Esforço para alcance da meta fiscal em 2024 não reduz riscos à frente – Exame
- Na Mídia
- 04/09/2024
- Tendências
OPINIÃO | A sinalização da equipe econômica, a ampla janela para reavaliação das projeções mais contestadas e a distribuição de contenções adicionais justificam uma leitura mais favorável das perspectivas fiscais de curto prazo
Por João Leme*
Os resultados fiscais consolidados do primeiro semestre de 2024 trouxeram consigo perspectivas mistas para o futuro das contas públicas no Brasil – a depender do horizonte temporal considerado.
Para o curto prazo, vem se tornando mais factível o cumprimento da meta fiscal deste ano, ainda que em seu limite inferior (-0,25% do PIB, ou cerca de – R$ 29 bilhões). Sob a perspectiva de médio e longo prazo, no entanto, predomina a incerteza quanto à capacidade do governo em atacar desafios fiscais politicamente delicados, como mudanças nas estruturas de dispêndio de rubricas problemáticas, além das preocupações com a trajetória de dívida bruta e com um possível cenário de “estrangulamento” das despesas discricionárias em função da expansão das despesas obrigatórias.
No acumulado de janeiro a junho, o Tesouro Nacional calculou uma forte variação interanual real das receitas líquidas (+8,5%), puxadas sobretudo pelo bom desempenho das Receitas Administradas pela RFB. Esse resultado indica relativo sucesso do esforço político do ano passado para a aprovação de diversas medidas legislativas para “recompor” a base tributária para a arrecadação.
A dinâmica das despesas totais (+10,5% em termos reais), no entanto, não permitiu que o desempenho arrecadatório se traduzisse numa consolidação das contas públicas federais. Como amplamente destacado pela mídia nas últimas semanas, os Benefícios Previdenciários e os gastos com o BPC/LOAS seguem como os principais fatores de risco fiscal para o ano, em virtude da expansão significativa do ritmo de concessão de novos benefícios e do retorno da mecânica de valorização real do salário mínimo com a promulgação da Lei nº 14.663/2023. Para o curto prazo, as expectativas tendem a ser um pouco mais benignas, em função da diminuição de ritmo esperada para a concessão de novos benefícios após a normalização da “fila” e do término adiantado do calendário de pagamento do 13º salário previdenciário.
Para o longo prazo, a perspectiva positiva não se mantém. Quando consideramos os possíveis impactos do envelhecimento populacional mais precoce do que o esperado, o aumento da judicialização dos benefícios e a perspectiva de desaceleração gradual do ritmo arrecadatório nos próximos anos, a dinâmica de gastos obrigatórios do governo corre o risco não só de se tornar insustentável (a partir da constrição das despesas discricionárias a níveis menores do que o mínimo essencial para manutenção da estrutura estatal), como também eventualmente impactar a própria política monetária, retirando-lhe eficiência e eficácia para cumprir seu mandamento de controle da inflação.
Spending Review
Ainda que o governo tenha anunciado uma série de medidas dentro da chamada “agenda de reavaliação de gastos” (spending review), faltam proposituras mais concretas para reduzir o potencial de agravamento do desequilíbrio fiscal num horizonte mais longo.
Para além do crescimento anual real de 6,8% dos componentes ditos “estruturais” do dispêndio, a antecipação do pagamento total dos precatórios ainda em fevereiro e os gastos extraordinários com as medidas de alívio às consequências do desastre climático no Rio Grande do Sul contribuíram com um desembolso extra de aproximadamente R$ 37,6 bilhões.
Isso elevou a variação interanual real das despesas para ordem de 10,5% e piorando o resultado primário em 55% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo -R$ 68,7 bilhões (ante -R$ 43,2 bilhões, em valores correntes).
Entretanto, cabe notar que, em função do quanto previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, parte dos gastos extraordinários apontados acima não será computada para o cumprimento da meta fiscal.
Isso, somado à contenção agregada de R$ 15 bilhões anunciada pelo Ministério do Planejamento, e às recentes declarações de integrantes de alto escalão do governo, ameniza as preocupações de curto prazo e torna mais factível o cumprimento da meta de déficit primário dentro da banda de tolerância estabelecida pelo Novo Arcabouço Fiscal – ainda que seja necessário, para tanto, contenção adicional na ordem de R$ 17, 4 bilhões, pelos cálculos da Tendências.
Os próximos meses serão cruciais para avaliação das expectativas do governo com a medida, cujo impacto ainda é incerto e pode sofrer novas revisões a depender dos montantes julgados e da celeridade das cobranças.
Novas frustrações no front da arrecadação podem gerar riscos de curto prazo para cumprimento da meta, considerando o limitado leque de possibilidades do governo pelo lado da receita e a dificuldade política de se articular bloqueios mais vultosos pelo lado das despesas.
Assim, consideramos que os dados consolidados para o primeiro semestre, a forte sinalização da equipe econômica do governo, a ampla janela remanescente para reavaliação das projeções mais contestadas, e distribuição efetiva de contenções adicionais justificam uma leitura mais favorável das perspectivas fiscais de curto prazo.
No entanto, é imprescindível buscar soluções concretas para os fatores de risco de longo prazo, bem como a adoção de uma postura bastante cautelosa para os próximos anos. Para 2024, a Tendências espera um déficit primário de 0,4% do PIB para o governo central, já descontados os valores despendidos em função da catástrofe no RS. Para 2025, a projeção atual contempla déficit de 0,5% do PIB, também além dos limites definidos pelo arcabouço para o próximo ano.
*João Leme é analista da Tendências Consultoria.
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