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O novo mandato de Trump na Presidência dos Estados Unidos – Jornal da Gazeta

Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, fala sobre o novo mandato de Trump na Presidência dos Estados Unidos.

Entre as medidas mais polêmicas mencionadas por Trump, temos o caso do Canal do Panamá, a ideia de mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América e a firmeza com que ele pretende tratar a questão da migração, principalmente na fronteira com o México.

Ao ser questionado se Trump pode implementar essas medidas Cortez diz que, uma boa parte, sim.

Ele explica que uma parte relevante dessas agendas deve avançar, embora não na sua integralidade e sem todo o desdobramento que essa retórica mais forte sugere. Agora, Trump tem a oportunidade, durante pelo menos dois anos, de contar com um grau razoavelmente elevado de coesão interna em torno da sua agenda.

Cortez diz que os dados de opinião pública mostram que, em sua maioria, os americanos aprovam uma boa parte dessas medidas. Além disso, os republicanos têm o controle das duas casas legislativas e da Suprema Corte. Então, ele tem, de fato, a possibilidade de conseguir implementar várias dessas alterações.

Uma boa parte dessas medidas está relacionada a uma estratégia característica de Trump: ele busca vitórias, às vezes simbólicas, como trocar o nome de algo ou sinalizar que “venceu”. Por isso, Cortez espera um mandato com bastante concentração de poder e com chances elevadas de vitória em algumas dessas agendas.

Trump também apresenta justificativas próprias, como, por exemplo, em relação ao Canal do Panamá: Trump argumenta que a China está exercendo controle na região, o que foi um erro estratégico dos Estados Unidos ao terem passado o controle para o Panamá. O país já reagiu, mas esse é um ponto estratégico para o comércio internacional.

Cortez explica que, de alguma maneira, a China e o combate à ameaça chinesa aparece nos documentos oficiais de segurança do Estado americano é o que dá legitimidade para muitas dessas agendas no fórum internacional. Cortez cita não só o Canal do Panamá, mas também a Groenlândia, que surge como parte dessa estratégia de conter a China, em uma espécie de nova Guerra Fria, ainda que muito mal desenhada.

Trump precisa de legitimidade para implementar algumas dessas políticas, muitas delas bastante exóticas e algumas apenas uma cortina de fumaça. Cortez diz que há de tudo nesse caldeirão populista que caracteriza o governo Trump.

Trump também defende a liberdade de expressão e é contra qualquer controle das redes sociais. Inclusive, líderes de big techs, como Elon Musk, fazem parte desta coalizão ampla que o apoia. Esses líderes comemoraram quando Trump afirmou que iria colocar a bandeira americana em Marte.

Cortez diz que essa coalizão ampla, que deu vitória a Trump, traz também muitas contradições, como a imigração. Parte dos conservadores deseja uma postura radical no controle imigratório, enquanto outra parte, associada às big techs, prefere uma abordagem mais suave, já que essa força de trabalho é essencial para o Vale do Silício.

Administrar essas contradições será o grande desafio político de Trump para aproveitar essa janela de oportunidade de poder concentrado. Se conseguir fazer valer suas propostas ao longo do tempo, é realmente a tendência de termos mudanças mais fortes não só na política doméstica americana, mas pensando também na agenda geopolítica. Obviamente, essa é mais complexa, então não deve acontecer nada muito radical no curto prazo, mas são fenômenos que levam tempo para acontecer.

Falando de retrocessos da agenda de Trump, principalmente em relação à ambiental, ele falou que os Estados Unidos vão voltar a ser os maiores produtores de petróleo e gás e estimulou essa ideia ao afirmar que haverá controle da inflação pelo fornecimento de energia, liderado pelos Estados Unidos.

Há uma certa incoerência nisso, porque ele quer estimular a indústria automobilística tradicional, enquanto Elon Musk, com seus carros elétricos, representa um dos pontos mencionados. Inclusive, quando se fala da Groenlândia, a exploração seria voltada para baterias, como as dos carros elétricos. No entanto, ele deixou claro que abandonará a agenda global climática, e a tendência é que isso realmente aconteça.

Cortez explica que os Estados Unidos podem se desvincular de uma série de acordos que desenharam no passado, algo que já foi visto na primeira administração Trump.

A questão energética é central porque ela toca em um ponto importante: a inflação. Se há algo que pode conter Trump nesse início de mandato, são as repercussões inflacionárias de várias dessas agendas que ele está sinalizando.

