Tributos em tempo real: como a Reforma reconfigura pagamentos, crédito digital e todo o ecossistema das fintechs
- Reforma tributária
- 10/09/2025
- Tendências

Por: Mário Nazzari Westrup, Guilherme Venturini Floresti e Priscila Kneipp Barbuy Wilhelm, consultores da Tendências
O ecossistema das fintechs será direcionado para uma nova topografia fiscal com a Reforma Tributária. Saem de cena o labirinto fiscal de ISS municipal fragmentado, PIS e Cofins com regimes díspares e incentivos geográficos explorados ao limite para reduzir cargas, e entram em ação o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), ambos informados pelos princípios do destino, não da cumulatividade ampla. Além disso, há um ponto crítico para o setor – um regime específico para serviços financeiros que mira o ganho econômico real (spread, tarifas) em vez de tributar em cascata cada insumo. O resultado? Linhas de receita que hoje navegam entre regimes fragmentados passam a cruzar um pedágio mais uniforme, com menos zonas cinzentas e maior transparência.
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No setor de pagamentos com cartões, por exemplo, a engrenagem gira em torno da taxa cobrada do lojista por cada transação com cartão – o chamado Merchant Discount Rate (MDR) ou simplesmente taxa de desconto. Hoje, a incidência sobre essa linha de receita é de ISS, PIS e Cofins, além da incidência cumulativa em prestadores de serviço do arranjo de pagamento (isto é, fornecedores de tecnologia, atendimento, antifraude, serviços de nuvem etc.). Com o IBS e a CBS não cumulativos e um regime financeiro que tributa o resultado, a fatia tributável tende a ficar mais clara, embora isso não signifique uma carga menor em todos os casos – é preciso verificar quais pagamentos entre empresas do arranjo de pagamento poderão ser deduzidos da base de cálculo. Somente após tal análise pode-se verificar se a alíquota efetiva do arranjo aumentou, o que levará as bandeiras a decidirem quanto absorver e quanto repassar não só aos credenciadores, mas também, por consequência, ao preço final nos lojistas e portadores de cartão.
Por sua vez, em plataformas de carteira digital e “super apps” que vivem de microtarifas, float de saldos, intercâmbio em cartões pré-pagos, câmbio instantâneo e venda de serviços embutidos (seguros, recarga, transporte), atualmente há um custo tributário atolado na cadeia (como gastos com infraestrutura em nuvem e cybersecurity). Sob o novo modelo, essas empresas passarão a ter direito a créditos de IBS e CBS referentes a tais custos, o que pode abrir espaço para segurar tarifas em segmentos altamente sensíveis a preço, sobretudo se a concorrência for acirrada e o repasse da nova carga encontrar resistência do usuário final.
Já no setor de crédito digital, as mudanças mais emblemáticas estão tanto na base tributável (a receita líquida das operações de crédito, deduzidas as despesas com captação de recursos e as perdas com operações) quanto na possibilidade de tomadores de crédito contribuinte se apropriarem dos créditos de IBS e CBS sobre o spread bancário (o valor da operação descontada a parcela do principal e a aplicação de Selic sobre esta parcela).
Um ponto de atenção é que, com a equiparação de alíquotas com bancos tradicionais proposta pela Reforma, é possível que fintechs pequenas que antes navegavam em nichos menos onerados acabem tendo uma carga maior, sendo forçadas a migrar da disputa da arbitragem tributária para eficiência operacional, risco de crédito, custo de funding e acesso a dados.
A Reforma traz ainda o split payment, recolhimento automático do imposto no ato da transação, o que retira das empresas um colchão de caixa que financiava operações de curtíssimo prazo. Modelos que dependem de ciclos de liquidez intradiários precisarão recalibrar fluxos de repasse a parceiros e lojistas.
Além disso, no arranjo atual, concentrar operação em municípios de ISS baixo fazia diferença. Porém, com o IBS e a CBS creditáveis, além de arrecadação no local do consumo, a geografia fiscal cede espaço à geografia de usuários, tornando o destino muito importante. Fintechs de alcance nacional terão de mapear o domicílio do cliente com precisão, inclusive para produtos puramente digitais, porque a alíquota efetiva combinará parcelas dos entes de destino.
Com isso, em segmentos altamente competitivos, o choque tributário tende a ser repassado de forma espalhada e gradual: nenhuma fintech quer ser a primeira a subir a tarifa, mas todas precisarão preservar caixa em ambiente de split payment. Já em nichos com menos substitutos imediatos o repasse pode vir mais rápido. Onde a Reforma limpar cascatas relevantes (insumos antes tributados em série) há espaço para segurar preços e ganhar participação; onde a carga efetiva aumentar sem contrapartida de crédito, margens encolhem ou tarifas sobem. Os contratos deverão incorporar gatilhos automáticos ligados às novas alíquotas e às regras de creditamento.
Por fim, a Reforma Tributária não cria vencedores automáticos no ecossistema das fintechs, mas altera as variáveis que definem quem vence. Custos tecnológicos antes “enterrados” na cascata virarão créditos visíveis. A arbitragem de município perderá valor; enquanto escala de dados e eficiência de risco ganharão. A gestão de caixa passará a ser mais desafiadora, obrigando empresas a repensarem novas questões quanto a governança fiscal e precificação dos serviços ofertados.
As fintechs que ajustarem seus modelos de cobrança, repasses e spreads com rapidez transformarão o redesenho tributário em vantagem competitiva. Já aquelas que demorarem descobrirão que, no novo regime, cada centavo de tributo chega mais cedo – e cada erro de preço sairá mais caro.
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