STF contrata ‘economista-chefe’, uma novidade bem-vinda – JOTA
- Na Mídia
- 15/12/2023
- Tendências
Análise econômica aperfeiçoa resposta do Judiciário a problemas complexos
*Por Ernesto Moreira Guedes Filho e Adriana Hernandez Perez
Em setembro de 2023, foi anunciada pelo novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, a indicação de um economista para assessorá-lo em pautas econômicas, com o cargo de assessor especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de Guilherme Resende, com ampla experiência anterior como economista-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e que agora assume função similar no STF.
A análise econômica e financeira de questões judiciais constitui uma das principais atividades às quais os autores deste artigo se dedicam diariamente em sua atividade profissional. A vida das pessoas e o dia a dia das empresas estão imersos em uma multiplicidade de relações econômicas, e as questões do direito envolvendo essas relações configuram um dos principais temas dos processos que chegam diariamente ao Judiciário. Sua análise vai muito além da perícia contábil, que já integra os procedimentos usualmente utilizados.
Por que a análise econômica se faz necessária
Uma das conclusões recentes da teoria econômica é que os contratos são intrinsecamente incompletos. Contratos e leis não são capazes de descrever e contemplar todas as ações necessárias para cada cenário. É inviável ou mesmo impossível prever todas as ocorrências que podem afetar uma relação entre agentes econômicos.
Sempre é possível que ocorram eventos inesperados — por exemplo, a pandemia de Covid-19, que deixou muitas pessoas e empresas sem renda para honrar seus compromissos, levando à renegociação bilateral de milhões de contratos, ou mesmo, em alguns países, à intervenção do Estado na mediação dos problemas. Mas ocorrências e comportamentos imprevistos, ou simples diferenças em interpretações do que é disposto em um contrato e em leis, ocorrem o tempo todo.
Qual o papel da análise econômica
Como resultado, é esperado que eventuais conflitos sejam resolvidos em tribunais. São inúmeros os exemplos em que o racional econômico de uma transação precisa ser analisado com o propósito de subsidiar a decisão do tribunal, sejam o entendimento do que ocorreu, ou simples cálculos de danos e indenizações ou decisões de elevada complexidade, como a regulação de setores, a análise antitruste e a defesa comercial, que envolvem compreender a racionalidade existente na atividade e no cumprimento de acordos ou as consequências das decisões a serem tomadas.
É possível relacionar o trabalho do economista ao de um médico. Assim como o médico, o economista faz um diagnóstico a partir do melhor conjunto de informações confiáveis e disponíveis no momento, utilizando-se de uma metodologia consolidada e adequada à questão, e busca concluir pelo melhor tratamento, dadas as circunstâncias e as consequências possíveis.
A metodologia econômica tipicamente baseia-se nas premissas de que o comportamento de pessoas e empresas é racional e elas agem de modo a alcançar um objetivo: o melhor bem-estar, no primeiro caso, e os melhores resultados, no segundo.
O arcabouço de análise econômica oferece um instrumental riquíssimo para refletir sobre as questões que chegam aos tribunais, sejam estas simples ou de alta complexidade. Tal arcabouço possibilita investigar os fenômenos econômicos sob um prisma que vai além das percepções iniciais da questão em análise ou dos efeitos mais imediatos.
Uma metodologia além do senso comum
Fatos marcantes têm um forte impacto nas percepções das pessoas porque elas costumam raciocinar através de “regras de bolso” que, por meio de atalhos, permitem responder a uma questão usualmente com base em analogias. Também referido como heurística, este mecanismo possibilita que as pessoas simplifiquem, na medida do possível, a realidade e suas complexidades e incertezas.
No mercado de criptoativos, bastou um caso emblemático como a quebra da FTX para melhor ilustrar os riscos inerentes a este tipo de ativo volátil e as necessidades urgentes de uma regulação aprimorada.
Em políticas públicas, o exemplo típico é aquele em que se procura desenhar medidas para determinados grupos, sem considerar os efeitos ampliados para toda a população e como isso acabará se refletindo nos próprios grupos.
Políticas de congelamento ou teto de preços são bem conhecidas no Brasil. Com o propósito de domar os preços “galopantes”, elas acabaram levando ao sumiço de produtos das prateleiras dos supermercados, ao florescimento de mercados informais e à desarticulação da produção e do consumo. Por outro lado, o sucesso do Plano Real se calcou em um diagnóstico sofisticado sobre os motivos da inflação persistente e um mecanismo engenhoso para solucionar grande parte do problema.
Questões econômicas no dia a dia
As questões econômicas estão presentes em muitas outras decisões. Por exemplo, em um cenário em que são incorporadas novas obrigações para empresas que oferecem determinados bens e serviços, ocorre um aumento no preço desses itens. Se controlado, haverá uma redução ou inviabilização da oferta. Como resultado, menos pessoas terão acesso a eles.
Esse cenário se materializaria em um exemplo hipotético no qual seria proibido o despejo de locadores antes de 12 meses consecutivos de inadimplemento. Como resultado, os locadores pensariam duas vezes antes de oferecer seus imóveis no mercado ou, se ofertassem, o valor seria elevado o suficiente para compensar o maior risco envolvido. Assim, uma medida que teria o propósito de proteger o locatário termina por gerar uma queda na oferta de imóveis e o encarecimento dos aluguéis.
Outro exemplo é a contínua incorporação de novas obrigações aos planos de saúde. Um resultado tem sido o aumento no custo dos planos coletivos bem acima da inflação ou, no caso dos planos individuais, em que as novas imposições se combinaram com controle de preços, a redução de sua oferta, com o quase desaparecimento desse tipo de seguro no mercado.
Esses casos exemplificam medidas que têm a intenção de proteger um grupo social tido como vulnerável, mas que, uma vez colocadas em prática, acabam gerando consequências imprevistas e indesejadas, prejudicando precisamente aqueles grupos que se pretendia originalmente favorecer. Se tais medidas forem a julgamento, a análise econômica ajudará na avaliação das consequências das decisões a serem tomadas e dos resultados a realmente atingidos.
A quantificação dos efeitos é outra questão essencial. Muitas decisões judiciais envolvem valores a serem pagos e recebidos pelos envolvidos. Entender sua magnitude, proporção, adequação e a racionalidade de sua formação é essencial. Muitas vezes, cálculos feitos mecanicamente, conforme modelos pré-existentes, mostram-se inadequados frente a novas questões, resultando em valores absurdamente grandes ou pequenos frente ao dano que se pretende sanar ou prevenir.
Novidade bem-vinda
O órgão máximo do Judiciário no Brasil, portanto, dá um passo muito promissor. A análise econômica pode equipá-lo a responder melhor às questões que envolvem economia e finanças. Que esta ideia continue se espalhando por outros órgãos de Estado, de modo a subsidiar as análises e, mais extensamente, o desenho e a execução de políticas públicas.
*Ernesto Moreira Guedes Filho: Sócio-fundador e diretor da Tendências Consultoria. Economista formado pela FEA/USP, com mestrado pela FIPE/USP
*Adriana Hernandez Perez: Consultora da Tendências Consultoria. Economista formada pela UFRJ, com mestrado pela FGV-RJ e doutorado pela Université de Toulouse (França)
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