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‘Vamos reposicionar a Vale como um grande orgulho nacional’, diz novo CEO – IstoÉ Dinheiro

Conduzir a empresa ao protagonismo na produção de metais que farão a transição energética, com a sustentabilidade integrada aos processos, e buscar novos mercados para reduzir a dependência da economia chinesa estão entre as prioridades de Gustavo Pimenta, novo CEO da empresa

Por Regina Pitoscia*

Gustavo Pimenta é um mineiro de 46 anos, casado, pai de dois filhos e torcedor do Atlético Mineiro. O perfil poderia ser o de um cidadão comum, mas não é. Em 1º de outubro ele assume a posição de presidente da Vale, a terceira maior empresa privada do País e uma das maiores mineradoras do planeta. A posse antecipada em três meses demonstra seu prestígio junto ao Conselho de Administração, que aprovou seu nome por unanimidade e tratou de encurtar o processo de sucessão, como forma de fazer frente às pressões políticas de grosso calibre. O presidente Lula tentou sem sucesso emplacar Guido Mantega, ministro da Fazenda em seus dois primeiros mandatos, no comando ou como conselheiro da companhia.

A mineradora trata o tema com tranquilidade. Afirma que o executivo foi eleito após um rigoroso processo de seleção, calcado em padrões internacionais e seguindo o Estatuto Social da empresa, as políticas corporativas, o regulamento interno e a legislação cabível. Tudo dentro de “alto nível de integridade, transparência e robustez da governança da Vale”.

O currículo de Pimenta, que contempla experiência global nos setores financeiro, de energia e mineração em grandes empresas, e sua atuação na empresa, desde 2021, como vice-presidente executivo de finanças e relações com os investidores, permitiram tratar de assuntos centrais a questões espinhosas da Vale e o credenciam para o cargo. A antecipação de sua posse sinaliza que ele está preparado e traz segurança. Como vem de dentro, não terá de passar por períodos de adaptação. A vida da empresa deve passar a fluir melhor.

Mas nem por isso espera-se que ele vá navegar por águas calmas.

  • Ao contrário, de imediato terá de colocar um ponto final a um capítulo triste e trágico na história da Vale, que se arrasta por quase nove anos: o rompimento da barragem do Fundão em Mariana, em novembro de 2015, que causou mortes – além de prejuízos ambientais incalculáveis (a Vale era sócia do empreendimento).
  • Agora, empresa e governo parecem estar prestes a fechar um acordo de repactuação da reparação dos danos.
  • O governo espera receber, no mínimo, R$ 100 bilhões no prazo de 12 anos.
  • Mas as condições não estão costuradas, porque a companhia ofereceu um valor inferior e propôs um prazo de liquidação mais elástico, de 20 anos.

Especialistas não consideram essa dívida uma preocupação do ponto de vista financeiro, já que a empresa tem histórico de boas condições de caixa e não deverá ter problemas em quitar os pagamentos. Entendem, no entanto, que o acerto já passou da hora pelo passivo de imagem que isso traz à companhia diante do mercado, de investidores e do próprio governo. “A finalização dessa questão pode ser vista como um ponto de partida para o retorno de novos investimentos na Vale nos próximos anos”, afirma Bruno Carlos de Souza, doutor em controladoria e ciências contábeis e CEO da consultoria Souza Maas.

As questões dos passivos ambientais, relativos tanto a Mariana como a Brumadinho (barragem que se rompeu em 2019), não são riscos relevantes na opinião de João Daronco, analista da Suno. Ele é um especialista no tema desde a época de faculdade, sua tese versa sobre barragens de minério de ferro. Segundo ele, a Vale vem fazendo pesados investimentos no descomissionamento das barragens, quer dizer, construindo novas estruturas de modo a torná-las mais seguras e evitar novos desastres. “Vejo a empresa preocupada com esse aspecto, mais bem preparada e embasada cientificamente com o objetivo de reduzir esse tipo de risco nos últimos anos. Mas ele ainda existe, porque são barragens construídas há décadas e o processo não é simples.”

Outro assunto urgente e que deve ser definido até o fim do ano refere-se às negociações, também com o governo, para a renovação da concessão de ferrovias. A discussão gira em torno de R$ 10 bilhões para a manutenção de contratos que permitam o escoamento de seus produtos sem entraves. Como se vê, existe uma necessidade premente para que Pimenta e sua direção crie canais de interlocução com o governo de forma a garantir o andamento dos negócios da companhia.

