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Entrevista com Rafael Cortez, sócio e analista de risco político da Tendências Consultoria – DC News

Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, fala em entrevista com a DC News sobre os riscos das políticas protecionistas de Trump para a economia global e a importância da reindustrialização no Brasil.

Qual o cenário atual na economia dos EUA?

Quando questionado sobre qual é a análise da economia americana que faz e a expectativa para a implementação dessa agenda protecionista de Trump, Cortez diz que é positiva do ponto de vista da atividade. Ele explica que a economia americana vem crescendo mais do que o esperado há um bom tempo, com o mercado de trabalho super aquecido, próximo das mínimas históricas e que a questão, então, passa a ser a estabilidade e a duração desse bom momento.

O contrário dessa atividade aquecida são as preocupações inflacionárias, que não são novas. Na verdade, em alguma medida, ainda estamos lidando com os efeitos pós-pandemia, com desarranjo nas economias, nas cadeias de produção e no comportamento dos consumidores e dos produtores. Isso foi gerando um problemão: uma inflação de dois dígitos que demorou muito a cair.

Cortez explica que o mercado, a cada vez que imaginava que seria o momento, via o Fed dar um sinal de que iria começar a reduzir juros, mas os dados correntes jogavam um pouco de água nessa fervura, gerando um certo barulho adicional.

Agora, com a chegada do Trump e sua agenda econômica, que, entre outros itens, tem o protecionismo, a preocupação é que isso possa contribuir para manter a inflação elevada. Ou seja, a inflação já tem dificuldade em cair, e se o Fed sinaliza uma pausa para observar o cenário, essa pausa pode acabar sendo muito mais duradoura. Em outras palavras, com uma economia mais alta e inflação também mais alta, pode ser necessário manter taxas de juros mais elevadas.

Cortez diz que outro problema adicional que o mercado também está enxergando tem a ver com a agenda da imigração. Trump tem afirmado que vai intensificar as ações contra imigrantes ilegais, ameaçando com deportações em massa, falando que seriam os maiores níveis da história americana.

A grosso modo, esse é o cenário que Trump herda: uma economia aquecida, mas com alguns fatores que podem pressionar a inflação ainda mais.

Essa questão tem muito a ver com a divisão do trabalho, especialmente nas profissões menos especializadas, que são amplamente preenchidas por imigrantes. Em um país com população envelhecida, como os EUA, a falta de trabalhadores pode se tornar um problema grave. Por isso, muitos países desenvolvidos adotam políticas de imigração para suprir essa demanda, como é o caso do Canadá.

Cortez explica que os Estados Unidos, em alguma medida, também seguiam esse modelo, com boa parte da imigração ocupando esses postos de trabalho. Se a repressão à imigração for muito forte, pode haver uma pressão nos salários, pois haverá menos gente disposta a trabalhar. Isso pode impactar a inflação em setores que dependem fortemente de trabalhadores imigrantes, como na Califórnia, onde uma parte significativa da mão de obra é composta por imigrantes, inclusive ilegais.

Caso Trump endureça demais essa política, o país pode enfrentar um problema adicional de inflação e taxas de juros mais altas, o que preocupa o mercado. Diante disso, a grande questão é: qual a estratégia que Trump e sua equipe vão adotar para evitar uma alta ainda maior da inflação? Até porque uma das razões para a derrota de Biden foi justamente a inflação elevada.

Trump e seus assessores sabem que não dá para brincar com a inflação. O que eles propõem é basicamente uma agenda de desregulação. Muitas das regras que o Biden colocou o Trump quer tirar, sobretudo na parte de exploração de recursos naturais.

Ele mencionou muito isso em seus discursos e usou a expressão “riqueza embaixo do solo” ou algo semelhante. Ele está deixando claro que não haverá mais preocupações ambientais nem restrições à exploração desses recursos. O objetivo é utilizar esses recursos sem considerar o impacto ambiental, garantindo que a energia não fique cara.

A justificativa para isso é a inflação. O que o Trump quer é desregular, aumentar os investimentos, baratear a energia e, com isso, estimular a economia. A lógica é que, ao aumentar a oferta de energia, se reduz a pressão inflacionária que vem do protecionismo comercial e do problema do mercado de trabalho.

