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Plano Real 30 anos I Episódio 1 – A crise sem fim – Exame

Confira a participação de Gustavo Loyola, Diretor-Presidente da Tendências Consultoria e ex-Presidente do Banco Central, em matéria especial da Exame sobre o aniversário de 30 anos do Plano Real.

Nós tivemos a mais longa hiperinflação da história recente da humanidade, com 15 anos de dela acima de 100% ao ano, chegando até a 2000% ao ano durante esse período, que foi de grande instabilidade e grande incerteza.

Em 1993, por exemplo, só tinham quatro países do mundo que tinham mais de 1000% de inflação: era a Rússia (colapso do império soviético), a Rússia, a Ucrânia, o Brasil e o Congo em guerra civil.

“Naquela época, se construía apartamentos que tinham dependências maiores para você armazenar gêneros dentro da dispensa. Tinham os grandes supermercados, que você fazia compras por atacado.”, comenta Loyola.

 As pessoas iam ao supermercado toda semana e não sabiam quanto iria gastar, pois os preços mudaram ao longo do dia. Uma coisa era certa: gastar mais do que na semana anterior. E não era pouco. 

A vida era de ineficiência total, tanto do ponto de vista pessoal quanto das indústrias, empresas e serviços. As pessoas não tinham capacidade de planejamento algum. Era impossível saber como estaria no fim do mês para pagar uma escola, comprar um carro, pagar uma conta.

O mercado de crédito, com uma inflação galopante, era extremamente penalizador para o sonho das pessoas. É importante ressaltar aqui que elas tomam crédito para financiar sonhos ou para pagar dívidas anteriores. Então foram momentos muito difíceis. 

Cada um dos fatores que compõem a operação de uma empresa, seja risco de crédito, financiamentos, monetário, a remuneração dos operários, as correções de salário deles, o prêmio de produtividade, era um esforço grande.

“O que o brasileiro fazia na época era fugir da moeda. A moeda queimava nas mãos. E como você foge de uma moeda? Você comprava ou aplicava no overnight. Nunca ficava com o dinheiro na mão.”, explica Loyola.

Os bancos criaram um mecanismo para tentar sustentar o valor da moeda, um modelo de remuneração diária para o dinheiro que ficava depositado em conta corrente. Na época, ficou muito famoso o conceito de overnight, que era uma forma de a economia se sustentar diante de todo o processo inflacionário. Entretanto, isso não permitia que as famílias de menor renda, que não tinham acesso aos instrumentos do mercado bancário, se protegessem de certa forma do processo inflacionário.

Isso é um grande problema, principalmente para a população de baixa renda. Você tem uma transferência de renda colossal em cima dessa população, o pior dos impostos.

As origens da hiperinflação

Você não chega a uma inflação alta sem cometer muitos erros. E o Brasil cometeu um erro ainda durante a ditadura, que foi acreditar que indexando a economia se resolveria os problemas inflacionários. O que isso quer dizer? Basicamente, se você tivesse seu salário reajustado todo ano, a inflação não atrapalharia muito o seu ganho em termos reais.

“A crise hiperinflacionária brasileira tem várias origens, mas a gente pode traçar talvez o seu início nos primeiros choques externos de petróleo. A partir de então, o Brasil não conseguiu mais reduzir a inflação.”, diz Loyola.

 Tivemos um período de extraordinário crescimento entre 1968 e 1973, em parte por um extraordinário crescimento do comércio mundial. Foi um período de crescimento com dívida. Quando veio o primeiro choque do petróleo, que fez o preço do barril passar de US$ 3 para US$ 12 no final da virada de 1973 para 1974, colapsou o arranjo que havia sido acordado e foi um choque de oferta de extraordinária importância para o Brasil.

“Neste período todo, houve várias crises internacionais que repercutiram sobre o Brasil. O Brasil tinha uma posição internacional muito frágil. Qualquer crise externa nos afetava bastante. Por exemplo, a crise da dívida de 1982.”, explica Loyola.

 O Brasil, tal como outros países emergentes que também estavam se endividando muito externamente, teve dificuldades. Foi a crise dos países em desenvolvimento no início da década de 80.

A maneira como o governo brasileiro reagiu a isso foi expandindo as despesas públicas de forma importante e o Banco Central, na época, financiando essa expansão de despesas públicas. O resultado, à luz da experiência histórica, não só brasileira mas internacional, foi a inflação.