“Ele vai precisar de um jogo de cintura para lidar com o governo, porque a atividade de mineração depende de concessões públicas, ambientais, de exploração e operação de ferrovias, e acredito que ele tenha essa habilidade”, afirma Rafael Panonko, consultor independente. Até porque algumas arestas devem ser aparadas com o próprio presidente Lula, que não consegue mais influenciar como gostaria nas decisões internas da companhia, como já foi no passado.

A Vale não tem um acionista majoritário que concentre o poder de tomadas unilaterais de decisão:

  • 91,3% do capital da empresa está nas mãos do setor privado,
  • e 8,7% pertencem ao fundo de pensão do Banco do Brasil, a Previ.
  • Além do que 73% estão pulverizados entre acionistas na bolsa de valores.

O risco China

A maior ameaça às operações e resultados da companhia vem da China, seu principal e maior comprador do minério de ferro. Panonko estima que mais ou menos 50% da produção da Vale é consumida pelos chineses, especialmente na construção civil. Como a atividade econômica do país asiático vem desacelerando nos últimos dois anos, com empresas do setor imobiliário em situação difícil, a incerteza é grande em relação aos desdobramentos para a companhia brasileira.

Paulo Vicente, doutor em Administração de Empresas, mestre em Administração Pública e professor da Fundação Dom Cabral, alerta que metade do aço produzido no mundo vem dos chineses. “Se a China entra em crise, todo mundo entra em crise, se ela espirrar é preciso dizer saúde!”

O professor explica que a população chinesa parou de crescer, está na descendente. De 1,4 bilhão de pessoas, atualmente, o país deve chegar a 600 milhões até o fim deste século. “As mulheres pararam de ter filhos, com um encolhimento muito forte da população. E aí não haverá mais tanta necessidade de projetos de infraestrutura nem de casas, com queda na demanda de ferro.” Além disso, o professor pontua que a China está ficando cada vez mais beligerante e agressiva com seus vizinhos. De uma hora para outra, poderá entrar em guerra com um deles. Taiwan e Filipinas são dois alvos possíveis.

Tanto Daronco, da Suno, como Panonko acreditam que esse risco está superdimensionado. É clara a dependência da Vale em relação à China, concordam todos eles, mas o analista da Suno afirma que hoje há uma migração no consumo de aço pela China – de vergalhões usados na construção para aço plano, empregado na produção no setor automotivo, bens de consumo, geladeira e eletrodomésticos entre outros. “Pode haver um impacto sim nos resultados da empresa, mas marginal”, pondera Daronco.

Para contornar e neutralizar eventual queda da economia chinesa, o professor da FDC acredita que a saída é a Vale encontrar novos clientes potenciais. “Para reduzir o risco, é preciso diversificar o portfólio de cliente. Mas onde se achará outra China? Não tem. Tem a Índia, que está crescendo, mas ela terá de promover uma reurbanização e não será o que a China foi nos últimos 25, 30 anos.”

O crescimento do PIB chinês em 2024 deve ficar em 4,9%. Em 2025, será de 4,4%. Depois, deve ficar ao redor de 4%, nos cálculos da economista e consultora da Tendências, Yasmin Riveli. São números mais baixos do que os registrados pelo país entre 2021 e 2019 (acima de 7% ao ano). Ela relata que as mineradoras surfaram e foram beneficiadas pelas altas ondas de crescimento chinês, e chama a atenção para outro fator de relevância para a Vale: a produção do minério de ferro de qualidade. Especialmente o minério de ferro extraído de Carajás, no Pará, é de muito boa qualidade, acima da média de mercado de 62%. E, principalmente, como é compatível com métodos de produção mais limpos, essa extração exige menos carvão para a produção de ferro e aço. Por isso mesmo, sua demanda tem potencial de crescimento. É mais indicado na transição energética.

Esse diferencial coloca a Vale e o País em vantagem competitiva em relação à Austrália, que tem as maiores mineradoras, mas conta com um minério de ferro de qualidade inferior. Daronco aponta para o desafio de longo prazo para a Vale é ajustar sua dinâmica de atuação: entrar em novos mercados, que estão na Ásia, como Índia e Indonésia.

