IPCA tem queda em junho, mas cenário pede cautela por parte do Banco Central

Com alívio em produtos como alimentos e combustíveis, o IPCA, que mede a inflação oficial no país, registrou a primeira deflação em nove meses: o índice teve queda de 0,08% em junho. Nos últimos 12 meses, o IPCA acumula alta de 3,16%. Trata-se da menor taxa desde setembro de 2020 e abaixo do centro da meta de inflação deste ano, de 3,25%.


Apesar da perda de fôlego da inflação nos últimos meses, analistas avaliam que o espaço para corte de juros ainda é restrito e que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve anunciar em sua próxima reunião, marcada para agosto, uma redução de 0,25% ponto percentual. A taxa básica está atualmente em 13,75% ao ano.

Carro popular

Alguns fatores contribuem para a cautela do mercado. Em junho, a queda nos preços de automóveis novos e usados foi determinante para que o índice registrasse deflação. Se estes itens fossem excluídos da cesta de produtos, o IPCA teria encerrado com alta de 0,03%. A queda nos preços de automóveis foi resultado do programa temporário de descontos para incentivar a compra de carro popular.

Os resultados mostram uma melhora de cenário, mas com fatores de preocupação. De um lado, o chamado índice de difusão, que mede a quantidade de itens que subiram de preço na pesquisa, ficou em 50% em junho, o menor percentual desde maio de 2020. Mas, na direção contrária, os preços de serviços aceleraram: saíram de 0,06% em maio para 0,62% no mês passado, O dado inclui serviços de mão de obra e estética, mais ligados ao mercado de trabalho e aos salários. São itens menos sujeitos ao sobe-e-desce e cuja alta custa a se dissipar.

Para Luiza Benamor, analista de inflação da Tendências Consultoria, a valorização do real contribuiu para que alimentos e bens industriais ficassem menos pressionados em junho, mas o cenário pede cautela por parte do Banco Central (BC). Luiza pondera que os preços menos sujeitos à oscilação, que compõem o núcleo da inflação, ainda seguem em patamar alto, de 5,8% em 12 meses em seus cálculos, enquanto o IPCA está em 3,16% no período (leia mais abaixo).

– A leitura de julho demanda um pouco de cautela para controlar o otimismo que vimos nas últimas semanas. A queda de juros vai poder se intensificar a partir de setembro, puxada pela melhora nas expectativas de inflação para 2023 e 2024 e para as de longo prazo, que foram influenciadas pela decisão do Copom de manter a taxa (em junho).

O economista André Perfeito estima que a redução será de 0,5 ponto, embora a maioria do mercado projete um corte mais tímido da taxa.

Para Daniel Cunha, estrategista da BGC Liquidez, o BC deve fazer um corte de 0,25 ponto em agosto:

– Serviços mostram uma dinâmica ainda longe de dar conforto adicional para o Banco Central.

Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar o BC, atribuindo a manutenção dos juros em junho à “teimosia” do chefe da autarquia, Roberto Campos Neto.

– As pessoas estão ficando mais otimistas, a inflação está caindo e logo logo vai começar a baixar a taxa de juros, porque o presidente do Banco Central é teimoso, tinhoso, não tem mais explicação (para a Selic de 13,75%) – disse o presidente, em live semanal.

Integrantes da equipe econômica avaliam que o corte de 0,25 ponto ajudará a acalmar os ânimos, principalmente de Lula, porque o cenário anterior era de ameaça de aumento de juros. Esse risco foi citado em vários comunicados do BC este ano, até o último encontro do Copom, quando o trecho foi retirado da Ata.

O grande problema, dizem, é que mesmo que os juros caiam 0,25 ponto ou 0,5 ponto, o juro real (que desconta a inflação) continuará alto e com efeitos fortes sobre o crescimento econômico.

Por isso, a pressão sobre o BC deve continuar, mesmo com o início dos cortes, com uma cobrança pela redução mais acentuada. Até o momento, palavras como “parcimônia” são corriqueiras nos pronunciamentos da autarquia.

Na visão de um integrante da equipe econômica, a difusão da inflação mostra condições para a queda de juros. Segundo a fonte, tudo está convergindo para um espaço de queda mas pondera que a decisão é do BC.

A mesma fonte cita a inflação dos produtos no atacado, em tendência de queda. A avaliação deste integrante da equipe é que seria “absolutamente possível” uma Selic abaixo de dois dígitos no primeiro semestre de 2024.

Alimentos e transportes

No mês passado, alimentos e transportes puxaram o índice para baixo. O grupo de Alimentação recuou 1,07%, puxado pela queda na alimentação no domicílio. Os preços do óleo de soja caíram 9%, enquanto o custo de frutas, leite longa vida e carnes ficaram entre 2% e 3% mais baratos.

– Nos últimos meses, os preços dos grãos, como a soja, caíram. Isso impactou o preço do óleo de soja e indiretamente os preços das carnes e do leite. Essas commodities são insumos para ração animal, e um preço mais baixo contribui para reduzir os custos de produção – explica André Almeida, analista da pesquisa.

