O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará amanhã um tema que poderá ter impacto negativo bilionário para empresas de diversos setores para a economia brasileira. O julgamento determinará, em caráter definitivo, se todas as modalidades de benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos estados não devem estar sujeitas à incidência de Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), dois tributos federais.

Anteriormente, a 1ª Seção do STJ definiu que a União não pode cobrar IRPJ e CSLL sobre o valor de benefícios fiscais que os estados concedem aos contribuintes na forma de crédito presumido, sob o argumento que essa cobrança representaria uma violação ao pacto federativo – de um lado, o estado estaria abrindo mão de receitas para fomentar determinados comportamentos dos contribuintes e, de outro, a União tributando parte dessa renúncia fiscal e reduzindo o alcance da política tributária do estado. Agora, o STJ analisará se esse mesmo raciocínio vale para outros benefícios fiscais de ICMS, como redução de base de cálculo, isenção e diferimento de desconto.

Mesmo depois dessa primeira decisão do STJ, muitas empresas foram autuadas, o que gerou incontáveis contenciosos judiciais. Há decisões em diversas instâncias favopráve4is aos contribuintes, principalmente após um julgamento, pela 1ª turma do STJ, que afastou a incidência de IRPJ e de CSLL sobre todos os benefícios de ICMS com base na tese do pacto federativo.

O cenário alterou-se rapidamente nas últimas semanas, quando o STJ pautou inesperadamente o julgamento da questão. Surgiu o temor de uma mudança de entendimento sem a ponderação de todas as consequências. Caso o STJ limite os tipos de benefícios fiscais de ICMS que são passíveis de dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, muitas empresas terão de passar a recolher esses tributos, que antes não estavam previstos. Isso implicará significativo e repentino aumento de custos, que, segundo cálculos dos economistas Felipe Salto e Fernanda Castro, pode ser de R$50 bilhões a R$65 bilhões por ano.

Para muitas empresas, a decisão de investimento numa determinada localidade se baseou na expectativa de abater todos os benefícios fiscais de ICMS da base dos tributos federais. Sem isso, a atratividade de muitos negócios diminuirá, podendo comprometer sua viabilidade e, assim, a geração de renda, emprego e arrecadação.

O quadro pode ser mais grave caso, numa eventual decisão favorável à tributação, a Corte permita que seus efeitos retroajam. Se as empresas forem cobradas pelos últimos cinco anos, os impactos podem ser superiores a R$ 200 bilhões. Para além das dificuldades financeiras e de sustentabilidade dos negócios, é razoável supor que um aumento de tributação dessa magnitude acabe sendo repassado aos preços, gerando pressões inflacionárias. Um dos setores mais afetados por essa decisão seria justamente o varejo.

O recente caso das Americanas ilustra bem o impacto desastroso que uma drástica e inesperada piora nas contas de uma empresa acarreta para credores, investidores, funcionários e para os próprios consumidores. Não por acaso, a discussão sobre a reforma tributária – que visa a modernizar a legislação relativa à tributação do consumo e extinguir a guerra fiscal e esses incentivos – prevê regras e longos prazos de transição.

Dados o impacto e os riscos envolvidos, é preciso cautela em qualquer decisão, com a devida atenção a todos os interessados, algo que parece não estar acontecendo na programação do julgamento em prazo tão exíguo. Sem transparência, diálogo e amplo debate, corre-se o risco de uma pressão financeira inesperada sob diversos setores e de aumento da insegurança jurídica, que já tanto penaliza a atuação do setor privado no Brasil.

Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria, foi ministro da Fazenda.

Publicado originalmente em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/04/risco-de-impacto-negativo-bilionario.ghtml

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