Na disputa pelo espólio da segurança pública, a direita avança rumo a 2026 – Estadão
- Na Mídia
- 09/06/2025
- Tendências

Para especialistas, discurso da oposição a Lula se adequa melhor ao momento em que o eleitor, alarmado, coloca o tema no topo das prioridades nas pesquisas de opinião
Os institutos de pesquisa já começam a delinear o que esperar da corrida presidencial de 2026, pautada novamente entre os dois polos políticos que dominam a preferência do eleitorado do País: a esquerda, representada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a direita, capitaneada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Se ainda restam interrogações sobre quem estará no comando da cabeça de chapa das duas correntes, o mesmo não ocorre com um assunto que já faz parte das discussões de bastidores dos postulantes ao Palácio do Planalto e dos governos estaduais: a segurança pública, um tema que está no topo das preocupações da população e deverá dominar os embates na arena política.
No início deste mês, a pesquisa Genial/Quaest mais uma vez mostrou a segurança como maior preocupação dos brasileiros. O tema foi citado por 30% dos entrevistados, a frente das questões sociais (22%), da economia (19%), da corrupção (13%), da saúde (10%) e da educação (6%). Um ano antes, a corrupção era citada por 17% e era apenas o terceiro tema de maior preocupação do eleitorado, atrás da economia e da saúde.
O alerta dos brasileiros com a questão da criminalidade pode explicar a razão de o tema estar no discurso incisivo dos pré-candidatos à Presidência e aos governos estaduais, e dos que pretendem disputar as cadeiras da Câmara e Senado. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a disputa pelo espólio da segurança pública continua favorável à direita, a despeito de todos os esforços que Lula vem fazendo para tentar mostrar ações nessa seara, especialmente com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, entregue ao Congresso Nacional e já em tramitação na Câmara.
De acordo com o cientista político e sócio da Tendências Consultoria Rafael Cortez, o foco da esquerda em propor soluções voltadas para a dimensão social dificulta a articulação de uma estratégia que dialogue com as preferências de eleitores cada vez mais alarmados, que querem respostas claras e objetivas. “O discurso da direita é fundamentalmente punitivista: aumento do rigor, restrições mais duras, penas mais severas. E isso se conecta diretamente à percepção – às vezes objetiva, às vezes subjetiva – de vulnerabilidade em relação à segurança”, explica.
Para Cortez, também é difícil encontrar, após vários governos do PT, uma marca concreta sobre o tema, isso porque essas gestões estão usualmente associadas às questões sociais e às entidades de direitos humanos, criticadas por aqueles que pregam regras mais duras para os crimes. Nesse caso, parte-se da ideia de que a violência é resultado de vulnerabilidades sociais – e, por isso, não pode ser combatida com respostas superficiais ou exclusivamente repressivas.
“Não me parece que a PEC da Segurança Pública será capaz, por si só, de neutralizar os ganhos eleitorais que a direita vem acumulando nesse tema”, afirma Cortez. “Não significa que a proposta seja desprezível – ela tem seu mérito como tentativa de estruturar uma política pública – mas trata-se de uma medida voltada mais aos meios do que aos fins. Não terá grande impacto eleitoral imediato.”
Nesse sentido, o analista relembra que se criou um conflito implícito com os governadores de Estado. Isso se acirra porque parte deles tem ambições presidenciais e, portanto, tendem a polarizar com o governo Lula. Como exemplo, Cortez destaca o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Segundo ele, o chefe do Executivo goiano segue em uma direção mais clara de oposição, enquanto outros – como Eduardo Leite (PSD-RJ), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) – adotam posturas mais acomodadas.
Acusação de usurpação constitucional
Pré-candidato já declarado ao Palácio do Planalto na corrida presidencial de 2026, Caiado é um dos maiores críticos da proposta do governo Lula. Ao falar com jornalistas sobre a pauta durante o congresso ambiental da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) no último dia 29, ele reiterou que vê a proposta do governo federal como uma “usurpação” da responsabilidade constitucional dos governadores.
“Isso reflete uma mentalidade de Estado unitário – que é a pretensão do PT: concentrar tudo em Brasília, como foi feito na reforma tributária e como está se tentando fazer agora na segurança pública. Mas, pelo clima que percebi ontem (28, quando esteve Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados), acredito que vamos derrubar essa PEC”, declarou.
Segundo o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eduardo Grin, a PEC da Segurança Pública elaborada pelo Executivo deve ter dificuldades para avançar no Congresso. Para ele, os partidos do Centrão e as bancadas vinculadas a potenciais candidatos a presidente – como a bancada de Goiás, a chamada bancada da Bala e a de São Paulo – vão tentar ganhar tempo, observando também a descoordenação do Executivo e o Legislativo e a erosão da popularidade do presidente Lula.
“Não por acaso, o Senado aprovou uma proposta (PEC 37/2022) que equipara guardas municipais e agentes de trânsito a integrantes das forças de segurança pública – pauta defendida por vários prefeitos, como Ricardo Nunes (MDB). Essa era uma medida que já estava dentro da PEC do governo. Ou seja, o Congresso se adianta, aprova pontos isoladamente e tira o protagonismo do Executivo”, diz Grin. “Na prática, o que o Congresso – especialmente os setores mais próximos ao bolsonarismo e ao Centrão – pode fazer é desidratar a proposta original, tirar dela o caráter de vitrine eleitoral do governo.”
Ao falar da disputa eleitoral pelo espólio da segurança pública, a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ) Mayra Goulart ressalta que o ator político que conseguir apresentar resultados concretos no cenário atual tende a se projetar como um player em âmbito nacional. Na sua avaliação, o governador Tarcísio é o que se enquadra, até este momento, nessa premissa, porque vem tomando decisões que o colocam com uma abordagem mais linha dura de combate à criminalidade.
Outro possível destaque, de acordo com a analista, seria o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que recentemente propôs a criação de uma Força Municipal de Segurança. Para ela, se Paes conseguir se inserir no tema a partir do Rio – um epicentro simbólico e real do debate sobre Segurança Pública -, certamente se tornará um player nacional relevante.
“Nas décadas passadas, por exemplo, Paulo Hartung (PSD) enfrentou o problema do crime organizado no Espírito Santo, mas não foi projetado nacionalmente”, explica Mayra. “Mas, hoje, num contexto em que o tema se consolida como a maior preocupação nacional – e as pesquisas de opinião reforçam essa percepção -, o cenário é diferente”, complementa.
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