No entanto, Cortez diz que alguns economistas mais críticos acreditam que essa equação não fechará e que o resultado será uma inflação mais alta, não apenas no curto prazo, mas de forma estrutural. O equilíbrio inflacionário da economia americana ficaria acima da média histórica, superando a meta de 2% de inflação.

Atualmente, a taxa de juros necessária para manter essa inflação controlada já está em 4,25%, muito acima dos níveis históricos. Há quem diga que esse novo cenário veio para ficar e que os juros não voltarão aos patamares anteriores. Por outro lado, os defensores da agenda do Trump acreditam que, ao cortar impostos e estimular a produção, a inflação será controlada.

Documentos oficiais, tanto da 1ª administração Trump quanto da de Biden, mostram que os EUA veem a China como uma ameaça ao seu poder hegemônico. Durante anos, a estratégia foi cooperar com a China, integrando-a à economia global na esperança de que se tornasse uma democracia. Isso também foi uma forma de isolar a Rússia.

No entanto, Cortez diz que essa aproximação teria fortalecido a China, que agora desafia os EUA. A visão atual é de que os americanos precisam crescer economicamente para manter sua posição dominante. Daí o protecionismo e o discurso nacionalista do Trump, que defende medidas semelhantes às que a China usou para crescer.

Esse cenário coincide com um momento delicado para a economia chinesa. O país está crescendo menos, tem uma população envelhecendo e enfrenta dificuldades no setor imobiliário e de infraestrutura. Além disso, a China já não tem mais a vantagem da mão de obra extremamente barata, o que impulsionou seu crescimento no passado.

Agora, com um mundo mais protecionista e cadeias globais de produção sendo quebradas, a China precisa buscar novas estratégias para manter sua economia forte. Ao mesmo tempo, há uma disputa crescente por países com mão de obra mais barata no sudeste asiático, tornando o jogo ainda mais desafiador.

Cortez diz que tem um pouco a ver com a ideia de que o modelo de crescimento muito pujante da China já está fazendo água. Esse “fazer água” significa que eles vão entrar em outros mercados. Se eles vão entrar em outros mercados, então todo mundo tem que fechar.

Pegando, por exemplo, aqui no Brasil: uma das preocupações é que, se Estados Unidos e China começarem uma guerra comercial, para onde essa produção chinesa vai escoar? Porque o modelo exportador de crescimento precisa de novos mercados. Há uma ideia de que setores como o aço, aqui no Brasil, vão sofrer uma concorrência pesada da China, pois eles precisam desovar essa produção.

Agora, com os Estados Unidos, em tese, no meio de uma guerra comercial, a Europa também enfrenta dificuldades. Por que a União Europeia quis fazer um acordo com o Brasil? Porque estão brigando com a China e com a Rússia, as relações estão ficando mais complicadas e precisam buscar mercados alternativos. A Alemanha, por exemplo, era uma das defensoras desse acordo, porque seu setor exportador está sob pressão. Sendo uma economia muito exportadora, a Alemanha está ficando sem opções para onde escoar sua produção, o que gera preocupação.

Portanto, Cortez diz que há sim uma leitura de que, com um modelo chinês mais fraco, eles vão querer entrar em outros espaços, o que pode forçar um maior protecionismo americano. 

Qual seria a repercussão desse cenário para o Brasil?

Cortez acredita que temos dois tipos de impacto para o Brasil. O primeiro seria um canal indireto, que vem do efeito da política econômica dos Estados Unidos e da geopolítica global nos países emergentes. Nesse sentido, o Brasil sofreria como qualquer outro emergente.

Temos também a preocupação principal sobre as taxas de juros mais altas. Se a taxa de juros sobe nos Estados Unidos, torna-se mais difícil para países emergentes reduzirem suas taxas.

Isso acontece porque a economia americana é percebida como a mais segura do mundo, emitindo a moeda que monopoliza as transações comerciais globais: o dólar. Se os Estados Unidos oferecem juros mais altos, investidores correm para o dólar e para títulos do Tesouro americano, reduzindo a liquidez nos países emergentes. Dessa forma, qualquer barulho geopolítico — seja na relação comercial com a China, no Oriente Médio ou na guerra da Rússia — agrava esse problema.

