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IRPF do apostador e impactos econômicos sobre a atratividade do mercado regulado – Jota

Regulação do tema é exemplo de como regras regulatórias facilitam desenvolvimento de uma nova atividade no país

*Por Carla Rossi

O forte crescimento do mercado brasileiro de apostas digitais nos últimos anos tornou imprescindível a implementação de uma regulação para o setor. Em 29 de dezembro de 2023, foi aprovada a Lei 14.790, que impõe uma série de regras e obrigações para os operadores de apostas de quota fixa, incluindo apostas virtuais e físicas, eventos esportivos reais, jogos online e eventos virtuais de jogos online. Contudo, alguns aspectos importantes dessa regulação foram definidos apenas mais recentemente.

Do ponto de vista econômico, um dos principais desdobramentos recentes diz respeito ao imposto de renda do apostador.

O texto aprovado no Congresso Nacional em dezembro de 2023 previa que os prêmios decorrentes das apostas de quota fixa deveriam ser apurados anualmente e, caso superassem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) após deduzidas as perdas com esse tipo de aposta, estariam sujeitos ao pagamento de IRPF com alíquota de 15%. Assim, se os ganhos obtidos nas apostas de quotas fixas durante o ano, descontando-se as perdas com essas apostas, não ultrapassassem o valor limite, o apostador ficaria isento do IRPF.

Quando o texto seguiu para a sanção do Presidente da República, porém, os dispositivos que determinavam a apuração anual e a possibilidade de descontar as perdas incorridas nas apostas foram vetados.

Nesse cenário, a Receita Federal regulamentou no último dia 7 de maio a forma de apuração e recolhimento do IRPF pelo apostador, por meio da Instrução Normativa 2.191. Por essa regulação, o imposto sobre a renda deveria ser retido na fonte pelo operador e apurado para cada aposta, após o encerramento de evento real de temática esportiva, ou para cada sessão de evento virtual de jogo online, não sendo possível deduzir as perdas incorridas em outras apostas ou sessões.

No entanto, em 9 de maio, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente à Lei 14.790/2023. Com isso, a cobrança de imposto de renda sobre as apostas será anual, incidindo apenas sobre a diferença entre os prêmios recebidos e as perdas incorridas no período, caso esse montante supere o valor da primeira faixa de isenção desse tributo. A expectativa é de que a Receita Federal adeque a Instrução Normativa ao texto final da lei.

Do ponto de vista econômico, essa alteração é positiva no sentido de estimular o mercado regulado de apostas digitais, enquanto a regra anterior, ao estabelecer que a cada evento todo prêmio acima do limite de isenção deveria ser taxado em 15%, independentemente de quaisquer outras perdas que o apostador possa ter incorrido, representaria um revés importante para a regulação desse mercado.

Diferentemente do que ocorre com as apostas tradicionais em jogos lotéricos operados pela Caixa Econômica Federal, em que os prêmios tendem a ser significativamente superiores aos custos das apostas, as apostas digitais proporcionam prêmios menores e mais proporcionais aos custos incorridos pelos apostadores. Assim, quando um apostador de jogo lotérico é premiado, a tributação não representa um grande obstáculo, uma vez que o pagamento do imposto ocorre em um cenário em que o ganho monetário líquido é expressivo. Já nas apostas digitais, os apostadores realizam inúmeras apostas e experimentam ganhos e perdas em várias ocasiões, sem que o resultado líquido seja necessariamente positivo.

Caso a tributação ocorresse por evento, os apostadores poderiam ser tributados mesmo acumulando prejuízos em suas apostas, o que agravaria ainda mais as perdas financeiras desses indivíduos. Além disso, tal regulação poderia reduzir a atratividade dos operadores regulados, incentivando uma migração de apostadores para o mercado ilegal.

Devido à natureza dos produtos e serviços digitais, como as apostas online, é muito difícil impedir que concorrentes atuem de forma ilícita, sem as licenças necessárias, sem cumprir a legislação local e sem pagar tributos. Portanto, decisões regulatórias que impactam negativamente os custos e preços no mercado regulado criam uma vantagem para os concorrentes ilegais, atraindo a demanda de alguns grupos de consumidores.

No caso das regras aprovadas pela Receita para o IRPF do apostador, o principal efeito seria uma menor atratividade de operadores regulados. Principalmente para apostadores profissionais e para aqueles que realizam apostas de valor mais alto, essas regras representariam um incentivo à migração para o mercado ilegal, uma vez que implicariam uma alíquota efetiva elevada e com maior probabilidade de gerar resultados líquidos negativos. Embora representem uma parcela relativamente pequena dos apostadores, esse grupo de consumidores tem um peso significativo para a receita dos operadores.

A recente regulamentação sobre a apuração do IRPF de apostadores é um bom exemplo de como regras regulatórias podem afetar diretamente o desenvolvimento de uma nova atividade no país.

Em um contexto de rápidas transformações tecnológicas, em que novos produtos e serviços ganham espaço e exigem o estabelecimento de uma regulação pelo governo, uma análise cuidadosa dos impactos econômicos se mostra fundamental para garantir a criação de um ambiente propício à criação e ao crescimento de um novo mercado.

*Carla Rossi é economista, com mestrado em Gestão de Políticas Públicas, e consultora da Tendências Consultoria

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