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As sequelas sociais da catástrofe no Rio Grande do Sul – O Globo

Para especialistas, a pobreza no estado inevitavelmente vai aumentar após a tragédia

A pior tragédia climática em mais de oito décadas vai fazer um dos estados com os melhores indicadores sociais do país a ver o aumento da pobreza, mas especialistas afirmam que a piora deve ser temporária e pode ser uma oportunidade para aumentar a inclusão social da população mais vulnerável. Marcelo Neri, diretor da FGV Social, diz que o desafio será atender os novos pobres que surgiram após as enchentes, pessoas que perderam a casa e vão precisar de transferência de renda.

— Em tragédias climáticas e de acidentes como em Brumadinho, você tem a estrutura do cadastro único e dos programas sociais. Adianta pagamento, dá um pagamento a mais. A população no Rio Grande do Sul é pouco pobre, e essa estrutura não está presente. A velocidade da política social emergencial será fundamental. O uso do Bolsa Família nessas situações tem sido positivo, mas o problema é que tem de cadastrar os novos pobres do clima.

No estado, 2,5% da população, ou 272 mil pessoas, estavam na extrema pobreza, menos da metade da média do país e o segundo menor índice da federação. Em 2023, as chuvas de setembro, que causaram mais de 50 mortos, já haviam deixado sequelas sociais:

— Nas chuvas de setembro de 2023, o Rio Grande do Sul caiu de quarto para sétimo lugar entre as unidades da Federação com maior renda domiciliar do trabalho por pessoa. A boa notícia é que a economia gaúcha recuperou já no trimestre seguinte a quinta posição — diz Neri.

As previsões mostram um baque na economia do estado. A Tendências Consultoria estima que o Produto Interno Bruto (PIB) do Rio de Grande do Sul cairá 2,8% por causa do impacto das chuvas na atividade econômica. Antes disso, a projeção era de um crescimento de 2,9%. Alessandra Ribeiro, sócia e economista da Tendências, lembra que o estado ainda estava se recuperando das chuvas de setembro, por isso a expectativa de um crescimento bem acima do previsto para o Brasil, que a Consultoria estima ser de 1,8% este ano. O esforço de reconstrução tem efeito no PIB:

— Estudamos o processo de recuperação de outros eventos climáticos. Ele mostra que o consumo das famílias deve se recuperar mais rapidamente, com ajuda governamental e humanitária. Do ponto de vista da indústria, é mais lento. As empresas não têm a mesma ajuda que as famílias nesse momento.

O perfil etário pode ajudar os gaúchos na retomada, afirma Neri. Como o estado tem a população mais idosa do país, uma parcela dos atingidos já recebe aposentadoria, benefício de prestação continuada (BPC) ou pensão:

— Ao mesmo tempo há o capital social das cooperativas, uma série de programas de microcrédito que serão importantes nesse momento — diz Neri.

O emprego, com as enchentes destruindo instalações das empresas, vai cair. Pelas contas da Tendências, as 78 cidades em calamidade pública respondem por 52,7% do PIB estadual. Por isso, pelas estimativas da consultoria, haverá uma queda de 2,2% no número de ocupados, enquanto no país vai crescer 2,4%.

— Muitas empresas estão mantendo os vínculos empregatícios. A taxa de desemprego deve aumentar dos atuais 5,3% para 6,1%, ainda assim, abaixo da média nacional de 7,1% (este ano). O ponto de partida é muito melhor do que o resto do país.

‘Novos pobres’

Laura Machado, professora do Insper e ex-secretária estadual de Assistência Social de São Paulo, diz que a reconstrução pode ter esse foco, de inclusão produtiva. É o próximo passo ao atendimento emergencial desses novos pobres.

— Temos que garantir que não sejam novos pobres. Mas há uma oportunidade para resgatar quem não tinha sido resgatado antes das enchentes, com uma reconstrução inclusiva, com arranjo produtivo local, com a inserção no trabalho. Voltar para um lugar melhor.

Maurício Paixão, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que as áreas de maior vulnerabilidade social em Porto Alegre foram as mais afetadas pela tragédia.

— Os bairros da Zona Norte da cidade foram os mais atingidos, onde há locais de vulnerabilidade alta e muito alta. Eles são aqueles onde o serviço de limpeza demorou mais a chegar ou há mais complexidade na limpeza.

Professor da UFRGS e coordenador do Grupo de Planejamento e Gestão dos Recursos Hídricos da universidade, Guilherme Fernandes Marques afirma que está faltando ação integrada entre os governos municipal, estadual e federal no planejamento da reconstrução das cidades mais atingidas. Foram 418 municípios dos 497 do estado afetados pela enchente, em emergência ou em estado de calamidade pública.

— Há dois problemas: a falta de articulação entre os governos e a visão da bacia hidrográfica. A solução para a cheia não virá da soma de soluções individuais. Não é possível, um município pode fazer uma obra que prejudica o outro.

Ele estima que para recuperar toda a infraestrutura destruída, entre aeroporto, estradas, instalações elétricas e hidráulicas, vai demorar de dois a três anos. E a reconstrução será em outras bases:

— Temos que aprender a conviver com a cheia, como o Nordeste busca conviver com a seca. Se não incorporarmos o risco no planejamento do uso do solo e recursos hídricos, vamos continuar a construir na beira do rio, a população mais pobre vai continuar ocupando essas áreas e correndo mais risco.

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