Para minimizar esse problema, ele precisa reduzir o impacto da energia, e por isso ele defende o uso de combustíveis fósseis, gás natural ou qualquer reserva disponível. Isso seria para baixar a inflação energética, já que é muito provável que aumentos de preços venham de uma política comercial mais protecionista. Fazer essa gestão da inflação parece ser o principal desafio da administração Trump neste momento.

Há também a questão do retrocesso social. Trump afirmou que, no governo dele, só existirão os gêneros masculino e feminino. Isso já aponta para uma possível divisão dos Estados Unidos em relação a conquistas históricas importantes e posicionamentos de vários estados. A divisão da população é outra preocupação gerada por esse retrocesso.

Ele também falou em acabar com a instrumentalização da justiça, alegando que foi vítima de tentativas de prisão, fraudes eleitorais anteriores e mais recentes. Nesse contexto, pode haver um movimento de vingança por parte dele contra o sistema judiciário.

Cortez diz que os riscos mais fortes que Trump gera estão relacionados à política doméstica dos Estados Unidos, seja em relação aos mecanismos de freios e contrapesos, ao controle do poder político e judiciário ou às diversas agências que regulam o poder político. Essas instituições correm o risco de passar por mudanças institucionais significativas.

Outro risco diz respeito à democracia, no que se refere ao respeito à pluralidade dos indivíduos, já que ele promove uma agenda mais majoritária e centralizadora. Quando olhamos para o conjunto de possibilidades trazido pela retórica e estilo de Trump, parece que questões internas têm uma chance maior de sucesso em termos de implementação, mesmo que, em alguns casos, isso signifique retroceder em políticas estabelecidas há muito tempo.

Agora, olhando para o Brasil nesse contexto, há a questão da taxação. Trump reafirmou que quer taxar os importados para que a população local não pague impostos. Assim, quem vende para os Estados Unidos é quem pagará. O Brasil, como grande exportador de produtos agropecuários para os Estados Unidos, enfrentará certa resistência interna lá. Além disso, a agenda ambiental também é um ponto crítico.

Cortez acredita que existem grupos de repercussões. Primeiramente, temos uma repercussão indireta: a política inflacionária e a taxa de juros mais altos no mundo afetam os emergentes como um todo. Isso torna mais difícil a redução de juros nesse cenário. O Brasil, em tese, terá mais dificuldade de trazer esses juros para um patamar que ajude a atividade econômica.

Há também os conflitos mais diretos que podem surgir na dimensão econômica, especialmente nos setores que possuem forte relação comercial com os Estados Unidos. Embora a retórica seja protecionista, no fundo é o consumidor quem vai pagar por isso.

No campo político, há questões mais complexas. Cortez acredita que um dos ganchos para esse cenário conflituoso é a Venezuela. Quando a Venezuela voltar ao radar dos Estados Unidos e o regime de Maduro for mais pressionado, surgirá a dúvida sobre se o Brasil acompanhará ou não essa política.

Espera-se que essa relação se torne mais conflituosa, já que a estratégia recente entre Lula e Biden para a última eleição venezuelana não foi suficiente, não gerou uma transição democrática e os problemas na Venezuela continuam.

Na reunião ministerial, ao se referir a Trump, o presidente Lula comentou que torce para que o novo governo seja bom. Ele mencionou que não deseja conflitos com vários países, como Estados Unidos, Rússia, China e, inclusive, Venezuela. Contudo, citar a Venezuela pode abrir espaço para um estranhamento político claro entre Brasil e Estados Unidos.

Outro ponto crítico é a relação do Brasil com os BRICS. Os países do grupo são percebidos pela diplomacia americana como uma área de influência chinesa. Quando Trump mencionou os BRICS, ele trouxe à tona a agenda do grupo de reduzir a dependência do dólar nas transações comerciais, propondo que essas transações sejam realizadas também em moeda local. Nesse contexto, Trump deu uma espécie de “chamada de atenção” no Brasil e nos demais países do bloco.

Desta forma, Cortez acredita que a segunda porta de entrada para um mal-estar mais direto entre a política externa brasileira e os Estados Unidos sob Trump é como o Brasil lidará com os BRICS.

Recentemente, outros países, como Cuba e Bolívia, também participaram de reuniões do grupo, embora não sejam membros integrais. Essa participação demonstra a tentativa de criar áreas de influência para escapar do domínio dos Estados Unidos.

Cortez diz que isso reflete, de certa forma, a visão expressa por Trump em sua retórica “Make America Great Again” e “America First”, que prioriza os interesses dos Estados Unidos e minimiza alianças históricas. Esse posicionamento força outros países a buscarem alternativas e novas áreas de influência para contrabalançar o poder americano.

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!