O segundo impacto é mais direto para o Brasil: o que Trump pode fazer especificamente contra o país? Isso se relaciona à política externa brasileira. Trump está inaugurando uma espécie de nova Guerra Fria, com contornos mais dramáticos. Como o Brasil vai se alinhar nessas questões? Podemos sofrer punições ou pressões americanas, especialmente porque, no governo Trump anterior, havia uma relação mais próxima, o que não é o caso agora.

A divergência política se intensificou. Cortez explica que, ainda no período pós-eleitoral, Trump mencionou que há um movimento dentro do BRICS para reduzir a dependência do dólar nas transações comerciais, permitindo o uso de moedas locais. Isso reduz a influência americana. Trump já declarou que, se esse movimento se fortalecer, os países envolvidos podem ser taxados pelos Estados Unidos.

O Brasil, que também tem aplicado algumas taxações em setores específicos, pode sofrer retaliações em setores equivalentes. Isso configura uma agenda bilateral entre Brasil e Estados Unidos, e os mais pessimistas veem isso como um risco significativo.

O peso da polarização política global também é um fator. Hoje, falamos de Javier Milei na Argentina, enquanto os argentinos falam de Bolsonaro e Lula. A oposição brasileira tem feito movimentações e barulho internacionalmente, o que adiciona um componente político à equação.

Quando questionado sobre se uma possível elevação tarifária seria um tiro no pé e se, caso Trump começar a taxar mais países, isso não geraria uma inflação global, Cortez diz que, para os economistas, inclusive dentro da Tendências Consultoria, há um consenso de que o protecionismo reduz a produtividade.

Com menor produtividade, o crescimento econômico potencial diminui e a inflação tende a ser mais alta. Ou seja, o protecionismo não apenas prejudica a economia americana, mas também pode desencadear uma corrida protecionista global, algo que já vimos na história.

Entre as guerras mundiais, houve um período marcado por rivalidade entre grandes potências e agendas protecionistas.

Após a Primeira Guerra Mundial, tentou-se criar uma nova ordem internacional, mas ela fracassou, e o protecionismo se intensificou. Isso levou a uma economia mais instável, culminando na Segunda Guerra Mundial. Para os céticos em relação a Trump, esse risco está no radar.

Setores altamente dependentes dos EUA vão sentir o impacto, mas a balança comercial brasileira, em tese, dá alguma margem de manobra. O México, por exemplo, tem sua economia fortemente atrelada aos Estados Unidos. Se Trump elevar tarifas, fechar o mercado e endurecer a política de imigração, o México terá poucas alternativas.

Cortez explica que o Brasil, por outro lado, tem uma economia mais diversificada. Temos relações comerciais expressivas com China, Estados Unidos, Mercosul e União Europeia. Isso coloca o Brasil em uma posição relativamente mais favorável entre os emergentes para diversificar suas exportações.

No entanto, negociar novos acordos comerciais não é simples. Além do fator Trump, o mundo, de modo geral, está revertendo a tendência de globalização, tornando esses processos ainda mais complexos. É o que chamam de desglobalização.

Essa desglobalização está começando, de acordo com Cortez, a ganhar eleições. Trump venceu, e, ao olhar para alguns países da Europa, vemos uma instabilidade política enorme. Até  Bolsonaro é uma versão dessa linha. É uma visão da integração econômica que, na verdade, é prejudicial à soberania dos países.

Cortez diz que existe uma leitura crítica da integração econômica, pois ela não tem apenas uma dimensão econômica, mas também uma dimensão cultural. Todos estão se fechando, querendo fazer políticas industriais para fortalecer suas indústrias, ainda mais nessa concorrência na era digital.

Aqui no Brasil, temos um debate sobre desindustrialização precoce. Mesmo que não houvesse todo esse contexto global, o Brasil já tem essa questão: o que vamos fazer? Queremos ter uma indústria forte, e esse seria o caminho para o desenvolvimento?

