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Entendendo o que é equilíbrio econômico-financeiro em concessões

Durante o verão, é comum notícias envolvendo fortes chuvas, desmoronamentos de encostas, quedas de pontes e estradas interditadas. Quando ocorre um desmoronamento em uma estrada mantida pelo Poder Público, é ele o responsável por realizar os investimentos necessários para reconstruir o trecho. Mas quando o trecho está sob a responsabilidade de uma concessionária, quem paga a conta?

Fundamento econômico de um contrato de concessão

Ao assumir uma concessão, a empresa vencedora da licitação compromete-se a suportar uma série de investimentos e custos necessários para o funcionamento do ativo diante de eventos ordinários, cujos impactos podem ser previamente estimados. Por outro lado, ela será remunerada de acordo com as regras do contrato. Um exemplo disso é a receita decorrente da cobrança de tarifas de pedágio.

Esse conjunto de obrigações e remunerações compõe a equação econômico-financeira do contrato, levando em consideração os riscos assumidos pelo privado. O equilíbrio econômico-financeiro (EEF) é a condição na qual o conjunto de obrigações é plenamente suportado pelas remunerações (receitas), de forma que estas sejam suficientes tanto para cobrir os custos e investimentos do projeto quanto remunerar o investidor pelo risco assumido. Em outras palavras, sob o EEF, obrigações e remunerações são equivalentes ao se observar o contrato em toda a sua extensão. Considerando que as concessões irão operar por vários anos, essa equivalência leva em conta uma taxa que remunera o capital investido pelo agente privado, ou seja, os lucros que ele espera obter de um projeto com esse conjunto de riscos e obrigações.

É claro que os montantes efetivamente gastos e arrecadados dificilmente coincidirão com os previstos no momento da assinatura do contrato, uma vez que são esperadas variações ordinárias de demanda e custos de operação devido à imprecisão natural das estimativas. Por exemplo, diferenças (para mais ou para menos) entre o tráfego projetado e o tráfego efetivo são essencialmente um risco do privado, desde que tais diferenças não decorram de fatores imprevisíveis ou efeitos que não poderiam ter sido previamente estimados.

Distribuição de riscos

Nos contratos, há cláusulas específicas que atribuem quais riscos devem ser assumidos por cada uma das partes, sendo tal conjunto de itens conhecido como Matriz de Risco do contrato. Portanto, variações de custos, investimentos ou receitas cujos riscos foram atribuídos ao ente privado não implicam quebra do Equilíbrio Econômico-Financeiro (EEF). Isso ocorre porque tais riscos já deveriam ter sido considerados pelo agente privado ao calcular seu retorno esperado. Dessa forma, essas variações já estão contempladas na equação econômico-financeira do contrato.

Por outro lado, as oscilações motivadas por eventos cujo risco não foi assumido pelo concessionário não são abrangidas pela equação. Ou seja, os impactos desses eventos não estão contemplados no conjunto de obrigações e remunerações inicialmente alocados ao privado, de maneira que afetam a remuneração esperada para o contrato, gerando o chamado desequilíbrio econômico-financeiro.

Uma vez caracterizada a ocorrência do desequilíbrio, cabe a adoção de medidas voltadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, retomando a equivalência entre as obrigações e remunerações estabelecidas inicialmente pelas partes.

Quem paga a conta?

Respondendo à pergunta do início do texto, a resposta é: depende. Caso o volume de chuvas fosse algo esperado – previsível considerando o histórico da região -, caberia à própria concessionária adotar providências prévias para mitigar os riscos. Uma vez que ocorreu o dano à rodovia, cabe a ela arcar com os custos. Por outro lado, caso seja uma situação excepcional, em que não há, por exemplo, a oferta de um seguro, com volumes de chuva totalmente imprevisíveis e extraordinários, o evento pode ser caracterizado como “força maior”, o que enseja o reequilíbrio do contrato.

Calculando o desequilíbrio econômico-financeiro

Ainda tomando como exemplo o caso de desmoronamento de uma encosta que interdita uma pista da rodovia, nesse caso a concessionária deverá realizar obras para liberar a pista, fazer reparos e adotar medidas preventivas para evitar que o problema ocorra novamente. Esses custos irão compor o impacto financeiro incorrido pela concessionária.

Em alguns casos, o impacto financeiro pode ser apurado de forma direta, quando comprovado por meio de notas fiscais, por exemplo. Em outros, porém, é necessário utilizar modelagens mais sofisticadas, como no caso da pandemia de Covid-19, que é considerada um evento extraordinário que causou desequilíbrio nos contratos de concessão. A redução do tráfego e, consequentemente, a queda na receita afetaram a rentabilidade acordada no contrato. Para calcular a queda na receita decorrente da pandemia, é necessário utilizar modelagens estatísticas e econométricas, que envolvem a criação de um cenário contrafactual que represente como seria a situação na ausência da pandemia, levando em consideração o tráfego esperado em condições normais.

O desequilíbrio econômico propriamente dito envolve, além disso, impactos regulatórios. Para apurar o efetivo desequilíbrio gerado no contrato, é necessário levar em conta os mecanismos previstos em cada contrato, os parâmetros de remuneração definidos e o arcabouço jurídico que sustenta a concessão. Por exemplo, nas concessões de rodovias federais, é estabelecido que, no caso de investimentos adicionais, a concessionária tem direito a uma remuneração de 6,24% como forma de cobrir despesas administrativas. Se as despesas administrativas efetivamente incorridas pela concessionária forem diferentes desse percentual, o risco é assumido pela própria empresa, seja para mais ou para menos.

Calculando o reequilíbrio econômico-financeiro

Uma vez que ocorra um evento cujo risco não tenha sido assumido pelo concessionário, que os impactos financeiros relacionados a esse evento tenham sido mensurados e que o desequilíbrio econômico-financeiro decorrente do evento tenha sido quantificado, é necessário apurar o reequilíbrio econômico-financeiro.

Para tanto, devem ser considerados os mecanismos indicados no próprio contrato, que podem ser, por exemplo, o uso de um fluxo de caixa pactuado, o uso de um fluxo de caixa marginal, mecanismos de desconto ou acréscimo nas tarifas praticadas, entre outros. A forma de reequilíbrio também é prevista no contrato, usualmente ocorrendo por meio de: (i) reajuste da tarifa; (ii) aporte pelo Poder Público; (iii) extensão do prazo do contrato de concessão; (iv) repactuação de obrigações previstas no contrato; ou (v) uma combinação dos diferentes mecanismos.

Assim, retomando o exemplo anterior, caso o desmoronamento seja classificado como passível de reequilíbrio e sejam comprovados gastos adicionais de R$ 3 milhões, por exemplo, esse valor deve ser inserido no modelo regulatório da concessão, incluindo os gastos administrativos relacionados a ele e as demais condições de rentabilidade previstas. Por fim, será realizado um cálculo para determinar qual é o reajuste tarifário (ou uma das outras formas de reequilíbrio) necessário para compensar tais gastos.

O processo de reequilíbrio econômico pode envolver etapas complexas e negociações entre o Poder Público e o concessionário. Muitas vezes, as partes não chegam a um acordo acerca dos valores envolvidos, levando o caso para a justiça ou arbitragem.

André Paiva, Fábio Tieppo e Matheus Aquino são consultores na Tendências Consultoria.

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