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Estímulo via consumo – O Globo

Taxa média de juros ao consumidor final deverá atingir 46,4% ao ano em dezembro, segundo projeção da CNC, no menor patamar desde 2019

Além do aumento dos salários e da queda da inflação, o crédito dará mais um empurrão na economia este ano. A concessão de empréstimos para comprar bens por pessoas físicas cresceu 18% no acumulado em 12 meses até fevereiro, maior alta dos últimos cinco anos. E a taxa média de juros ao consumidor final deverá atingir 46,4% ao ano em dezembro, no menor patamar desde 2019, reagindo ao ciclo de queda da Selic — de agosto ao mês passado, o Banco Central do Brasil (BC) reduziu a taxa básica de 13,75% ao ano para 10,75%.

O BC informou ontem que o estoque total de crédito no sistema financeiro cresceu 8% em fevereiro, em relação a igual mês de 2023.

— Parece que o consumidor está de fato retomando essa demanda por crédito — afirmou Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que compilou dados do BC sobre o crédito, a pedido do GLOBO.

Os números compilados pela CNC também mostram que o consumidor está diante de um cenário mais favorável para contrair novas dívidas. O comprometimento da renda das famílias finalmente rompeu a barreira dos 30% em dezembro de 2023, pela primeira vez desde outubro de 2021.

Considerando um financiamento no valor de R$ 1 mil, o valor médio da prestação já descontada a inflação ficou em R$ 40,42 em fevereiro deste ano. É o menor valor desde outubro de 2021, quando foi de R$ 40,10.

— Isso significa que a prestação está ocupando menos espaço no bolso do consumidor — disse Bentes.

Uma combinação de fatores torna o crédito mais favorável este ano, avalia Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria. Além do mercado de trabalho aquecido, que facilita o acesso ao crédito, o Desenrola Brasil (programa de renegociação de dívidas do governo) ajudou consumidores a saírem da inadimplência.

— Tudo isso facilita as condições financeiras, a oferta de crédito e a menor seletividade dos bancos. A melhora das condições financeiras vai mesmo ajudar a atividade econômica ao longo de 2024 — afirma Isabela.

Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem (IPRI), corrobora a visão de que o brasileiro está mais disposto em aumentar os gastos com bens de maior valor agregado, como móveis e eletrodomésticos, nos próximos 12 meses. Cerca de 41% dos entrevistados disseram que vão consumir mais produtos industriais neste ano frente 2023, enquanto 41% manterão seu consumo estável, e 15% deverão comprar menos.

Segundo o superintendente de Economia da CNI, Mário Sérgio Telles, a expansão do emprego, do rendimento real das famílias e da massa salarial incentivam as compras de produtos de maior valor no médio prazo. A queda dos juros e do nível de endividamento também abrem espaço no orçamento.

— Tudo isso passa uma mensagem importante para a indústria e nos faz acender a luz verde. O setor já tem aumentado o número de pessoas contratadas e tem tido mais produção neste início de ano, em vários setores. Vamos ter um reflexo sobre a demanda na indústria.

Efeito no 2º semestre

Marca das gestões anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o crescimento do crédito para consumo se mostra como um dos motores do crescimento do PIB este ano, principalmente na segunda metade do ano. Analistas projetam que a concessão de crédito à pessoa física ganhe tração no segundo semestre, impulsionando o consumo das famílias e, consequentemente, o crescimento da atividade econômica.

— O crescimento do consumo das famílias no primeiro semestre será sustentado pela renda, enquanto o segundo (semestre) tem uma certa dependência da recuperação do crédito — afirmou Gabriel Couto.

Isabela, da Tendências, também avalia que a melhora do mercado de crédito só deverá ser mais perceptível a partir de julho. Segundo ela, a questão fiscal ainda afeta o custo de captação dos bancos e a inflação de alimentos pode pressionar o orçamento familiar e limitar a aquisição de novas dívidas no curto prazo:

— A gente espera resultados melhores no segundo semestre. A concessão de crédito com recursos livres para pessoas físicas deve crescer 5,7% em dezembro. Em termos comparativos, no acumulado de 12 meses até junho, a alta deve ser de 5,3%. Então tem uma aceleração.

Investimentos patinam

A expectativa de alta do consumo das famílias traz uma perspectiva positiva para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). As projeções de analistas de mercado apontam para um avanço de 1,89%, ante 1,77% quatro semanas atrás, segundo o Boletim Focus, compilação de estimativas feita pelo BC.

Por outro lado, uma atividade econômica puxada pelo consumo das famílias, e não pelo investimento das empresas, sinaliza uma fragilidade em termos de crescimento. Os números do BC mostram que o crédito não tem chegado às empresas.

A concessão real de crédito com recursos livres destinados às pessoas físicas subiu 5,7% em fevereiro, em relação a igual mês de 2023. Já a concessão real de crédito para pessoa jurídica caiu 0,3% no mesmo período. Os cálculos são do banco Goldman Sachs, com base nas estatísticas do BC divulgadas ontem.

Couto, do Santander, espera que os investimentos cresçam apenas 0,5% em 2024, após queda de 3% em 2023. Segundo Couto, o movimento de recuperação mais lenta acaba sendo esperado por conta do efeito do ciclo monetário:

— O “grosso” (do crescimento dos investimentos) deve ficar mais para 2025. (…) As famílias tendem a responder um pouco antes ao ciclo monetário. Querendo ou não, isso ajuda no impulso do crédito. Mas, quando a gente olha para as empresas, muitos setores tem ciclos mais longos.

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