Boa parte dos analistas afirma que o Brasil precisa ter uma indústria forte, pois o país se desindustrializou muito cedo. Com uma indústria fraca, ficamos com serviços de baixa demanda e baixa complexidade. 

Então, o Brasil já tem esse debate sobre como se desenvolver. Existe o modelo industrial, mas há quem diga que não adianta concorrer com os outros, o mundo não funciona mais assim. Existem países com mão de obra barata, e não conseguiremos ser eficientes o suficiente para ter uma indústria forte aqui. O que fazer, então? Aquilo em que somos mais produtivos, vamos integrar. Podemos virar uma Austrália, que é um país que se integra muito, embora não tenha uma indústria forte.

Durante as eleições, vemos em debates discursos sobre indústria e integração, mas não há solução definitiva. Além disso, o mundo tende a se fechar mais. Todo mundo fará políticas industriais, e o déficit público será alto, porque todos os países estão apostando nisso. A União Europeia está queimando recursos, o Trump já declarou que vai continuar com essa abordagem.

Cortez diz que temos o grande problema do Brasil: a taxa de juros alta. É muito difícil imaginar uma industrialização potente com uma taxa de juros tão alta quanto a que temos, porque a indústria é um tipo de atividade capital-intensiva. Se a taxa de juros é alta, o custo de capital também é alto. 

Então, voltamos à pergunta: esses programas de política industrial servem? Geram algumas linhas de crédito mais baratas? Existem programas que fazem parte disso? Embora haja um problema fiscal, a política industrial brasileira é meio envergonhada, pois é vista como mais um gasto. 

Comportamento do dólar

Quando questionado sobre como o dólar deve se comportar em relação ao real diante de possíveis medidas econômicas expansionistas nos Estados Unidos, Cortez acredita que a moeda americana deve se estabilizar na casa dos R$6.

Não teremos um Trump “bonzinho”, e ele provavelmente tomará medidas protecionistas, como guerra comercial, especialmente com a China, incluindo a questão de Taiwan, que é geopolítica importante. Isso vai impactar bastante.

Internamente, o problema fiscal do Brasil também afeta esse patamar do dólar. Se os riscos forem controlados, tanto externamente quanto internamente, o dólar deve se manter mais ou menos no mesmo patamar, mas a valorização será difícil de reverter, já que a taxa de juros aqui continua muito alta. A taxa de juros de equilíbrio nos Estados Unidos também terá seu papel, mas, com tudo constante, o dólar se manterá forte.

Agora, o quão forte ele será vai depender de como a economia internacional vai evoluir, especialmente no que diz respeito à guerra comercial e como o Brasil lidará com seus próprios problemas econômicos e políticos.

Tensões geopolíticas

Sobre a tensão geopolítica, se Trump irá conseguir botar um ponto final na guerra entre Rússia e Ucrânia e se irá continuar defendendo Israel, Cortez acredita que os primeiros dois anos serão os que Trump tem tudo para ter um governo forte.

Ele ganhou a maioria, não só no colégio eleitoral, mas também no voto popular, as políticas do Biden sofrem oposição, e há uma pesquisa recente dizendo que a maioria dos americanos apoia as políticas de Trump, sobretudo essas polêmicas em relação à imigração, entre outros pontos. Ou seja, ele tem uma opinião pública favorável para ele num primeiro momento.

Ele também tem o controle, pelo Partido Republicano, das duas casas legislativas, tanto na Câmara quanto no Senado. Embora o controle seja apertado, para padrões americanos, isso é maravilhoso. É raro ter um governo unificado lá, com o mesmo partido governando a presidência e as duas casas. Se agir disciplinadamente, em tese, ele pode passar muita coisa tanto na Câmara quanto no Senado, embora também enfrente seus problemas.

E há o judiciário, com a Suprema Corte indicada por maioria republicana, três dos juízes, inclusive, sendo nomeados pelo próprio Trump. Portanto, eu imagino que, nesses dois primeiros anos de mandato, ele estará muito forte, especialmente porque depois disso haverá eleição legislativa.

