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Mudança em impostos e receitas extras – O Globo

Montante supera o gasto anual do Bolsa Família, de cerca de R$ 160 bilhões. Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve reunião com os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, e outros líderes partidários

Mais de R$ 170 bilhões já entraram nos cofres públicos decorrentes de medidas extraordinárias de arrecadação nos dois primeiros anos do atual governo, segundo levantamento realizado pelo economista João Leme, da Tendências Consultoria, a pedido do GLOBO. O número equivale, por exemplo, a pouco mais que o orçamento do Bolsa Família, previsto em R$ 159,5 bilhões neste ano.

A cifra bilionária de arrecadação extra ainda não considera o recente aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que pode render à União R$ 19,1 bilhões em 2025 e R$ 38,2 bilhões em 2026, se não for revogada após forte ofensiva do Congresso.

Ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), estiveram reunidos na residência oficial de Motta, em Brasília, para debater medidas alternativas à alta do IOF.

Parlamentares da base do governo, incluindo de partidos do Centrão, como o deputado Doutor Luizinho (PP-RJ), e o senador Efraim Filho (União-PB), também participaram na reunião. A oposição não foi convidada. O encontro teve ainda a presença da ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.

A resistência ao aumento do IOF é considerada uma evidência da exaustão da estratégia de ajuste das contas públicas pelo lado da receita, que rendeu a Haddad a alcunha de “Taxad” nas redes sociais. O ministro, porém, defende que as medidas são necessárias para recuperar a base arrecadatória, que foi dilapidada nos últimos anos, especialmente devido ao crescimento de renúncias fiscais.

No fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, a receita líquida da União era de 20,20% do PIB. Essa fatia caiu para 18,40% no fechamento de 2022. Para 2025, a previsão é de 18,20%. Ao mesmo tempo, há críticas por falta de medidas estruturais de corte de despesas.

Especialistas em contas públicas concordam ser necessário rever os benefícios tributários, mas também creditam a busca por novas receitas ao forte crescimento de gastos no início do governo, renovado a cada ano com um aumento real, que varia entre 0,6% e 2,5%, conforme o arcabouço fiscal. Eles reconhecem, por outro lado, que, até o momento, houve limitação no Congresso para a aprovação de medidas de corte de despesas e para a revogação de benefícios fiscais.

Dividendos de estatais

Esse quadro pode mudar após a crise do IOF. A alta da alíquota desse imposto incidente sobre crédito, operações de câmbio e planos de previdência privada foi o primeiro aumento efetivo de tributo anunciado pela equipe de Haddad. Desde 2023, porém, a Fazenda já adotou uma série de iniciativas que geraram ampliação da arrecadação, como mostra o levantamento da Tendências.

A obtenção de R$ 176,5 bilhões de receitas foi calculada com base em dados oficiais da Receita Federal e do Tesouro Nacional. Para números relativos a 2023, houve correção pela inflação. A cifra pode ser ainda maior, segundo João Leme, porque há mudanças cujo impacto não foi desagregado pelo governo, como é o caso do fim da dedução de benefícios do ICMS do pagamento de impostos federais.

São exemplos de medidas que irrigaram os cofres do governo Lula a reoneração dos tributos federais sobre os combustíveis, extinguindo a desoneração realizada pelo governo Jair Bolsonaro no ano eleitoral de 2022 e o fim de benefícios como no caso da “taxa das blusinhas”.

“Houve medidas acertadas, mas também houve excesso, como é o caso do IOF” (João Leme, economista da consultoria Tendências)

Houve ainda aumento de arrecadação com as outorgas concedidas a plataformas de apostas e jogos de azar, após a regulamentação do mercado; e mudança na tributação sobre fundos exclusivos e offshore. Fora da competência da Receita Federal, o caixa do governo também foi reforçado com dividendos extraordinários de estatais e receitas de concessões, como no caso de repactuação de contratos de ferrovias.

Ainda que parte das mudanças seja considerada meritória para corrigir distorções tributárias, especialistas avaliam que há excessos. Isso ficou claro com o IOF.

— Houve medidas acertadas para coibir planejamento tributário, aperfeiçoar a regulação. Mas também houve excesso do governo, como é o caso do IOF, que é um imposto regulatório que foi duplicado ou até triplicado — disse João Leme, da Tendências.

O economista do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, destaca a magnitude da mudança promovida pelo governo no imposto. Em percentual do Produto Interno Bruto (PIB), a arrecadação com o IOF sobe de 0,6% para 0,9% do PIB.

— É praticamente aumentar em 50% a arrecadação com o IOF. É um patamar próximo da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) quando foi extinta. O problema não é só usar um imposto regulatório para fins de arrecadação que gera distorção. A magnitude é significativa.

Na opinião de Bittencourt, estava claro desde o início do governo que a equipe econômica teria de correr atrás de receitas extras para fazer frente ao forte aumento de gastos. O salto no nível das despesas ocorreu antes da posse de Lula, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, e tornou-se perene com o aumento real garantido pelo arcabouço fiscal. Antes, a regra era o teto de gastos, que limitava o aumento de despesas à inflação do ano anterior.

— As diretrizes de ter que buscar receita ao longo do mandato foram determinadas já nos três primeiros meses do governo — destacou.

“As diretrizes de ter que buscar receita ao longo do mandato foram determinadas já nos três primeiros meses do governo” (Jeferson Bittencourt, economista do ASA e ex-secretário do Tesouro)

Questionado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.

Além disso, afirmam os especialistas, a ofensiva do Congresso após o anúncio da alta do IOF evidencia o esgotamento dessa estratégia. Como é um imposto regulatório, o Executivo tem prerrogativa para alterar sozinho as alíquotas. No entanto, após a forte repercussão negativa, uma série de projetos de decreto legislativo foram apresentados pelos parlamentares para sustar o efeito da medida.

— A opção pelo IOF foi o reconhecimento de que não tinha mais espaço para discutir com a sociedade e com o Congresso outras medidas de arrecadação. Provavelmente, tinham coisas melhores, mas sabiam que teriam que negociar com o Congresso, e não tinham nem espaço nem tempo para isso — avalia Bittencourt.

Já em 2023, a mudança na tributação de encomendas internacionais de até US$ 50, que antes eram isentas e passaram a ser taxadas, gerou mau humor entre a população com o governo.

Trava no Congresso

Leme concorda que, apesar de contraditório, o aumento do IOF foi a saída encontrada pela Fazenda para ajustar as contas deste ano e alcançar a meta diante da resistência dos parlamentares a soluções anteriores. A meta deste ano é zero, com limite de tolerância de déficit de até R$ 31 bilhões, atual projeção do governo.

No ano passado, o Congresso chegou a devolver parte de uma medida provisória enviada pelo presidente Lula que limitava o uso de créditos do PIS/Cofins. Os parlamentares também deixaram de lado um projeto de lei para elevar temporariamente o CSLL, iniciativa que serviria para reforçar o caixa do governo em 2025.

Pelo lado das despesas, houve desidratação no pacote de contenção de gastos enviado pelo governo no fim do ano passado, e algumas medidas ainda não foram apreciadas, como mudanças na previdência dos militares e limitação aos supersalários no funcionalismo público.

Parte dessas medidas pode ser retomada após a crise do IOF. Também estão em discussões revisão de isenções fiscais, desvinculações de receitas e reforma administrativa, entre outras medidas.

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