes.
O PIB de serviços cresceu 7,9% nos últimos quatro anos, bem acima do PIB geral no período, e teve desempenho muito próximo do avanço da ocupação da força de trabalho no setor (8,1%). Quando o setor de serviços disponibiliza mais vagas, ele ajuda a distensionar a procura por emprego, ressalta o economista da CNC.
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