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100 dias de governo: Proposta de arcabouço fiscal traz risco de aumento de carga tributária

(Política fiscal: Pacote Haddad e desenho do novo arcabouço fiscal)

Postado originalmente em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/proposta-de-arcabouco-pode-aumentar-carga-tributaria.ghtml

As escolhas de política fiscal pelo novo governo começaram a ser feitas antes mesmo da posse, diante da herança de um orçamento inexequível por parte do governo anterior e que resultou na aprovação da PEC da transição (Emenda Constitucional nº 126 de 2022), em dezembro. O mecanismo abriu espaço para despesas extra-teto de gastos estimados em cerca de R$ 168 bilhões, algo que rapidamente virou motivo de críticas e apreensão nos meios econômicos, tendo em vista seus impactos adversos sobre os números fiscais em 2023 e potenciais implicações para os anos à frente.

A versão aprovada da PEC da transição trouxe importantes ajustes em relação à demanda inicial do novo governo, com destaque à limitação por apenas 1 ano para os gastos extraordinários com despesas sociais fora do teto, sendo que inicialmente o governo buscava o período de 4 anos. De qualquer forma, a retórica agressiva do presidente Lula contra o teto de gastos e promessas de recomposição de despesas importantes, como em investimentos públicos, reajustes reais do salário-mínimo, salário do funcionalismo, saúde e educação, além dos programas sociais renovados, acentuaram as preocupações dos agentes econômicos com os rumos das contas públicas nos próximos anos, em especial a trajetória do endividamento.

Diante da reação adversa aos sinais emitidos desde o término das eleições presidenciais, que envolveu pressão crescente sobre a curva de juros e períodos de maior volatilidade na taxa de câmbio, o ministério da Fazenda divulgou, em 12 de janeiro, um conjunto de medidas visando estancar a desconfiança dos analistas de mercado acerca da condução fiscal, com ênfase no ano de 2023. O pacote anunciado trouxe como objetivo um ajuste em torno de R$ 242 bilhões para este ano, com foco principalmente em propostas para a elevação das receitas, no montante de R$ 192 bilhões. Já com relação às despesas, o pacote apontou estimativa de redução de R$ 50 bilhões.

No entanto, os meios anunciados para o alcance dos objetivos ainda são fonte de cautela. Do lado das receitas, a recomposição da cobrança de PIS e Cofins sobre combustíveis ocorreu apenas de forma parcial, enquanto outras iniciativas dependem do aval do Congresso e correm risco de judicialização, como são os casos do “voto de qualidade” exercido por representantes da Fazenda no Carf e a criação de um programa de regularização fiscal aos moldes do Refis (programa Litígio Zero). Do lado das despesas, as menções foram genéricas, contemplando R$ 50 bilhões igualmente divididos em “Revisão de contratos e programas” e “Autorização para execução inferior ao autorizado na LOA 2023”, o que sugere maior controle na “boca do caixa”.

Assim, diante da cautela sobre o potencial de entrega do pacote e tendo em vista o foco de curto prazo, as atenções acerca da política fiscal nestes primeiros 100 dias de governo ficaram voltadas fundamentalmente às negociações e informações sobre o chamado novo arcabouço fiscal, que terá como objetivo substituir a regra do teto de gastos como principal âncora sobre o tema para o equilíbrio das contas públicas. Diante da complexidade do assunto e das pressões elevadas por gastos, em um governo que aposta na retomada de um modelo de Estado indutor para impulsionar a economia e que tem feito promessas diversas de atender a inúmeras demandas, o desenho das novas regras permaneceu cercado de muita incerteza no período.

Na última semana de março, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou as linhas gerais do novo arcabouço fiscal, mas ainda faltasem o detalhamento dos mecanismos de operação da regra. Do lado positivo, foi incorporado um mecanismo de controle de gastos, ainda que dependente da dinâmica das receitas, o que limita o efeito anticíclico da proposta. Os pontos apresentados confirmaram a expectativa pela opção de permitir incremento real das despesas, quando comparada à regra de teto de gastos. Além disso, o desenho inicial da proposta corrobora a leitura de que a questão fiscal será tratada pela combinação de esforços no controle de gastos e na recuperação de receitas. Sob essa ótica, as metas e projeções para primário (0,0% do PIB em 2024, 0,5% do PIB em 2025 e 1,0% em 2026) e para dívida bruta (76,5% em 2026) dependem de recuperação das receitas, seja pela perspectiva de crescimento econômico, recuperação dos incentivos tributários concedidos no passado ou mesmo de aumento de carga. Em linhas gerais, o desenho inicial proposto pelo governo traduz a opção pelo gradualismo no tratamento dos gastos e, especialmente, no peso relevante da recuperação das receitas no ajuste fiscal desenhado para estabilizar a dívida no médio e longo prazo, com incentivo para aumento de carga tributária.

Silvio Campos Neto é analista sênior e sócio da Tendências Consultoria.