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Incertezas sobre a reforma tributária – O Globo

Concessões de serviços públicos, como saneamento básico e rodovias, estão no grupo que sofrerá aumento de alíquota efetiva

Por André Paiva e Fábio Tieppo*

A reforma tributária (EC 132/2023) certamente é um avanço há muito esperado. Em substituição ao atual sistema de tributação do consumo, caótico e complexo, com diversos impostos e inúmeras exceções, será implementado um tributo dual sobre o valor agregado.

Em tese, a reforma deverá descomplicar consideravelmente o sistema tributário e reduzir o efeito da cobrança de impostos em cascata. Seu principal objetivo é simplificar, não reduzir a carga tributária. A mecânica prevista consiste em implementar uma alíquota de referência geral que, por construção, possibilitaria a manutenção da atual carga tributária como percentual do PIB.

A expectativa é que a reforma aumente a eficiência dos sistemas produtivos, gerando melhor alocação de recursos e reduzindo os esforços que envolvem o pagamento de tributos. Contribuirá, assim, para o aumento do PIB e a geração de empregos.

Espera-se que os setores com uma cadeia produtiva mais longa sejam beneficiados. Destaca-se o setor da indústria de transformação. Na outra ponta, setores relacionados a serviços, que atualmente contribuem com ISS, PIS e Cofins e têm alíquota efetiva inferior a 15%, tendem a sofrer aumento da carga tributária, chegando a uma alíquota de mais de 25%.

Como consequência, é esperada ampla mudança em preços relativos — algumas coisas ficarão mais caras, outras mais baratas. Concessões de serviços públicos, como saneamento básico e rodovias, estão inclusas no grupo que sofrerá aumento de alíquota efetiva.

Diversos pontos da reforma ainda serão regulamentados por meio de leis complementares, de forma que o impacto ainda é incerto. Porém a mudança de preços relativos dos insumos afetará de maneira distinta cada projeto, a depender de suas especificidades. Haverá, ainda, significativos custos com adequações dos sistemas de faturamento e contábeis para o novo sistema tributário.

Além disso, existirão efeitos indiretos dentro da estrutura de custos das concessões. A lógica de aproveitamento de créditos implica alteração nas premissas de capital de giro das empresas, o que eventualmente pode gerar mudanças no fluxo de caixa.

Tais incertezas impactam tanto os projetos já existentes como os novos, ainda a ser licitados. Em termos práticos, como as incertezas afetam o nível de risco percebido pelos investidores, espera-se que os licitantes incorporem esse risco maior ao retorno considerado em suas propostas. Ao mesmo tempo, participantes menos experientes podem precificar de forma incorreta seus futuros gastos e investimentos, levando a um cenário em que o contrato futuro se torne infactível.

No caso dos projetos já existentes, as alterações tributárias usualmente são classificadas como “fato do príncipe”, que enseja reequilíbrio econômico-financeiro. Isso, no entanto, costuma ser demorado, e o valor a ser reequilibrado pode não refletir o impacto real assumido pelo concessionário.

O cálculo não será trivial. Mesmo que se defina o mérito sobre o que deve ser reequilibrado e qual o valor desse impacto, existe um desafio sobre como reequilibrar o contrato. Uma vez que os modelos consideram a sistemática tributária atual, os mecanismos deverão ser adaptados ao novo modelo.

Diversos contratos — a maioria, provavelmente — ficarão desequilibrados, sendo esperada uma onda de pedidos de reequilíbrio. A existência de contratos com diferentes entes federativos e sujeitos a regulação por agências distintas pode levar a decisões de mérito divergentes, gerando mais insegurança e elevando o potencial de judicialização.

*André Paiva é economista e consultor da área de Projetos da Tendências Consultoria, Fábio Tieppo é engenheiro e consultor da área de Projetos da Tendências Consultoria

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