Governo Lula 3 somará ao menos R$ 387 bi em gastos fora da meta fiscal com pacote antitarifaço – Estadão
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- 18/08/2025
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Valor aumentou com medidas de socorro a empresas afetadas por sobretaxa de Trump e inclui despesas com PEC da Transição, precatórios e auxílio ao RS; Fazenda atribui 87% do montante a governo Bolsonaro
BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai totalizar em seu terceiro mandato pelo menos R$ 387,8 bilhões em gastos não contabilizados na meta fiscal, uma das principais regras das contas públicas no País. O número foi atingido com o pacote de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciado na quinta-feira, 13, que vai retirar R$ 9,5 bilhões da meta até 2026.
O plano de socorro, batizado de Brasil Soberano, terá R$ 4,5 bilhões em gastos com aportes em fundos garantidores e R$ 5 bilhões em renúncias de receitas do Reintegra, programa que beneficia exportadores, ambos fora da meta. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apresentou um projeto de lei complementar para autorizar o governo a fazer essa manobra, que precisa passar pelo crivo do Congresso Nacional.
A medida foi criticada por especialistas, que apontam uma prática recorrente da equipe econômica de burlar a regra em momentos de emergência e diminuir a credibilidade da âncora fiscal. De 2023 a 2026, os gastos fora da meta de resultado primário somarão ao menos R$ 387,8 bilhões, segundo números do Tesouro Nacional analisados por especialistas consultados pelo Estadão.
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que 87% do montante “decorre da necessidade de reverter o calote em credores de precatórios aplicado pelo governo Bolsonaro e de aprovar uma PEC de Transição para recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir buracos no Orçamento deixado pelo governo anterior”
Fábio Serrano, diretor executivo de Pesquisa Macroeconômica do BTG Pactual, calcula que R$ 334 bilhões estão fora da meta nos três primeiros anos de governo, e estima que pelo menos R$ 55 bilhões em precatórios (dívidas judiciais da União) serão excluídos no ano que vem. Com isso, serão R$ 389,7 bilhões em quatro anos, no total.
O cálculo é similar ao de Tiago Sbardelotto, auditor licenciado do Tesouro e economista da XP Investimentos, que chegou a R$ 387,76 bilhões. Em ambos os casos, o risco é que a conta fique maior, com novas concessões feitas pelo Congresso durante a tramitação da proposta de socorro, e com a proximidade das eleições presidenciais de 2026.
Os valores incluem o reajuste do Bolsa Família feito em 2023 pela PEC da Transição, o pagamento do calote dos precatórios dado no governo Jair Bolsonaro (PL), as medidas de socorro à calamidade climática no Rio Grande do Sul e o ressarcimento de aposentados e pensionistas vítimas da fraude no INSS, entre outras despesas.
“O programa Brasil Soberano nos pareceu bem calibrado para lidar com os impactos das tarifas, apesar de o número ter ficado um pouco acima do esperado. No entanto, a exclusão da meta aumenta o risco de que seja ampliado no Congresso, já que a operação contábil remove uma restrição orçamentária que limitava a medida”, diz Serrano.
“Essa iniciativa se soma a diversas outras retiradas da meta ao longo dos últimos anos. O arcabouço funciona num sistema de banda (intervalo de tolerância) justamente para acomodar choques; mas, como o governo federal tem consistentemente mirado a banda inferior e não o centro da meta, todos os choques sofridos nesse período têm sido acomodados fora da contabilização do resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida)”, completa o economista.
Sbardelotto diz que esse tipo de prática acaba enfraquecendo a meta de resultado primário como um indicador confiável sobre as contas públicas.
“O grande problema é que a multiplicação de deduções, algumas de forma casuística, acaba fragilizando a meta de resultado primário como indicador de esforço fiscal do governo”, afirma. “Em outros termos, o governo pode até cumprir a meta, mas o déficit real, o que impacta efetivamente a dinâmica da dívida pública, continua sendo muito maior”, diz.
Em 2023, o governo aumentou o espaço do antigo teto de gastos em R$ 145 bilhões, que ficaram fora do cálculo da meta, após a aprovação da PEC da Transição no ano anterior. Também em 2023, o STF liberou o pagamento de R$ 92,4 bilhões em precatórios que o governo Bolsonaro havia prorrogado e os valores não foram contabilizados na regra fiscal.
Parte do pagamento de precatórios continuou fora do cálculo da meta nos anos seguintes. Recentemente, o governo patrocinou uma proposta na Câmara para adiar em dez anos o retorno total desses valores à baliza fiscal. Agora, com o pacote do tarifaço, o Poder Executivo foi além e propôs não só a retirada de mais despesas da meta, mas também a exclusão de renúncias de receitas da contabilidade.
