Cartão de crédito: Teto dos juros do rotativo pode reduzir inadimplência? Veja o que dizem analistas – O Globo

Cartão de crédito: Teto dos juros do rotativo pode reduzir inadimplência? Veja o que dizem analistas - O Globo

Medida pode ter impacto positivo, mas não há garantia de redução nos débitos. Trava na oferta de crédito é também um risco

O Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou um limite para os juros cobrados de dívidas no cartão de crédito, os mais altos do setor financeiro para pessoas físicas. A partir de agora, o juro no rotativo do cartão não poderá ultrapassar 100% do valor principal da dívida. A medida passa a valer para os débitos registrados a partir de janeiro de 2024.

Dessa forma, a dívida total de quem atrasa a fatura do cartão de crédito não poderá superar o dobro do débito original. Os juros do rotativo hoje ultrapassam 400% ao ano. Para especialistas, a medida pode ter impacto positivo, mas não há garantia de redução no débito. A trava na oferta de crédito é também um risco. Veja a seguir as análises:

O que dizem os especialistas?

O teto de 100% do valor da dívida para cobrança de juros pode ajudar a reduzir a inadimplência, mas o efeito não é garantido. Além disso, a medida pode ter efeito negativo no médio prazo no mercado de crédito brasileiro.

— Qualquer medida que venha para regular o sistema bancário com taxação é um pouco arriscado porque os bancos podem acabar travando mais a oferta de crédito — ressalta Isabela Tavares, analista da Tendências Consultoria.

Para a economista, a redução dos juros do rotativo pode ajudar a queda do número de inadimplentes, mas este recuo da taxa não seria natural por questões da taxa Selic, do cenário econômico ou por aspectos relacionados aos riscos de crédito do mercado brasileiro. Por isso, a medida inclui alguns riscos:

— A gente já tem um cenário de que a inadimplência vai cair por conta da Selic e a expectativa de que as renegociações de dívidas vão bater no Desenrola. Isso agora pode ser um fator adicional. Mas pode ser prejudicial por travar a oferta de crédito e de cartões, além de prejudicar pessoas que já tenham maior risco. Ou seja, pode acabar tendo uma contrapartida para os bancos não saírem como perdedores.

Fernanda Melo, planejadora financeira CFP pela Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro), avalia que não há uma correlação entre limite dos juros no rotativo e redução da inadimplência. Segundo ela, os dois principais fatores que impactam esse indicador são a inflação e o desemprego.

— A gente precisaria ver resultados melhores nesses aspectos de emprego, aumento do custo de vida e poder de compra dos salários para ver diferenças na inadimplência — explica.

Parcelado sem juros é tradição brasileira

No caso da discussão sobre a limitação do parcelado sem juros, Fernanda lembra que essa modalidade tem a ver com o perfil brasileiro, que não necessariamente tem o dinheiro total para uma compra no momento, mas consegue garantir que terá o dinheiro para pagamento ao longo do tempo. Ou seja, muitos conseguem pagar dentro do prazo e quitar a fatura sem juros.

Tendo em vista que este canal de consumo se tornou comum no país, a medida do parcelamento sem juros também facilita o acesso do consumidor a determinados produtos bancários, lembra ela. Mas, caso seja revertida, pode ter um impacto positivo se levar a uma redução no custo do rotativo. Por outro lado, teria um efeito geral ruim sobre a economia:

— Podemos ver alguma redução na atividade econômica pelo fato das pessoas não terem condições de pagar o preço cheio. As pessoas podem acabar preferindo juntar o dinheiro para comprar sem juros e isso pode diminuir um pouco a atividade.

Juros de 400% ao ano

O rotativo é hoje a linha de crédito mais cara do mercado para pessoa física. Essa modalidade é oferecida ao consumidor quando ele não paga o total da fatura do cartão de crédito até a data do vencimento mensal.

A partir dali o saldo devedor é acrescido de juros, e o total deve ser quitado na próxima fatura do cartão. O risco é o consumidor não conseguir honrar as dívidas no mês seguinte e a fatura se tornar uma bola de neve, já que os juros são muito elevados, apontam especialistas.

De acordo com dados do Banco Central, a taxa média de juros do cartão de crédito rotativo para pessoas físicas está em 14,94% ao mês ou 431,58% ao ano.

O dado corresponde ao mês de outubro deste ano, último divulgado pelo órgão, e aponta que desde meados de 2022 a taxa oscila em torno desse nível. Atualmente, a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, estabelecida pelo Banco Central, está em 11,75% ao ano.

A última vez que a taxa média dessa modalidade ficou acima do patamar de 400% foi entre os anos de 2015 e 2017, quando o país enfrentava uma forte crise econômica.

Em tese, com os juros atuais, uma pessoa que deixe de pagar uma fatura de cartão de crédito de R$ 1 mil no dia do vencimento e passe um ano inteiro inadimplente vai chegar ao décimo segundo mês com uma dívida total de R$ 5.310.

Com o teto dos juros em 100% do valor original do débito, limitando a dívida total ao dobro do que deixou de ser pago, essa divida será de R$ 2 mil.

No entanto, um dos motivos da resistência dos bancos à medida é o fato de que, segundo as instituições, a grande maioria dos consumidores não chega a completar um ano inadimplente para chegar a um juro anual tão alto.

Segundo o Serasa, há 71,8 milhões de brasileiros hoje em situação de inadimplência, conforme apontam os dados de novembro. Desse total, 20,8 milhões (ou 28,97%) possuem pendências com bancos e cartões — o segmento que mais concentra dívidas atrasadas.

O CMN, que tomou a decisão, é formado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!

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