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Proposta do governo para reduzir imposto de importação de alimentos é pouco eficaz, afirmam analistas – O Globo

Especialistas observam que medida não terá impacto significativo nos itens da cesta básica e lembram que clima e dólar têm mais peso nos preços

Depois de uma reunião ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros para discutir medidas para mitigar a inflação, Rui Costa, da Casa Civil, afirmou que o governo vai reduzir alíquotas para conter a alta nos preços dos alimentos. Analistas, no entanto, consideram que essa medida é mais “cosmética”, pois não teria efeitos significativos na cesta básica.

— Se os preços desses produtos no mercado internacional estiverem mais baixos do que no mercado nacional, (…) a alíquota de importação desses produtos será reduzida. Ou seja, os produtos que estejam com o preço interno maior do que o preço externo, nós atuaremos na redução de alíquota para forçar o preço a ir pelo menos para o patamar internacional — disse Costa.

Ele, no entanto, não estabeleceu um prazo para adotar essa medida.

Participaram da reunião com Lula, além de Costa, os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Carlos Fávaro (Agricultura). Foram mais de três horas de discussão. A inflação dos alimentos tem afetado a popularidade do presidente.

Costa acrescentou que não terá congelamento de preços, nem “subsídio, supermercado estatal, fiscal do Lula, nem alimento sendo vendido fora do prazo de validade”:

— A convicção do governo brasileiro é que os preços se formam no mercado, não são feitos artificialmente — disse Costa. — Para 2025, as expectativas são extremamente positivas de uma supersafra, e isso fará com que tenha uma maior oferta, que vai levar a um menor preço.

Sem impacto na cesta

Costa ainda sugeriu que os brasileiros troquem itens cujos preços estão altos, como a laranja, por outros mais baratos:

— Alguns produtos, como commodities, estão caros lá fora. Por exemplo, a laranja: teve diminuição drástica de produção nos EUA, que é um dos maiores produtores do mundo, em função de doenças na plantação. O preço internacional está tão caro quanto aqui. O que se pode fazer? Mudar a fruta. Não adianta baixar a alíquota, porque não tem produto lá fora para colocar aqui dentro.

O economista e professor do Insper Leandro Gilio avalia que a redução de imposto de importação para conter a alta de preços pode fazer sentido com alimentos que passam por problemas de produção. No geral, diz, a medida “soa mais cosmética do que com algum impacto efetivo” na inflação:

— A produção de arroz caiu historicamente. Já o leite às vezes passa por oscilação, e a variação em pó é fácil de importar. O trigo também, e não temos tradição de produção.

No caso de alimentos perecíveis, como legumes e hortaliças, o quadro é mais sensível, tanto pelo fato de a produção ser voltada para o mercado interno, quanto pelo preço do frete, que inviabiliza a operação. Para Gilio, a carne, que acumula alta de 20,84% nos últimos 12 meses e passa por ciclo de limitação do abate, também não se encaixaria na medida proposta pelo governo:

— É mais difícil porque existe uma elasticidade do consumidor em substituir por proteínas mais baratas, como frango e ovos, e não por opções importadas.

Matheus Dias, economista do FGV Ibre, considera a medida limitada e insuficiente para conter a alta nos alimentos. Ele explica que na cesta básica, por exemplo, não haveria impacto significativo. Dias aponta dois motivos para a inflação dos alimentos no último ano: o clima e a alta do dólar. Como secas e chuvas dependem da natureza, resta o câmbio.

— Muitos desses alimentos são commodities, cotados no mercado internacional. Carne, soja e milho são cotados em dólar, então, quando o dólar aumenta, o preço acaba aumentando internamente, mesmo que a gente não tenha um volume de importação significativo e produza bastante desses itens — afirma Dias.

Para Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, pode haver “efeitos pontuais”:

— Mas só isso não mudará a dinâmica inflacionária, que tem outros vetores que têm sido muito importantes, como o câmbio e a própria demanda ainda muito aquecida.

Bom para trigo e queijos

Dias explica que, no caso de legumes e hortaliças, a produção já é majoritariamente nacional, pois são alimentos de validade curta. E nossa produção de arroz, feijão e carnes supre a demanda interna, então uma redução teria efeito limitado. O mesmo acontece com grãos como café, soja e milho, diz:

— A gente até consome café de diversas regiões do mundo, mas não acredito que seja uma parcela significativa, de modo que a medida possa ter impacto relevante no preço.

Para Dias, do FGV Ibre, a medida pode ter um efeito positivo em itens à base de trigo, presente em diversos produtos da cadeia alimentícia, “principalmente os industrializados, o que acaba afetando a população mais pobre”. No caso de leite e queijos também, porque os custos de produção aqui são menos competitivos em relação a outros países.

No longo prazo

Fávaro, da Agricultura, disse que Lula pediu a ele e a Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, que continuem com as políticas de estímulo à produção de alimentos.

Costa falou ainda sobre a medida citada na quinta-feira por Haddad, de regulamentar o mercado de vales-refeição e alimentação. Ele afirmou também que o governo vai “dialogar com o mercado”:

— Vamos fazer reuniões com produtores para ter sugestões de como reduzir preços, aumentar produção. Vamos chamar as redes de supermercados e os frigoríficos grandes e médios para que possamos dialogar com o mercado medidas de estímulo da produção.

Gilio, do Insper, ressalta que a adoção de estímulos à produção seria uma medida mais efetiva:

— Crédito agrícola mais baixo, tentativas de internalizar um pouco a produção de insumos e medidas de assistência técnica ao produtor rural, principalmente o pequeno, com investimentos na armazenagem, transporte e distribuição, dariam resultados mais robustos, mas não seria do dia para noite.

Já o presidente da Associação de Exportadores e Importadores de Alimentos (Abba), Adilson Carvalhal Júnior, considera positiva a iniciativa do governo.

Segundo fontes, ministros que participaram da reunião ficaram com a avaliação de que ainda não se chegou a uma solução efetiva de curto prazo para reduzir os preços de alimentos. A redução do imposto de importação é considerada uma medida paliativa, de alcance reduzido. A esperança, para os auxiliares de Lula, está na queda do dólar e na supersafra deste ano.

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