Com o Reintegra, que gera créditos tributários para exportadores, serão R$ 5 bilhões a menos na arrecadação que aumentarão o déficit, mas que serão contabilizados como se a receita tivesse entrado. Se o governo ressarcir as empresas em vez de abater o pagamento de outros impostos, como prevê o programa, os gastos também não entrarão no cálculo da meta.
“O governo pode até cumprir a meta, mas o déficit real, o que impacta efetivamente a dinâmica da dívida pública, continua sendo muito maior.” (Tiago Sbardelotto, auditor licenciado do Tesouro e economista da XP Investimentos)
As exclusões foram autorizadas por leis aprovadas no Congresso, como no caso da PEC da Transição, ou por decisões do STF, como nos precatórios.
Para o analista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria, as despesas fora da meta com dívidas judiciais e de socorro à crise climática no Rio Grande do Sul se justificam. Os demais gastos fora da contabilidade tradicional, por sua vez, não são defensáveis, avalia.
No caso dos precatórios, o Judiciário entendeu que havia um princípio maior, de pagar o que se deve, em nome da segurança jurídica. E, para o Rio Grande do Sul, a medida foi um socorro a uma calamidade humanitária com flexibilização autorizada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“O atual estado das contas públicas passa a divergir muito daquilo que conta para a meta. A regra fiscal fica como se estivesse balizada em uma ficção. É um mundo onde algumas coisas não importam ou importam menos”, diz Leme.
“A regra fiscal fica como se estivesse balizada em uma ficção. É um mundo onde algumas coisas não importam ou importam menos. (João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria)
O piso e o centro da meta
Os especialistas avaliam que o governo deveria incluir os gastos do pacote do tarifaço na meta. A primeira observação é que há um crescimento na arrecadação que poderia acomodar essas despesas, com receitas com leilões de petróleo e recebimento de resultados financeiros de bancos públicos. Nesse caso, outros gastos deveriam ser congelados.
Além disso, o governo deveria buscar o centro da meta fiscal e usar o espaço de tolerância (leia mais abaixo) para bancar gastos imprevisíveis. O Executivo, porém, tem usado essa margem para despesas corriqueiras e recorrido a medidas fora da meta para situações extraordinárias, como apontou relatório recente da Consultoria de Orçamentos do Senado.
Colocar os gastos na meta faria com que o governo tivesse de cortar outras despesas para cumprir a regra. Integrantes do Executivo dizem que isso inviabilizaria os serviços públicos, as agências reguladoras e os investimentos. O caixa da União está comprometido com despesas obrigatórias, como os benefícios previdenciários, o que diminui cada vez mais a folga para o custeio da máquina e obras públicas.
“O Orçamento é rígido, mas, ao invés de isso ser um ponto argumentativo para abrirmos exceções à regra e fingir que as regras não importam, é preciso desenhar melhor a lista de prioridades”, opina João Pedro Leme.
Entenda o que é a meta de resultado primário
A meta de resultado primário é uma regra de equilíbrio entre receitas e despesas públicas (sem contar o endividamento) instituída pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000. O governo é obrigado a perseguir o objetivo, delimitado a cada ano. O novo arcabouço fiscal, aprovado em 2023, permitiu ao Executivo trabalhar com uma meta com um piso de tolerância que, na prática, admite resultados piores.
O objetivo em 2025 é zerar o déficit público, com um piso de tolerância de déficit de R$ 31 bilhões. O governo já está usando esse limite e admitindo fechar as contas no vermelho.
Em 2026, a meta é gerar um superávit de R$ 34,3 bilhões, com piso de tolerância de déficit zero. Quando uma despesa fica fora da meta, o gasto continua existindo e é real, mas não é considerado na hora de calcular se o governo cumpriu ou não o objetivo.
Fazenda atribui maior parte do gasto ao governo Bolsonaro
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que, dos R$ 389 bilhões fora da meta levantados, R$ 337 bilhões (87%) “decorrem da necessidade de reverter o calote de precatórios aplicado pelo governo Bolsonaro e de aprovar uma PEC de transição para recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir buracos no orçamento deixado pelo governo anterior, como Bolsa Família, Farmácia Popular, entre outros”.
Do restante, a pasta diz que a Lei Paulo Gustavo (R$ 4 bilhões) foi aprovada em 2022 sem previsão orçamentária e que os R$ 9,5 bilhões do pacote antitarifaço, batizado de Brasil Soberano, são voltadas a “apoiar empresas e trabalhadores impactados por tarifas unilaterais impostas ao Brasil”.
A pasta também diz que R$ 30 bilhões foram destinados ao enfrentamento do “maior desastre climático da história recente do País, ocorrido no Rio Grande do Sul em 2023″. A Fazenda argumenta ainda que os R$ 8 bilhões restantes representam apenas 2% do total e que “parte decorre de decisões judiciais e determinações de órgãos de controle, sem relação com iniciativas discricionárias do Poder Executivo”.
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