Nos Estados Unidos, as eleições para Deputado acontecem a cada dois anos, e esse é sempre um termômetro inicial para ver se o presidente está acertando ou errando.

Agora, falando de Trump e sua política externa, e entrando nas questões mencionadas, Cortez acredita que há três grandes problemas geopolíticos atualmente.

Começando pela China e Estados Unidos. Se a guerra comercial for moderada e controlada, ela trará inflação, estabelecendo uma cota mínima. Será uma repetição do que foi o primeiro mandato de Trump, com isso refletindo no preço. O divisor de águas aqui é Taiwan. Se houver um problema geopolítico entre China e Estados Unidos, seria por conta de  Taiwan. Se tivermos um conflito nessa direção, estaremos em um mundo muito mais barulhento.

O segundo problema é a Ucrânia. Em tese, espera-se que Trump faça a Ucrânia pagar parte da conta desse conflito. Isso pode significar a perda de território, especialmente no leste ucraniano, mas ele não ficará financiando esse conflito e a Europa será a responsável por arcar com as consequências. Em tese, sem maiores desdobramentos, teremos um mundo melhor. Esse é o segundo ponto.

Trump tinha esse discurso, e, embora ele ainda não tenha dado muitos detalhes sobre isso, as pessoas que conversaram com ele dizem que ele ainda não cortou demais. Não sabemos o timing dessa estratégia, mas, em teoria, essa é a direção.

Por fim, o Oriente Médio. Embora Trump tenha falado muito e se mostrado muito pró-Israel, o que Cortez acredita que ele tentará fazer será retomar a política anterior, ou seja, fazer Israel normalizar suas relações com os demais países árabes.

Os acordos de Abraão foram um avanço, mas falta o grande país para assinar o acordo: a Arábia Saudita. A Arábia Saudita é um ator importante nesse processo, mas ainda não assinou.

Em tese, Trump continuará pressionando nesse sentido, apertando o que ele chama de “eixo da resistência”. Os palestinos vão pagar a conta. O Hezbollah vai pagar a conta. O Irã vai pagar a conta. Trump tentaria sufocar esse eixo da resistência, buscando construir uma ponte entre a Arábia Saudita e Israel. Essa é, teoricamente, a solução.

Há quem diga que não há força suficiente para isso. O eixo da resistência tem força para incomodar, mas está enfraquecido agora por conta da ação de Israel na Faixa de Gaza, a invasão ao Líbano e as ações contra o Irã. Mas tem quem acredite que, apesar disso, uma hora o problema vai retornar.

Não devemos esperar grandes revoluções, mas o problema é que, a todo momento, Trump está se pronunciando, usando um tom mais forte, mais verborrágico, sempre dizendo que vai “vencer”, e ele tem uma estratégia de queimar pontes com os aliados, especialmente na Europa, o continente pode ser a grande perdedora do governo Trump.

Cortez diz que, em alguma medida, o leste asiático já está acostumado com essa relação com os Estados Unidos, que é baseada mais em interesse do que em laços históricos ou ideológicos. Como exemplo, podemos citar o Vietnã, o Afeganistão e o Iraque. Os asiáticos estão acostumados com essa oscilação de presença dos EUA.

Por outro lado, a Europa pode sentir muito essas decisões, especialmente se Trump decidir congelar o conflito na Ucrânia e permitir a perda de território. E imagine como ficará o leste europeu, vivendo com a Rússia, que, após a invasão na Ucrânia, foi “premiada” com ganhos territoriais por meio do acordo recente.

Como ficam as big techs no governo de Trump?

Na posse de Trump no Capitólio, vimos todos os CEOs das big techs presentes, e ficou evidente a aproximação de Trump com essas empresas. No Brasil, essa relação também gerou debates, especialmente com a suspensão das contas de Trump em algumas plataformas. A estratégia de comunicação será crucial, e, aparentemente, todas as big techs estão com ele.

Cortez diz que essa é uma pergunta interessante e complexa, porque envolve tanto a dimensão econômica quanto a política. Economicamente, essas empresas precisam de regulação e têm interesses em jogo, são gigantes em expansão, quase monopólios. Estar próximo aos governos é sempre estratégico.

