Trabalhadores por conta própria e informais puxam taxa de ocupação – Estadão

Trabalhadores por conta própria e informais puxam taxa de ocupação - Estadão

Especialistas veem risco de aumento do déficit com descompasso entre valor da contribuição e da aposentadoria

O avanço do chamado empreendedorismo por necessidade, que levou a um salto de 168% no número de microempreendedores individuais (MEIs) nos últimos quatro anos, ampliou as preocupações sobre o déficit da Previdência, sobretudo para financiar as aposentadorias a médio prazo.

“Estamos aumentando uma bomba-relógio atômica”, afirma o economista Hélio Zylberstajn, professor sênior da USP e coordenador do projeto “Salariômetro”, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

A figura do microempreendedor individual foi criada para formalizar trabalhadores brasileiros que desempenhavam diversas atividades, mas não tinham amparo legal ou segurança jurídica. A legislação entrou em vigor em 2009. Atualmente, o faturamento anual máximo de um MEI é de R$ 81 mil. Já a contribuição mensal para o sistema previdenciário é de R$ 70,60 para aposentadoria e outras proteções, como seguro de acidente de trabalho e de vida.

O maior problema, diz Zylberstajn, é que a aposentadoria de um salário mínimo a que os MEIs terão direito não será coberta por esse valor de contribuição. “Pelos cálculos atuariais, essa contribuição não paga, nem de longe, esse salário.”

O MEI está em operação há 15 anos. Zylberstajn observa que já deve ter “um batalhão” contribuindo há bastante tempo que, mais para frente, irá se aposentar com direito a receber um salário mínimo.

“LIBERDADE”. Ronaldo Queiroz da Silva Costa, de 36 anos, faz parte desse movimento de empreendedorismo por necessidade que vem mudando o perfil do mercado de trabalho.

Em meados do ano passado, Costa resolveu pedir a conta do emprego de auxiliar de limpeza e empreender por conta própria. Fazia quase um ano que trabalhava com carteira assinada em um prédio residencial em São Paulo e ganhava um salário mínimo. Costa pediu demissão para virar motorista em tempo integral de carro de aplicativo.

“Decidi trabalhar por conta própria por causa da liberdade e para ganhar mais.”, diz. Como motorista de aplicativo chega a faturar entre R$ 3 mil e R$ 4 mil líquidos, dependendo do mês. E não pretende voltar a procurar emprego com carteira assinada, a menos que apareça uma caga que valha a pena.

A taxa de desemprego é a relação entre o número de pessoas que procuram um trabalho e o total da população em idade de trabalhar. Quando Costa e outros brasileiros decidem desistir de ir atrás de emprego, eles contribuem para a redução do índice médio de desocupação. “A taxa de desemprego não está caindo porque a economia está bombando, mas porque a procura por emprego diminuiu”, observa Fábio Bentes, economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Mas, ao virar motorista de aplicativo e artesão – Costa também faz sabonete e cesta de café da manhã para vender -, o ex-auxiliar de limpeza engrossa outro grupo de trabalhadores: os formais por conta própria, muitos deles microempreendedores individuais.

ENVELHECIMENTO. A conta da Previdência não fecha não só por causa do avanço da informalidade dos MEIs, mas também por causa da diminuição da fatia de jovens trabalhando e contribuindo e do aumento da proporção de idosos se aposentando, acrescenta Zylberstajn. “A expansão do mercado de trabalho não está mais no emprego com carteira (de trabalho assinada), os dados mostram isso.”

O aumento da precarização das relações de trabalho é um dos grandes desafios da Previdência, pois diminui a arrecadação e amplia o número de indivíduos expostos aos riscos sociais, observa o economista Lucas Assis, da Tendências Consultoria Integrada.

Outro desafio da Previdência apontado pelo economista é a maior expectativa de vida dos idosos, o que, do ponto de vista atuarial, vai representar crescente fonte de despesas. “Os idosos receberão benefícios, como a aposentadoria por idade e pensão por morte, por mais tempo, prorrogando, assim, o vínculo previdenciário.”

Diante da alteração do perfil da ocupação no mercado de trabalho, Zylberstajn aponta a necessidade de mudanças no sistema previdenciário. “Não adianta fazer o que fizemos em 2019, que são reformas paramétricas (da Previdência): esticar a idade da aposentadoria e aumentar o prazo de contribuição.”

Faz 20 anos que a Fipe defende uma reforma da Previdência baseada em pilares como o uso do FGTS como uma aposentadoria capitalizada. A conta vinculada pagaria uma taxa de mercado para os recursos depositados, e o trabalhador poderia optar pelo uso do dinheiro em caso de desemprego ou guardá-lo para a aposentadoria.

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