100 dias de governo: Banco Central e política monetária sob ataque

(Política monetária: Metas de inflação e política de juros)

Publicado originalmente em: https://oglobo.globo.com/google/amp/opiniao/artigos/coluna/2023/04/tensao-com-bc-marca-os-cem-dias-do-governo.ghtml

A conturbada relação entre governo e Banco Central tem sido um dos pontos mais conflituosos dos primeiros 100 dias da nova administração. No início de 2021, o presidente do Banco Central adquiriu mandato fixo e em período não coincidente com o mandato do Presidente da República, a fim de reforçar sua liberdade de atuação e reduzir o espaço para interferência política nas decisões da autoridade monetária.

Em tese, isso deveria ser encarado de forma natural, tendo em vista o caráter eminentemente técnico que envolve as decisões de política monetária. No entanto, mais do que atuar no controle de preços, para o novo governo, o Banco Central deveria priorizar a geração de maior crescimento econômico de curto prazo e, para isso, a taxa de juros precisaria ser reduzida.

Adicionalmente, particularidades do momento exacerbaram as tensões entre as partes. Além da polarização política no País nos últimos anos, que fez com que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fosse associado ao governo anterior que o indicou, ainda há um contexto de fortes e persistentes pressões inflacionárias, que levou o Copom a manter a Selic em 13,75% em suas duas primeiras reuniões do ano, em desacordo com a vontade do governo.

Desde o início de 2023 foram diversos os ataques proferidos pelo presidente Lula e outros membros do governo à condução da política monetária. Críticas também foram direcionadas à recente autonomia do Banco Central e às atuais metas de inflação. No entanto, os ataques trouxeram efeitos indesejados ao próprio governo, ao reforçarem a deterioração das expectativas de inflação e impedirem maior apreciação do câmbio, o que, em conjunto com o ambiente conturbado, exigiu uma postura ainda mais firme por parte do Banco Central.

O posicionamento austero também é explicado por outras razões. De um lado, a inflação oficial encerrou 2022 em 5,8%, e a perspectiva é de variação similar em 2023, ou seja, nível ainda muito acima da meta de 3,25% para este ano. Dados correntes de inflação continuam a apontar altas disseminadas, com destaque para núcleos e preços de serviços. De outro, importante para a análise prospectiva, as incertezas sobre a condução da política fiscal pelo novo governo alimentam temores entre os agentes de mercado e o próprio Banco Central, diante da perspectiva de retomada de políticas mais estimulativas, seja do ponto de vista fiscal – o que foi reforçado pela PEC da transição – e também parafiscal, com a defesa da retomada de papel mais ativo dos bancos públicos no crédito, com destaque para o BNDES e alteração de taxas de mercado como a TLP. Nesse caso, o histórico de governos anteriores do PT favorece a visão cautelosa.

Nesse sentido, caberá ao governo demonstrar comprometimento com políticas que (a) não estimulem excessivamente a demanda, como observado no período entre 2008 e 2014 e em período recente desde a pandemia e período eleitoral e (b) apontem para a sustentabilidade da dívida pública no médio prazo. O arcabouço fiscal apresentado contribui moderadamente com a redução desta percepção de risco fiscal, embora haja  necessidade de um maior detalhamento e de aprovação pelo Congresso, de modo que apenas com seu desenho final aprovado poderemos afirmar se o Banco Central terá espaço para reduzir mais rapidamente a taxa de juros.

De qualquer forma, esses serão passos cruciais para melhorar o balanço de riscos para a inflação, ao reduzir a incerteza sobre um aspecto central na trajetória esperada para a variável. Com isso, o Copom terá maior segurança para iniciar o processo de redução da Selic, minimizando os ruídos nesta difícil relação com o governo. Por outro lado, a insistência na tentativa de flexibilizar a política monetária, por meio de pressão explícita contra o Banco Central e sem a melhora de fundamentos, tende a tornar o quadro ainda mais adverso para a queda dos juros, renovando um ciclo vicioso que apenas irá intensificar as tensões observadas nestes primeiros 100 dias de governo.

Silvio Campos Neto é economista sênior e sócio da Tendências Consultoria.

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