Uma das coisas que mais me marcou nos anos 1980 foi quando o Brasil pediu moratória da sua dívida externa, e a manchete do Wall Street Journal da ocasião era: “O Brasil, o lugar onde o futuro nunca chega.”, porque a moratória era a quebra dos compromissos do Brasil.

Havia também uma falta de entendimento de que era crucial a questão fiscal. As contas públicas no Brasil estavam completamente desorganizadas. Tinha uma desorganização do Banco Central e dos bancos públicos. Naquele tempo, não havia um único orçamento. O orçamento fiscal, por incrível que pareça, era sempre superavitário, mas isso era apenas por essa desorganização institucional.

Existiam três instituições muito atuantes no sistema financeiro do governo federal: o Ministério da Fazenda, o Banco do Brasil e o Banco Central. O caixa dessas três organizações era um caixa só. E o mais incrível disso tudo é que o Banco do Brasil não tinha acesso automático aos recursos de emissão monetária.

“Você tinha então um processo de descontrole monetário muito forte, descontrole fiscal. Foi um período de muita crise, um período que é conhecido como a década perdida, mas talvez seja mais do que uma década.”, diz Loyola.

Quando houve a redemocratização do país, a dinâmica mudou. Durante o governo militar, se o governante não conseguia derrubar a inflação, ficava por isso mesmo. Ninguém perdia o poder por causa da inflação.

Nós estávamos transitando da ditadura para a democracia, que ia ser implantada a partir do ano seguinte. E como os militares estavam entregando a economia? Com uma recessão de 3% do PIB, uma inflação de 200% que estava caminhando para 500% ao ano, uma dívida externa impagável, na qual o governo já tinha dado calote. O governo já tinha assinado sete cartas de intenção com o Fundo Monetário Internacional entre 1981 e 1983 e não tinha cumprido nenhuma delas.

Num regime democrático, se você deixar a inflação ficar muito alta, vai perder o poder, não vai ser eleito na próxima eleição ou não vai conseguir fazer seu sucessor. Então, a democracia colocou uma pressão política para resolver o problema, que era um problema da população. Os políticos rapidamente perceberam a sensibilidade diante de seus eleitores: quem conseguisse resolver o problema teria um troféu político enorme.

Os planos econômicos

“Primeiro foi o plano Cruzado na época do ex-presidente Sarney. Foi o primeiro, com congelamento e tal. E é interessante que sempre havia aquele otimismo inicial com o plano.”, diz Loyola.

Era para ser um congelamento rápido, não foi. Foi esticado até a eleição. Deu um extraordinário efeito político. Só que, evidentemente, passado o tempo, o congelamento ficou insustentável e a inflação voltou com toda a força.

E aí veio uma sucessão de planos, mais ou menos da mesma natureza, todos envolvendo congelamento de preços: o Plano Bresser, o Plano Verão, e alguns, além do congelamento, com confisco de ativos financeiros, como foi o caso do Collor 1, e aí, depois sucedido pelo Collor 2, que foi outro congelamento de preços. Então, vieram uma sucessão de planos desse tipo, todos deram errado.

Não há um país forte se não houver moeda forte. Quando a gente olha para o poder de compra, manter a capacidade do dinheiro de pagar ao longo do tempo, comprar, adquirir mais ou menos a mesma quantidade de bens ou serviços, isso é uma conquista de valor inestimável.

O diagnóstico político

Era crucial ter no comando político do processo alguém que entendesse a ideia, porque políticos, por definição, não são economistas, mas você precisaria de alguém que, claro, tivesse a capacidade política de levar o processo adiante, mas ao mesmo tempo entendesse do que se tratava.

Essa condição só aconteceu “por acaso” em 1993, porque o presidente Collor foi eleito, mas sofreu impeachment. Então o vice, que nunca seria eleito por si só, acabou virando presidente.

O vice foi tentando vários ministros da Fazenda e o quarto foi Fernando Henrique Cardoso, que também não era a primeira escolha dele. Fernando Henrique ainda tentou se livrar daquela situação, mas Itamar Franco disse para que ele ficasse tranquilo que a sua nomeação havia sido bem recebida.

Confira o episódio 1 da série dos 30 anos do Plano Real pela Exame na íntegra abaixo!