Impulso do crédito – O Globo

Impulso do crédito - O Globo

Com taxa ao consumidor no menor patamar desde setembro de 2022 e queda no endividamento das famílias, parte da indústria espera avanço em vendas

Com os juros em queda no país, o crédito pode ser o impulso para manter o consumo das famílias no ano que vem, apontam economistas. Na última quarta-feira, o Banco Central (BC) fez mais um corte na taxa básica de juros (Selic), para 11,75% ao ano, e o ciclo de queda iniciado em agosto já começa a chegar na ponta.

A taxa do crédito direto ao consumidor está em 55,4% ao ano, ainda muito alta, mas é a menor desde setembro de 2022. Em abril, havia chegado a 59,6%. Somando o menor endividamento das famílias e a renda menos comprometida com dívidas, fabricantes de bens como automóveis, eletrodomésticos, móveis e vestuário já projetam crescimento de vendas em 2024, depois da estagnação deste ano.

— É o início de uma trajetória de queda (dos juros). É um movimento que vamos ver com mais força no ano que vem, e com as famílias conseguindo renegociar suas dívidas com o programa do governo — diz Julia Braga, coordenadora do grupo de conjuntura do Ipea, referindo-se ao Desenrola Brasil, que ainda não alcançou o universo de 32 milhões de inadimplentes que poderiam ser reabilitados ao crédito, segundo o governo.

O efeito do crédito não será suficiente para manter em 2024 a economia no mesmo ritmo deste ano, que teve melhora no mercado de trabalho. A previsão do mercado é que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça entre 1,5% e 2% no ano que vem, abaixo dos 3% previstos para 2023, mas Julia diz que o crédito pode dar fôlego ao consumo em 2024:

— O movimento do crédito tem muito a percorrer, no sentido de incentivar a economia.

Da máquina de lavar ao aparelho de barbear

O universitário carioca Pedro Marques, de 22 anos, aproveitou a última Black Friday, juntamente com o pai e o tio, com quem mora, para comprar uma máquina de lavar, em dez parcelas. Ele ganha pouco como estagiário, mas o salário do pai subiu, o que aumentou a confiança deles para a compra. Depois de habilitar um cartão de crédito, ele agora planeja parcelar também um aparelho de barbear:

— Sempre fui contra (cartão de crédito), por não me achar tão responsável e ver valores cobrados incompatíveis com minhas necessidades. Por isso escolhi um cartão com benefícios e taxas mais compatíveis com minha realidade.

José Jorge do Nascimento, presidente executivo da Eletros, que reúne os fabricantes de eletrodomésticos, prevê que, se a Selic confirmar a previsão de analistas para o fim de 2024 e cair para perto de 9%, as vendas sobem no ano que vem, ofuscando 2022 e 2023, os piores do setor em dez anos:

— Com a Selic chegando a 9%, 8%, redução da pressão inflacionária e custo de produção menores, há uma expectativa de alta de 5% a 8%. Sem isso, devemos igualar este ano.

Menor endividamento

A mesma perspectiva alimenta previsões da Anfavea, que reúne montadoras e prevê emplacamento 7% maior em 2024, sendo 6,6% para veículos leves e 14,1% para pesados. Na produção, a alta deve ser de 4,7%. O crédito é um fator decisivo em boa parte das compras de carros e caminhões. Para Marcio Lima Leite, presidente da Anfavea, o último corte da Selic vai mexer bastante com o mercado automotivo, principalmente pela indicação do BC de novos cortes de 0,5 ponto percentual:

— Para o consumidor também vai cair, e isso é muito favorável para o nosso mercado.

A construção civil também espera maior disposição para a compra de imóveis. A Construtora MBigucci, por exemplo, lançou quatro empreendimentos em 2023, com 400 unidades. Vai dobrar no ano que vem. Serão oito lançamentos, com 859 unidades.

— Em novembro, houve alta forte nas vendas. O faturamento aumentou 35% frente a outubro. Foram 31 vendas de apartamentos em outubro e 50 em novembro — diz Milton Bigucci Junior, diretor técnico da empresa.

Compra no 2º semestre

A gerente de marketing Luara de Araújo, de 33 anos, e o marido se preparam para comprar um imóvel em São Bernardo do Campo (SP) no segundo semestre do ano que vem, quando acreditam que os juros estarão mais baixos. Com uma filha de 2 anos, o casal já começou a juntar dinheiro:

— Temos um imóvel financiado, mas, como a família cresceu, mudamos para um apartamento maior, de aluguel. Iniciamos economia mensal para dar entrada em outro e depois complementar com financiamento bancário.

Mesmo com a queda no fim do ano, os juros reais (descontada a inflação) vão continuar altos em 2024, aponta a pesquisadora do FGV Ibre Silvia Matos. Mas ela diz que o efeito do crédito vai aparecer com mais força na economia a partir da segunda metade do ano.

— O ciclo de crédito mais favorável virá mais para segundo semestre e em 2025, quando o mundo e os EUA começarem a reduzir juros — diz a economista, referindo-se ao contexto internacional que pode facilitar a queda mais forte da Selic.

Silvia chama a atenção para a inadimplência bem mais alta na baixa renda, mas em queda: foi de 12,15% em janeiro para 11,53% em outubro. Nas famílias que ganham mais de cinco salários mínimos, a taxa é bem mais baixa, de 4,65%.

— O problema da inadimplência está concentrado na média e baixa renda, que não têm acesso a crédito consignado, de automóveis e outros mais baratos. Dependem do cartão de crédito e do parcelamento do varejo. Como a inadimplência vem caindo, isso permite que o juro (ao consumidor) caia mais também.

O endividamento das famílias chegou a 47,7%, a menor parcela desde setembro de 2021, segundo o BC, o que abre espaço no orçamento para o consumo. Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), diz que a melhoria nas condições do crédito começou em maio, ainda antes de a Selic começar a cair:

— A taxa média de juros chegou a 60% (ao ano) em maio e caiu para 55%. Está distante do ideal, mas cinco pontos desafogam o orçamento familiar.

A inadimplência, que estava em 6,3% em junho, caiu para 5,91% em outubro, aponta Isabela Tavares, economista da Tendências. Ela prevê alta de 3,1% no crédito em 2024:

— O Desenrola favoreceu a redução da inadimplência e a oferta (de crédito). O comprometimento da renda (com dívidas) também reduziu (está em 27,4%). E as concessões que vão crescer no ano que vem são de melhor qualidade, de veículo e consignado.

Uma parte do crescimento acima do esperado do consumo das famílias no terceiro trimestre deste ano veio pelo crédito, diz Bentes. Ele cita a alta de 1,1% no consumo das famílias na divulgação do PIB do terceiro trimestre pelo IBGE no início do mês. Em 2024, algumas condições que favoreceram isso não devem se repetir, como o alívio no bolso provocado pela deflação no preço dos alimentos neste ano, a primeira desde 2017. Mas o crédito pode compensar a falta desse fator, avalia o economista da CNC, que vê maior benefício para setores como vestuário, móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos:

— Esses setores devem conseguir finalmente voltar ao nível de antes da pandemia. Ainda estão 4% abaixo. Este ano, só o varejo de produtos essenciais conseguiu crescer.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!

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