A Austrália leva vantagem na logística pela proximidade geográfica com esses países, mas a Vale deve ganhar na qualidade de sua commodity e cobrar um prêmio por isso – o que tende a influenciar os seus resultados.

Para a transição energética, a Vale já se encontra bem posicionada em dois dos principais metais – ferro e níquel –, pontua Vicente, da FDC. Mas terá de olhar ainda para o lítio e cobalto usados em baterias, além de cobre, que vai nos condutores. Também deverá se voltar para o alumínio. São os seis principais metais que levarão a uma energia mais limpa.

Entrevista: Gustavo Pimenta, CEO da Vale

“A demanda global por aço continuará aumentando com o crescimento da população e da economia”

Gustavo Pimenta se preparou nos últimos dias para assumir a cadeira de CEO da gigante Vale, que deve acelerar a produção de minerais que vão fazer a transição energética. Nessa entrevista concedida com exclusividade à DINHEIRO, por escrito, ele conta quais serão suas estratégias para manter a companhia como protagonista no setor global de mineração.

O que considera ser seu principal desafio ao assumir o comando da empresa?


A Vale tem uma posição única como provedora de minério de ferro de alta qualidade e de minerais críticos, ambos fundamentais para a transição energética global. Nesse sentido, um dos principais desafios será acelerar o desenvolvimento do nosso portfólio de produtos para atendar a essa demanda crescente. E isso só será possível com um olhar muito integrado sobre a sustentabilidade e uma relação de confiança e parceria com nossos diversos públicos de relacionamento. Não tenho dúvida de que seremos capazes de alcançar tais objetivos e, com isso, reposicionar a Vale novamente como um grande orgulho nacional.

Quais são as estratégias para contornar o desaquecimento da economia chinesa?


A China seguirá sendo o maior produtor de aço do mundo e um grande parceiro comercial da Vale. O que observamos neste momento é uma mudança no padrão de demanda por aço e, consequentemente, de minério de ferro, com uma redução da participação do mercado imobiliário chinês e um crescimento relevante da demanda para manufatura. Isso tem ajudado a suavizar o efeito sobre os preços internacionais.

Mas estão em busca de outros mercados?


Temos visto uma crescente demanda em novos mercados, tanto no Sudeste Asiático quanto no Oriente Médio, esse último se beneficiando de acesso a gás natural competitivo. Nossa visão é de que, no médio e longo prazos, a demanda global por aço seguirá crescendo com aumento populacional e o desenvolvimento econômico. E esse crescimento será voltado a uma produção de aço com menor pegada de carbono, o que para a Vale é muito benéfico, uma vez que continuamos a ter o minério de ferro de melhor qualidade do mundo.

Como a empresa deve se posicionar na corrida de metais para a transição energética?

No ano passado, tomamos a decisão de dar mais autonomia e foco no nosso negócio de metais de transição energética. Estou muito animado com o resultado dessa decisão e a evolução da Vale Base Metals de lá para cá. Nosso grande objetivo é crescer esse negócio, de forma sustentável e competitiva, principalmente no cobre, em que temos muitos recursos e reservas a serem desenvolvidos. A demanda por esses minerais de transição será enorme e o maior desafio está no crescimento da oferta. Temos uma oportunidade única de nos posicionar como um dos grandes produtores de metais de transição energética do mundo, e essa será uma prioridade da companhia nos próximos anos.

Como a empresa deve se engajar nas iniciativas que o governo propõe para enfrentar o agravamento da crise climática?


Sem mineração não existe transição energética. Todas as soluções que hoje conhecemos para reduzir a pegada de carbono do mundo passam pelo minério de ferro de alta qualidade e por minerais críticos. Nosso grande risco, como indústria, é não conseguir ofertar esses minerais no tempo e na forma que o mundo necessita. Isso passa, necessariamente, por acelerarmos nossa jornada em direção à mineração do futuro, fortalecendo nossas ações sustentáveis e auxiliando nossos clientes com produtos que reduzam a pegada de carbono na produção do aço.

A empresa já iniciou esse caminho?


Essa tem sido uma grande prioridade dentro da Vale. No ano passado, por exemplo, demos um passo importante ao garantir 100% de energia renovável para produção de eletricidade e seguimos trabalhando fortemente para acelerar a redução da pegada de carbono na própria operação e na cadeia de produção.

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