Apesar de tom mais duro de ata, mercado ainda vê juro em 10,5% ao ano – Estadão
- Na Mídia
- 07/08/2024
- Tendências
Das 45 casas ouvidas pelo Projeções Broadcast, 42 projetam manutenção da Selic no atual patamar até dezembro
Apesar do tom mais duro usado pelo Banco Central (BC), a ata da reunião de julho do Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a percepção majoritária do mercado de que a Selic deve permanecer estável em 10,5% até o fim do ano, de acordo com nova pesquisa do Projeções Broadcast. De 45 casas consultadas, 42 não mudaram suas estimativas.
Isso não significa, porém, que os economistas do mercado não tenham visto no texto do BC indicações para uma eventual elevação da taxa básica de juros no futuro. Para o economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, a discussão “agora está na mesa”.
Já o Itaú Unibanco disse que, caso não haja melhora no câmbio, um ciclo de alta na taxa Selic a partir de setembro “será inevitável”. “Como acreditamos que o real se fortalecerá nas próximas semanas, à medida que os mercados globais se acalmarem, mantemos, por enquanto, a previsão de que a Selic permanecerá em 10,5% ao ano”, disse o banco, em relatório.
Para a XP Investimentos, a chance de alta na taxa básica de juros “está subindo”.
“Se, no comunicado (divulgado na semana passada), não havia sinalização de um novo ciclo de alta de juros, apesar de o comitê não ter fechado as portas para isso, na ata essa possibilidade é alimentada”, diz o estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein, em relatório.
Ele afirma que o comitê reiterou o desconforto com a persistência na desancoragem das expectativas de inflação e com a depreciação cambial, além de outros vetores, como o fiscal e dinamismo da atividade e do mercado de trabalho.
O cenário-base da Warren, porém, segue de Selic estacionada em 10,5% no fim do ano, e um “início moderado” de cortes no juro básico a partir de maio de 2025.
CÂMBIO. O Citi também reconhece, em relatório, que a ata reiterou o tom duro em “várias dimensões”, como a resiliência na desancoragem das expectativas de inflação, os efeitos da taxa de câmbio e a percepção unânime de que há mais fatores que pressionam a inflação.
A projeção do banco é de Selic estável em 10,5% até o fim do ano, mas agora com viés de alta. “Os riscos para nossa projeção de Selic estável em 10,5% estão agora inclinados para cima”, afirma o documento do Citi.
O economista do ASA Leonardo Costa corrobora a percepção de que o viés para o juro hoje é de alta. Ele avalia que o Copom está agora tentando “ganhar tempo” enquanto aguarda novos elementos para a tomada de decisão, uma vez que a ata reforçou a visão do Banco Central de cenário “mais desafiador” para a política monetária.
Por essa conjuntura, a casa projeta a manutenção do juro básico até o fim do próximo ano. Antes, a projeção era de retomada do afrouxamento monetário em 2025.
BC acerta ao endurecer discurso e manter cautela
O cenário de turbulência no mercado financeiro mundial nos últimos pregões jogou a favor do Banco Central brasileiro, que endureceu mais uma vez o tom na ata do Copom, divulgada ontem, mas pediu mais tempo para decidir o que fazer.
O BC foi enfático ao dizer que “não hesitará” em subir a Selic em caso de piora do cenário, mas também afirmou que não há estratégia definida e que pode também, simplesmente, manter os juros em 10,5% por tempo prolongado.
De um jeito ou de outro, o tom foi mais duro em relação ao comunicado inicial da reunião, e isso será importante para que o BC ganhe mais credibilidade durante as incertezas em torno da transição para o presidente do banco.
Com o risco de recessão nos EUA e a forte volatilidade dos ativos, essa parece ser a estratégia mais adequada até a próxima reunião, em setembro. A única certeza, por ora, é de que não há previsão de novos cortes da Selic, como defendem vários integrantes do governo Lula. Isso é importante para mostrar que a nova diretoria tem uma visão técnica e que não pretende sucumbir a pressões políticas.
O tamanho da ata desta reunião já demonstra como o cenário ficou mais desafiador, com sete parágrafos a mais em relação ao texto da reunião de junho. O parágrafo mais importante é o 25, no qual o BC dá os três principais recados: não há cenário fechado sobre o que vai fazer, pode manter a Selic, pode elevar a taxa.
Em seu balanço de riscos para a inflação, o BC também ficou mais pessimista, ao afirmar que, “durante as discussões, todos os membros concordaram que há mais riscos para cima na inflação, inclusive com vários membros enfatizando a assimetria do balanço de riscos”.
Com o cenário externo mais duvidoso e com o mercado precificando riscos tanto na política fiscal quanto na política monetária, o BC acerta ao indicar que pode subir a Selic, mas sem se comprometer com qualquer decisão. A volatilidade está extremamente elevada, e um passo em qualquer direção pode rapidamente se transformar em um grande equívoco.
Como os juros reais no País permanecem elevados, ninguém poderá, neste momento, acusar o BC de ser leniente com a inflação. O melhor, neste momento, é endurecer o discurso e manter a cautela.