100 dias de governo: Mudanças parafiscais podem prejudicar crédito a empresas

(Papel dos bancos públicos: Caixa e BNDES)

Publicado originalmente em: https://www.poder360.com.br/opiniao/mudancas-parafiscais-podem-prejudicar-credito-a-empresas/

O mercado de crédito apresenta-se como um tema relevante na agenda econômica do governo Lula, seja pela busca de redução da inadimplência e melhora da situação financeira das famílias, ou pelo sinal de ampliação da atuação dos bancos em projetos de investimentos, com foco na maior utilização do BNDES. O tema entra no radar do novo governo em um ano marcado pela desaceleração das concessões de crédito o que afeta negativamente o consumo de famílias e empresas, dada a piora nas condições de financiamento, com elevação dos juros e aumento significativo do risco de crédito. Inclusive, casos recentes de problemas financeiros em empresas do setor varejista e do setor bancário internacional acendem alerta quanto ao risco sobre a oferta de crédito e suas consequências para o crescimento econômico.

Em seus discursos, o presidente sinaliza a ampliação da utilização dos bancos públicos em parceria com o setor produtivo para incentivar os investimentos, ressaltando a importância do BNDES. Para o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o Banco precisa ampliar seus desembolsos e aumentar sua participação em relação ao PIB. Além disso, ele aponta possíveis alterações na taxa de juros de longo prazo (TLP), ainda que sem propostas efetivas.

Em 2022, os desembolsos do BNDES somaram R$ 97,5 bilhões, com crescimento real de 39,1% em relação a 2021. Em participação do PIB, os desembolsos totais do banco responderam por 1,0%. No primeiro mandato do governo Lula, os desembolsos do BNDES somaram R$ 171,6 bilhões entre 2003 e 2006, dos quais 46,5% foram destinados aos setores da indústria de transformação e 34,9% para infraestrutura. Nos anos seguintes de governos do PT, o BNDES ampliou os desembolsos. Entre 2011 e 2014, o BNDES representou, em média, 3,3% a.a. do PIB total.

Nessa época, o Banco operava com base na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), a qual era inferior à taxa básica de juros da economia (Selic), bem como inferior aos juros praticados no mercado.

Figura: Desembolsos do BNDES e participação no PIB

Fonte: BNDES e IBGE (elaboração Tendências) / Valores deflacionados pelo IPCA (dez/22 = 100)

Com queda significativa no volume de desembolsos desde 2015, a participação do Banco na matriz de financiamento nacional passou a ser menor a cada ano. Em 2016, o Banco respondeu por 1,4% do PIB em desembolsos. Esse encolhimento refletiu mudanças na diretriz do banco.

Na gestão da Maria Silvia Bastos Marques (2016-2017), a política operacional divulgada pela instituição trazia atuação mais voltada para projetos que gerassem externalidades positivas à sociedade, como por exemplo, projetos de infraestrutura. Em 2017, os desembolsos do BNDES para infraestrutura responderam por 39,4% do total, contra 30,6% em 2016.

Em 2018, como continuidade das mudanças ligadas ao BNDES no sistema financeiro nacional, houve a criação da TLP (Taxa de Longo Prazo) para substituir a TJLP, que eliminou as taxas subsidiadas para novos empréstimos. Gradualmente, a nova taxa seguiria as taxas de mercado. Enquanto a TJLP era calculada a cada três meses pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), com base na meta de inflação e prêmio de risco, a TLP tem seu valor atrelado aos movimentos do mercado, por ser determinada pela variação do IPCA e por um componente real da estrutura a termo das NTN-Bs para o prazo de cinco anos.

Pode-se dizer, nesse sentido, que a mudança de diretriz do banco atrelada à nova regra nas taxas de financiamentos possibilitou grande evolução em fontes alternativas de financiamentos para empresas, à medida que o custo de se financiar pelo BNDES e pelo mercado de capitais ficaram mais próximos com a TLP.

Além do desenvolvimento do mercado de capitais, a mudança na diretriz do Banco também permitiu maior participação de empresas de menor porte nos desembolsos. Em 2018, o primeiro ano de TLP em prática, as empresas PMEs (micro, pequenas e médias empresas) responderam por 44,7% dos desembolsos, enquanto em 2014 esse percentual era de apenas 31,6%. Nesse mesmo ano, as emissões domésticas no mercado de capitais responderam por 12,4% do total de crédito das empresas, após 7,3% em 2015.

Figura: Crédito amplo – participações do tipo de financiamento (%) e taxas de juros

Fonte: Banco Central, BNDES e Anbima (elaboração Tendências) / Taxas de juros estão na média ao ano.

Outra vantagem discutida na literatura sobre a mudança na diretriz e nos juros do BNDES foi a maior eficiência da política monetária na economia, uma vez que maior parcela do crédito é afetada por mudanças na Selic.

No entanto, declarações de membros do governo apontam risco de mudanças na política parafiscal, com retomada da expansão significativa dos desembolsos do BNDES e eventual mudança na taxa de juros de longo prazo. Isso prejudicaria o desenvolvimento do mercado de capitais, cujo crédito seria ofertado em condições menos atrativas do que as praticadas pelo anco de fomento.

O foco ficará nas ações a serem tomadas pelo BNDES na questão dos desembolsos e em eventuais mudanças na TLP. Vale lembrar que, durante a pandemia, o BNDES promoveu mudanças para auxiliar as empresas com os decorrentes problemas financeiros e, com isso, ajudar na retomada do crescimento econômico prejudicado pela crise sanitária, como a utilização de programas para empresas de menor porte e alterações nos juros do Banco, mas que se mostraram eficientes.

Isabela Tavares é economista da Tendências Consultoria.

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