Por outro lado, do ponto de vista político, as redes sociais têm sido, até hoje, um espaço fundamental para o crescimento da direita no mundo. Existe uma afinidade entre governos de direita e a linguagem ágil e combativa que as redes sociais favorecem. De fato, essa nova direita não é a tradicional, não segue o mainstream conservador que sustentou a democratização.

Trata-se de uma direita anti-mainstream, que cresce com um discurso de oposição às elites políticas e às instituições representativas, alegando que elas corrompem a vontade da maioria. Uma maioria supostamente homogênea, que compartilha os mesmos valores. E onde esse discurso ganha força? Não na mídia tradicional, mas nas redes sociais, que hoje funcionam como principal espaço de articulação dessa nova direita.

A grande questão é: como enfrentar isso? A Europa aposta na regulação, buscando responsabilizar as plataformas e filtrar conteúdos. Mas nos EUA, Trump deixou claro que isso não vai acontecer e sua mudança de postura pode estar ligada à conquista de uma base eleitoral jovem.

Cortez diz que a questão das plataformas não se restringe aos EUA; é um desafio global para as democracias no século XXI. Como encontrar um equilíbrio entre regulação e liberdade de expressão? Uma regulação mal conduzida pode sufocar a pluralidade, mas, ao mesmo tempo, o debate público hoje é moldado por essas plataformas.

Impactos no Brasil

Quando questionado sobre como essa nova ascensão da direita impacta outros países e se há um efeito cascata, Cortez acredita que sim. A política nacional já não é mais isolada. As referências globais são constantes.

A retórica da direita ultrapassa fronteiras. No campo econômico, Argentina e Venezuela aparecem como referências, seja para exaltar Milei, seja para criticar Lula e sua relação com Maduro.

A China também entrou nesse debate, em alguma medida. Acordos comerciais com os chineses passaram a ser politizados, embora haja uma contradição evidente: o agronegócio, setor majoritariamente alinhado à direita, é o maior beneficiado por essas relações comerciais.

Outro ponto importante é como temas internacionais moldam a política nacional. Milei foi um dos poucos presidentes presentes na posse de Trump, e há quem veja nele um aliado estratégico dos EUA na América Latina. Isso pode ter implicações para o Brasil, especialmente diante da influência americana na região.

Cortez diz que a versão mais extrema dessa análise sugere que os EUA poderiam agir para viabilizar uma candidatura de Bolsonaro.

Eleições de 2026 no Brasil

Ao ser questionado sobre se poderia haver pressão americana sobre a Suprema Corte brasileira e se existe alguma possibilidade de ações judiciais internacionais para tentar reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, Cortez diz que, por ora, isso parece mais um instrumento retórico do que um movimento concreto. Mas, ainda assim, esse discurso mobiliza a direita. O fato de Bolsonaro estar inelegível gera um vácuo e o risco de fragmentação do bolsonarismo.

Sem Bolsonaro na disputa, quem herdará esse movimento? Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo? Romeu Zema? Algum nome ainda não previsto?

O bolsonarismo ainda segue orbitando Bolsonaro. Mas quem vai herdar esse capital político? Como será a estratégia deles, dado que, por hora ao menos, Bolsonaro não tem elegibilidade? O que se pode sinalizar é que eles vão tentar fazer essa reversão. 

Cortez acredita que ficaremos mais nesse contexto em que isso será visto como uma retórica, uma narrativa dentro das lutas políticas. A engenharia jurídica é complexa e a retomada de Bolsonaro coloca em risco a própria elite do Judiciário.

É comum vermos o bolsonarismo dizendo que quer fortalecer a presença no Senado para viabilizar o impeachment de ministros do STF. Esse discurso ganha destaque, mas também levanta um alerta, pois se trata de uma narrativa perigosa. É uma tentativa do mundo político de reduzir os poderes da elite do Judiciário. Para essa elite, reverter a decisão da inelegibilidade institucionalmente apresenta um risco.

Há uma leitura de que o melhor candidato para Lula enfrentar seria Bolsonaro. Portanto, alguns acreditam que ministros do Supremo poderiam liberar sua candidatura, por ser um nome mais fácil para o presidente vencer. 

