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Desenrola chega ao fim alcançando 5 milhões de pessoas na faixa voltada à baixa renda – O Globo

Fazenda diz que resultado foi ‘grandioso’; No mercado, porém, a impressão é que o programa não atingiu seu potencial

O Desenrola Brasil termina na segunda-feira com resultado abaixo do potencial, embora os números sejam considerados significativos pelo Ministério da Fazenda e analistas. Dados atualizados mostram que foram quase 15 milhões de pessoas beneficiadas pela renegociação de R$ 52,42 bilhões em dívidas em todas as fases do programa.

O potencial era atingir cerca de 30 milhões só na fase com garantia do Tesouro Nacional, considerada prioritária pelo governo, na qual participaram cerca de 5 milhões de consumidores.

Alvo da iniciativa, o público “negativado” se manteve em torno de 70 milhões, mas a equipe econômica e especialistas avaliam que o programa estancou a piora na inadimplência geral. Nas dívidas bancárias, os percentuais de atraso com mais de 90 dias caíram 1 ponto percentual para quem ganha até dois salários mínimos — contra queda de 0,4 p.p. na média de pessoa física, entre julho de 2023 e fevereiro.

O Ministério da Fazenda argumenta que o programa teve resultado “grandioso”, ainda mais considerando o baixo comprometimento de dinheiro público. No mercado, porém, a impressão é que não alcançou seu potencial, principalmente a parte voltada à população de baixa renda, com garantia do Tesouro, em que as dívidas tiveram desconto médio de 83%.

Promessa de campanha

Dentre os motivos para a frustração, executivos do setor financeiro citam dificuldades de acesso e problemas de comunicação. Mas há um entendimento de que, após os ajustes, só não limpou o nome no Desenrola quem não quis.

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Desenrola foi lançado em julho de 2023, para a regularização de dívidas contraídas de 2019 a 2022, impactadas pelo período da pandemia. Inicialmente, o encerramento ocorreria em dezembro, mas a Faixa 1, da população de baixa renda, foi prorrogada duas vezes.

Já na largada, os bancos participantes limparam o nome de clientes que tinham dívidas de até R$ 100 — beneficiando 7 milhões de pessoas. Em paralelo, instituições financeiras começaram a renegociação de dívidas bancárias com seus próprios clientes com renda mensal de até R$ 20 mil. Nessa modalidade, 3 milhões de pessoas negociaram passivos de R$ 26,5 bilhões — R$ 2,1 bilhões depois dos descontos.

Por último, em outubro, foi lançada a fase mais esperada, a Faixa 1, direcionada para a população de baixa renda, com garantia do Tesouro em caso de inadimplência. Nessa etapa, além das dívidas bancárias, foram incluídos débitos como conta de luz e de água, mensalidades educacionais ou compras no varejo.

Essa opção está disponível até segunda-feira para pessoas que ganham até dois salários mínimos ou estão inscritas no Cadastro Único para programas sociais do governo, com dívidas com valores atualizados de até R$ 20 mil. As condições de parcelamento são especiais: em até 60 meses, com juros de até 1,99% mensais. Foram R$ 8 bilhões disponibilizados para o Fundo de Garantia de Operações (FGO), de modo a garantir eventual inadimplência.

Em média, os descontos foram de 83% para um estoque de R$ 151 bilhões em dívidas cadastradas no sistema, de 654 credores. O potencial era alcançar 32 milhões de pessoas. Destas, 4,93 milhões participaram dessa fase programa, reduzindo o passivo de R$ 24,91 bilhões para R$ 3,6 bilhões até o momento. Foi consumido R$ 1,7 bilhão do FGO.

— Para a grande maioria das pessoas endividadas, o Desenrola foi uma grande oportunidade. Foi uma possibilidade de reconstruir o score (avaliação) de crédito para o mercado — resume Rafael Baldi, diretor de Produtos da Febraban.

A dívida mais negociada foi relacionada ao cartão de crédito, como o rotativo, representando 44% dos acordos. O segmento teve desconto médio de 96%. A Lei que criou o Desenrola limitou o montante de juros a 100% do valor original a partir de janeiro deste ano.

— Se olharmos o programa como um todo, é um resultado grandioso com o mínimo de recurso público, com grandes ganhos de regulação e cooperação entre os atores para permitir esse resultado — disse Quênio França, diretor de Programa do Ministério da Fazenda, destacando a experiência “inovadora” de reunir bancos, mais de 600 credores e um universo de dívidas bilionário.

Impacto de ‘fake news’

Uma parte do público preferiu pagar à vista. Dos R$ 14,2 bilhões em dívidas negociadas diretamente no site do Desenrola, R$ 3,1 bilhões foram quitadas no ato. Além disso, o diretor explicou que houve acordos fechados por outros canais. Segundo a Serasa, as negociações na sua própria plataforma aumentaram quase 10% durante o Desenrola frente ao mesmo período do ano anterior, para 33 milhões

— Vemos sim como um programa que funcionou. Claro que não ia tirar 72 milhões de pessoas da inadimplência, mas conseguiu ajudar várias famílias — ressaltou Aline Maciel, gerente da Serasa.

Maciel ainda afirmou que muitas pessoas entraram na plataforma, mas não concluíram as negociações. A avaliação preliminar é que parte delas não quis participar por questões pessoais, mas que outro grupo foi afastado pelo grande número de fake news. Foi disseminado, por exemplo, que quem participasse seria excluído do Bolsa Família.

— Tentamos nos comunicar ao máximo com essas 30 milhões de pessoas. Um grande número de pessoas realmente chegou à plataforma. Então era esse o objetivo: alcançar todas as pessoas, dar essa oportunidade. Tudo que estava ao alcance foi feito — disse Quênio.

Um executivo do setor financeiro disse que o volume final do Desenrola ficou aquém do esperado, mas avalia que mudanças ao longo do processo surtiram efeito para atingir um público maior. Para ele, a baixa educação financeira da população pode ter pesado, mas é possível que o programa tenha alcançado seu limite.

Isabela Tavares, analista de crédito na Tendências Consultoria, diz que o indicador de inadimplência da Serasa estava com tendência de alta antes do Desenrola, e se acomodou em patamares altos após a iniciativa. Em março, eram 72,89 milhões de pessoas.

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