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Movido a consumo: PIB cresce 3,4%, a maior alta desde 2021, mas perde fôlego no último trimestre – O Globo

Inflação e juros altos corroem o orçamento das famílias e consumo tem primeira queda trimestral desde 2021, derrubando o resultado do quarto trimestre, quando a economia avançou só 0,2%

Impulsionada pelo consumo das famílias e pelos investimentos, a economia brasileira fechou 2024 com expansão de 3,4%, o quarto ano seguido acima de 3%, mas perdeu fôlego na reta final. O Produto Interno Bruto (PIB) ficou praticamente estagnado no quarto trimestre, com avanço de 0,2% sobre o terceiro trimestre, informou ontem o IBGE.

Quem pisou no freio — acima do esperado, já que as projeções apontavam para um avanço de 0,4% — foi um dos motores que empurravam a economia até setembro. O consumo das famílias recuou 1% em relação ao terceiro trimestre, primeira queda desde meados de 2021, atingido pela aceleração da inflação e por juros mais altos.

Preços em alta e juros elevados continuarão a conter a demanda este ano, mas o governo vem anunciando medidas de estímulo ao consumo, como a liberação de saques do FGTS e novas regras para o crédito consignado privado.

‘Cabo de guerra’

Por isso, o ritmo daqui por diante será ditado pelo “cabo de guerra” entre os juros elevados pelo Banco Central (BC), que esfriam a economia, e as medidas do governo, ou seja, as direções opostas entre política monetária e fiscal. Segundo economistas, essa contraposição de forças poderá resultar em crescimento menor no médio prazo.

— Por um lado, vamos ter uma desaceleração esperada da economia pelos juros altos, mas, por outro, tem um governo que vai tentar minimizar a desaceleração econômica com medidas expansionistas. Então, 2025 vai ser essa queda de braço entre o ciclo natural da política monetária, que iria gerar um PIB mais baixo, com o governo tentando impedir que isso aconteça — resumiu Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.

Consumo das famílias tem maior alta em 13 anos

Na média de 2024, a economia foi de vento em popa. O crescimento anual do consumo das famílias, de 4,8%, foi o maior desde 2011. A consolidação das políticas públicas de transferência de renda com benefícios mais elevados, o reajuste do salário mínimo e a expansão do emprego e renda impulsionaram a demanda dos consumidores.

Os investimentos saltaram 7,3% sobre 2023 e, com a combinação dos dois, a demanda interna, que aumentou 5,2% no ano passado, capitaneou o crescimento econômico. Pelo lado da oferta, os serviços cresceram 3,7% e a indústria avançou 3,3%. O PIB só não avançou mais porque a demanda interna “vazou” para o exterior: as exportações cresceram apenas 2,9%, ante um salto de 14,7% nas importações.

Como o BC já tinha começado a subir os juros em setembro e o impulso da transferência de renda e dos reajustes do mínimo já vinham perdendo força, já era esperada uma redução no ritmo até para antes do fim de 2024. Mas, no quarto trimestre, a freada veio com tudo — o valor adicionado, que desconta o efeito dos impostos, teve variação nula ante o terceiro trimestre.

— Começamos a ter algum efeito da política monetária (a elevação dos juros). Sabemos que o efeito total sobre a economia demora um tempo, mais ou menos um ano e meio, mas os juros começaram a subir em setembro — afirmou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, lembrando que a inflação também subiu no fim do ano. — Isso prejudica o consumo das famílias, já que as pessoas têm que gastar mais para comprar a mesma coisa.

Preocupação com gasto

Para Claudio Frischtak, CEO da Inter.B Consultoria, a política expansionista do governo atrapalha o investimento, contribuindo para expansão menor do PIB:

— Você tem uma política monetária mais apertada e uma política fiscal expansionista. Esse tipo de conflito bate na inflação e nos juros. As empresas que pensam em comprar máquinas e equipamentos fazem muita conta.

Segundo a economista Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências Consultoria, a ação do BC ao subir os juros reage também a um cenário econômico mais adverso, com maior percepção de risco por parte de investidores e empresários e uma piora nas condições financeiras, que apareceu na alta dos juros de mercado e no câmbio:

— Antes de o BC sinalizar a Selic (a taxa básica de juros, hoje em 13,25% ao ano) perto de 15%, já víamos uma deterioração dos mercados. A Selic, obviamente, é a referência, mas o que baliza o mercado de crédito é o juro futuro.

Para ela, o primeiro semestre ainda terá crescimento, por causa do impulso do PIB da agropecuária — após recuar 3,2% em 2024, uma forte alta é esperada para este ano, por causa de mais uma supersafra. Esse avanço é concentrado no início do ano, e a piora do cenário seguirá fazendo a economia crescer cada vez mais devagar. No segundo semestre, a Tendências espera “recessão técnica”, que é como os analistas de mercado chamam duas retrações seguidas do PIB.

Na média do ano, a consultoria espera alta de 2%. A equipe de economistas do Banco Inter projeta crescimento ainda menor, de apenas 1,5%, este ano, abaixo do que apontam as estimativas do mercado.

Para a economista-chefe da instituição financeira, Rafaela Vitoria, a economia vinha crescendo acima da capacidade, o que pressiona a inflação. Um esfriamento, além de necessário no momento, poderia permitir que os juros começassem a cair antes do esperado. Sem deixar a economia andar mais devagar agora, o governo poderá colher crescimento menor em 2026 (ano eleitoral) e 2027, disse Rafaela:

— Esse esfriamento da economia é bem-vindo, para que a gente possa ter queda mais rápida da inflação. Juros menores lá na frente, depois desse processo de queda da inflação consolidado, poderiam permitir que o PIB voltasse a crescer em 2026 e 2027. Se o governo quiser estimular pode ser ruim no médio e no longo prazos, porque vamos ter juros altos por mais tempo, comprometendo 2026 e 2027.

PIB per capita salta 3%

Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, alertou que os efeitos das medidas anunciadas até agora pelo governo são incertos em uma economia já operando acima de seu potencial. Isso pode gerar distorções nos preços, o que amplia os riscos sobre a inflação.

O economista lembrou que “o governo tem enfatizado a questão dos alimentos, mas os serviços estão muito caros”. Nesse quadro, Padovani não vê espaço para o BC parar com a alta dos juros.

Este ano vai ser passado no purgatório, com crescimento baixo e inflação ainda alta, prevê a economista Silvia Matos, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV):

— Ano passado teve um PIB alto, mas não dá para comemorar, porque jogamos um monte de problemas para 2025. Podemos ter até um pouco mais ou um pouco menos de crescimento, mas a inflação ainda vai ser alta. Talvez em 2026 consigamos ter uma inflação menor, mas vamos passar um purgatório até lá.

O IBGE divulgou o PIB per capita, que chegou a R$ 55.247,45, uma alta de 3% sobre 2023. No total, a economia ficou em R$ 11,7 trilhões.

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