Temos um país rachado e uma eleição que foi apertada. Os números de aprovação e reprovação de Lula não são bons, e há pressão da inflação e contas públicas fora de controle. Esses fatores não colocam o governo em uma posição favorável para 2026. Se a inflação continuar pressionada, os preços subirem, o Banco Central não conseguir conter esse avanço e o cenário econômico de 2025 for prejudicial para o varejo e para investidores, a credibilidade do governo ficará ainda mais abalada.

Diante desse contexto, Cortez diz que surge a questão: como avaliar esse cenário? Ele acredita que a leitura principal é que a reeleição de Lula não está garantida. Assim, a estratégia de trazer Bolsonaro de volta ao páreo pode ser uma maneira de repetir o embate entre dois candidatos com alta rejeição, facilitando a vitória de Lula.

Salvo algum problema de saúde, Cortez não vê outro nome capaz de estruturar uma candidatura à reeleição neste momento. Lula é o único nome que pode minimizar os problemas de sua administração e os desafios da esquerda como campo político.

Cortez trabalha com a hipótese de que a esquerda não tem outra saída senão a candidatura de Lula. No entanto, essa não seria uma reeleição garantida, e o governo precisaria recorrer a estratégias para consolidar sua posição.

Se tivesse que apostar, Cortez acredita que Lula disputará a reeleição e seu principal adversário não será Bolsonaro. Quem será o nome da direita dependerá do cenário político. 

Cortez diz que os possíveis herdeiros políticos do bolsonarismo podem ser divididos em dois grupos. O primeiro é o dos nomes mais institucionalizados, como os atuais governadores, muitos dos quais não disputarão a reeleição. Nesse grupo, destaca-se Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, que tem boa avaliação e é visto por parte do eleitorado como pragmático e moderado. Ele se posiciona como um representante de um bolsonarismo mais moderado.

O segundo grupo inclui nomes menos institucionalizados, mais alinhados à origem do bolsonarismo, que sempre teve um caráter anti-institucional e restaurador. Nessa categoria, entram figuras como Pablo Marçal e até Gusttavo Lima. Não dá para duvidar do potencial desses nomes, pois, em tempos de redes sociais, a mobilização é um fator essencial.

Pablo Marçal, por exemplo, chegou a aparecer à frente de Tarcísio em uma pesquisa para 2026 logo após as eleições em São Paulo. Seu poder de influência nas redes sociais é inegável e não tem limitação geográfica. 

Dessa forma, Cortez vê dois tipos de candidatura possíveis na direita. Porém, apenas um candidato conseguirá ser competitivo nesse cenário, pois a esquerda já tem seu nome definido, que é Lula. Assim, haverá uma disputa intensa entre os postulantes à vaga da direita no segundo turno.

O risco para o governo é grande, pois entrar na eleição sem resolver a crise atual pode ser um erro fatal. A situação econômica do país está complicada, com juros altos, inflação persistente e contas públicas sob pressão. O governo se colocou em uma posição difícil e ainda precisa encontrar uma saída.

Olhando para 2026, Cortez diz que a economia não será um fator que automaticamente inviabiliza uma candidatura governista, mas também não será um grande trunfo para garantir a reeleição.

O crescimento do PIB deve ser menor nos próximos anos: 1,9% em 2025 e 1,6% em 2026, segundo projeções da Tendências. Em 2024, o crescimento estava em torno de 3,5%, mas a tendência é de desaceleração.

O principal fator para esse esfriamento da economia é a taxa de juros elevada. Além disso, medidas que ajudaram no crescimento recente, como a expansão do salário mínimo, terão um impacto menor daqui para frente. O consumo das famílias continuará crescendo, mas em ritmo mais lento.

Mesmo com esses desafios, não se trata de um cenário de recessão. A inflação, no entanto, deve permanecer próxima dos 5%, acima do centro da meta, flertando com o descumprimento do objetivo inflacionário.

Cortez diz que, politicamente, essa conjuntura cria um ambiente de incerteza. O governo precisará encontrar formas de melhorar seus índices de aprovação para não chegar fragilizado à eleição.

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!