A política em 2024: a agenda econômica sob coalizão dividida – Exame
- Na Mídia
- 04/01/2024
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OPINIÃO | Dois pilares da agenda econômica serão testados em 2024
A paisagem política do Brasil nos últimos anos gerou diversos desafios para a gestão da política econômica. A radicalização entre governo e oposição e as consequentes tensões institucionais promoveram episódios de manifestações contra organizações fundadoras da democracia liberal: o sistema eleitoral brasileiro e a lisura das urnas tornaram-se debate cotidiano, o Supremo Tribunal Federal passou por um processo de deslegitimação e as forças militares passaram a fazer política. O Brasil viveu episódios de violência política e transição de governo tumultuada, o que culminou na invasão da Praça dos Três Poderes. Sob o olhar estritamente político, o desafio de 2023 era basicamente de reconstruir as bases da política centrista, marca da “era de ouro” (1994-2014) da política brasileira, quando a alternância de poder não gerava percepção de risco tão elevada.
A agenda econômica sofreu as consequências desse ambiente político turbulento. O voluntarismo na gestão da agenda econômica em 2022 agravou os desafios fiscais a partir da corrosão das bases políticas da antiga emenda do “teto de gastos”. A criação de um estado de emergência constitucional, o desenho das políticas sociais e mudanças em tributos tornaram-se armas eleitorais. A reconstrução da política fiscal aos olhos do debate econômico era o principal desafio do governo Lula III.
Em resumo, o desafio do novo presidente era pacificar o País e promover uma reconstrução fiscal em meio à insegurança política, incluindo, a percepção de risco quanto à própria continuidade do mandato.
O governo respondeu a esse duplo desafio com duas políticas: a PEC da transição e a construção do novo arcabouço fiscal. Dito de modo mais direto: a economia política da política radicalizada gerou uma estratégia fiscal com expansão real de gastos públicos e uma regra para seu controle.
O ano de 2023, então, serviu para minimizar o risco de um quadro pessimista para a economia brasileira. A avaliação dos riscos políticos para esse novo ciclo econômico foi muito contaminada pelo ambiente eleitoral. As visões mais pessimistas ignoraram o pragmatismo da nova equipe econômica e especialmente os sistemas de freios e contrapesos com seus alarmes de incêndio.
A opção pelo comando político do Ministério da Fazenda trouxe dividendos adicionais para o novo governo. O ministro Fernando Haddad construiu uma relação política com as lideranças parlamentares que escapou dos problemas da gestão da coalizão de governo. A reforma tributária do consumo foi aprovada, o que deve resultar em choque positivo para a economia brasileira, o que já aparece nos movimentos das agências de rating, como da S&P, que elevou a classificação do País, igualando com as demais agências.
O desafio de 2024 no plano político é dar consistência temporal a essa estratégia fiscal ancorada na recomposição das bases tributárias em um sistema partidário de maioria de centro-direita. A tendência natural das casas legislativas vai na direção contrária à estratégia de ajuste fiscal pelas receitas, devido a preferências por desonerações tributárias ideais para o eleitor mediano.
Avaliação de Lula
Os condicionantes do ambiente político devem seguir pouco convidativos para a política fiscal.
Podemos retratar basicamente a estabilidade da percepção dos brasileiros em relação ao desempenho do governo Lula, o que corrobora a tendência da cristalização do conflito político. Nota-se que não houve incremento da popularidade presidencial mesmo com crescimento mais positivo da economia e a recomposição das políticas sociais. Em 2024, a tendência é de perda de ritmo da economia somada aos conflitos das eleições municipais, o que deve exacerbar as divisões políticas da coalizão de governo.
A percepção de um País dividido é também corroborada pela leitura da maioria do eleitorado de que o presidente Lula não faz um governo pacificador. Aqui, há uma contradição da comunicação política do governo: ele legitima suas agendas a partir das referências ao governo Bolsonaro, o que gera percepção em parte do eleitorado de revanchismo político.
Essa visão da sociedade sobre o papel divisor do presidente Lula não condiz com as escolhas estratégicas do seu mandato. Lula ampliou o papel da centro-direita na sua coalizão. Apenas o PL entre as legendas relevantes não faz parte da base aliada, ou seja, trata-se de uma administração de “frente ampla”.
A paisagem política esperada para 2024 é de repetição desse modus operandi: a centro-direita está na base do governo, mas não dá apoio natural à agenda governamental. Não por acaso, o governo teve decretos, MPs e vetos derrubados em itens importantes das pautas legislativas.
A relação de rivalidade/cooperação entre o presidente Lula e as lideranças legislativas deve seguir a mesma dinâmica. Trata-se do triunvirato da política brasileira. Pacheco e Lira precisam construir seus projetos eleitorais no campo da direita. Assim, a pauta legislativa deve incluir itens distantes das preferências do governo, tais como reforma administrativa e proibição de reeleição.
Este ano, então, vai testar dois pilares da agenda econômica: o capital político para realizar os contingenciamentos necessários para concretizar a estratégia fiscal desenhada pelo governo (primário zero) e a blindagem política do debate sobre a reforma tributária (votação da legislação complementar da PEC).
Há riscos relevantes de que as condições políticas resultem em gradualismo ainda mais lento de acomodação do endividamento público. O governo deve entrar em 2024 com percepção elevada de risco político e os parlamentares estarão ávidos para executar emendas em ano eleitoral.
De todo modo, o modelo de agenda competitiva entre esquerda e direita e a aposta no diálogo político podem produzir um cenário que coloque o Brasil como destaque entre as economias emergentes, considerando o momento do contexto global.
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