Em Transportes, uma queda de 0,41% foi puxada pela retração nos preços de automóveis novos (-2,76%), dos carros usados (-0,93%) e combustíveis (-1,85%), incluindo quedas do óleo diesel, do etanol, do gás veicular e da gasolina. A queda do combustível está atrelada à redução dos preços da gasolina pela Petrobras.

Maiores altas (em %)

  • Passagem aérea: 10,96
  • Taxa de água e esgoto: 1,69
  • Condomínio: 1,67
  • Emplacamento e licença: 1,61
  • Energia elétrica residencial: 1,43
  • Cabeleireiro e barbeiro: 1,04

Maiores quedas (em %)

  • Óleo de soja: -8,96
  • Óleo diesel: -6,68
  • Etanol: -5,11
  • Gás de botijão: -3.82
  • Leite longa vida: -2,68
  • Automóvel novo: -2,76

Afinal, o que faz os economistas olharem o resultado com cautela?

Núcleo da inflação, que reúne itens que oscilam menos, segue em nível alto

A queda na média dos preços de produtos e serviços no país em junho poderia indicar, à primeira vista, uma redução mais intensa dos juros adiante pelo Banco Central (BC).

Mas não foi essa a leitura do mercado. Logo após a divulgação do IPCA, índice oficial de inflação, a Bolsa caiu e os juros futuros também, indicando que o esperado recuo da taxa básica pode ser mais lenta.

Mas afinal, o que faz os investidores pisarem no freio e avaliarem que, mesmo após a deflação em junho, o BC deverá iniciar o ciclo de redução da Selic de forma cautelosa?

Um dos indicadores observados com lupa pelo BC é o chamado “núcleo da inflação”. Trata-se de uma métrica que acompanha os preços com comportamento mais estáveis, que não têm variações bruscas.

E, no mês passado, a deflação foi puxada em certa medida por fatores atípicos – como a queda no preço de carros novos pelo programa de descontos do governo e a redução nos combustíveis praticada pela Petrobras.

Por vezes, a variação mensal do IPCA aponta altas expressivas ou quedas abruptas, e tais movimentos podem ocorrer por fatores atípicos. Por exemplo, em fevereiro, os reajustes de mensalidades escolares, que ocorrem só uma vez por ano, podem distorcer a média da inflação. Com muita frequência, são os preços de alimentos in natura – que flutuam com frequência, influenciados por fatores como safra e questões climáticas – que provocam este efeito.

Nesse sentido, o “índice cheio” do IPCA não é capaz de indicar uma tendência de longo prazo para a inflação. Entre julho e setembro do ano passado, por exemplo, quando o IPCA registrou três meses de deflação, houve a falsa percepção de um alívio geral nos preços.

Mas a deflação no terceiro trimestre de 2022 foi apenas um efeito direto da decisão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro de apoiar mudanças na legislação de impostos sobre combustíveis, que levaram a uma forte queda no preço da gasolina, visando uma redução nos preços antes da eleição.

Para entender a dinâmica de médio e longo prazo da inflação, o BC acompanha com mais atenção os núcleos da inflação, o BC acompanha com mais atenção os núcleos da inflação. Eles excluem da conta choques temporários de preços.

E há dois métodos para isso: os núcleos podem podem excluir da conta os itens mais voláteis, como alimentos ou combustíveis, ou reduzir o seu peso frente aos demais itens.

O Banco Central utiliza cinco diferentes medidas de núcleos de inflação, com metodologias variadas. Alguns excluem os preços de alimentos consumidos no domicílio, outros eliminam da conta os chamados preços monitorados, como as tarifas. Outros fazem estatísticas de “suavização” das variações de preços.

No Relatório de Inflação trimestral publicado em junho, o BC informou que a média dos núcleos acumulou alta de 6,72% em 12 meses até maio. O resultado foi o dobro do IPCA do período, que ficou em 3,94% na mesma comparação.

E o que os números de junho indicam?

O resultado do mês de junho ainda sinaliza que os núcleos estão elevados. Em relatório, Alberto Ramos, diretor de Pesquisa Econômica para América Latina do Goldman Sachs, cita que a média dos núcleos de inflação ficou em 6,19% em junho, ante uma alta de 6,76% em maio. Assim como a maioria do mercado, ele espera uma redução de juros de 0,25 ponto percentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Nos cálculos de Luiza Benamor, analista de inflação da Tendências, a média dos núcleos de inflação desacelerou para 5,8% em junho, mas ainda é um fator de atenção. Em dezembro do ano passado, o indicador estava em 9%, mas ainda está bem acima do ideal a ser alcançado pelo BC.

– A leitura é que os núcleos permanecem pressionados, porque eles têm que estar compatíveis com a meta de inflação do Banco Central – explica Luiza. 

(Carolina Nalin)

Reprodução. Confira o original clicando aqui!

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