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Transformações na mobilidade urbana – O Estado de S. Paulo

Pesquisa indica menor uso de ônibus e caminhadas, e mais viagens por apps e de bicicleta na capital paulista

Por Fábio Tieppo*, Laura Frare** e Bruno Rossini***

A Pesquisa Origem-Destino (OD) do Metrô de São Paulo, considerada a maior e mais completa pesquisa sobre mobilidade urbana da América Latina, constitui um instrumento fundamental para o planejamento urbano, sendo publicada desde 1967. Sua edição mais recente, divulgada em 2025 com dados de 2023, revela transformações significativas no cenário de mobilidade entre 2017 e 2023.

A principal mudança em relação à edição anterior foi a redução no total de viagens, com queda expressiva de 6,3 milhões (ou 15,1%) das viagens diárias, demonstrando uma diminuição no deslocamento da população, muito provavelmente como resultado dos novos hábitos pós-pandemia.

Outra mudança significativa foi a redução de 24,7% nas viagens a pé. Este resultado contrasta com o crescimento relativo do uso de bicicletas, de 25% no mesmo período, passando de 377 mil para 472 mil viagens diárias. Apesar desse aumento, as viagens de bicicleta ainda representam apenas 1,3% do total de deslocamentos na metrópole e a proximidade do destino continua sendo o principal fator que leva as pessoas a optarem tanto pela caminhada quanto pelo uso da bicicleta.

Outro destaque foi a alta expressiva nas viagens por aplicativo, que chegou a 183%. Este serviço tem um perfil de usuário bem definido: predominantemente feminino (68%), com idade entre 23 anos e 49 anos e escolaridade de nível médio ou superior completo. Aqui, o trabalho se mantém como o principal motivo para uso do transporte por aplicativos.

Por outro lado, a opção por transporte público enfrentou quedas significativas. As viagens de ônibus caíram 31,9%, passando de 8,3 milhões para 5,6 milhões de viagens diárias. O metrô, por sua vez, apresentou um decréscimo de 18,4%, enquanto o trem metropolitano apresentou diminuição de 13,3%.

A redução no número de viagens de ônibus é particularmente expressiva, uma vez que supera a queda relativa observada no total de deslocamentos. Esse comportamento sugere um processo de substituição do modal ônibus por outras opções de transporte.

Vale destacar que a maior parte dos usuários de ônibus pertence a famílias com rendimento mensal de até R$ 5.280. E foi justamente nesse grupo que ocorreu a maior queda no uso do transporte coletivo: em 2017, as famílias com renda baixa e média representavam cerca de 73% das viagens diárias de ônibus, proporção que caiu para 65% em 2023 – o que equivale a uma redução de aproximadamente 40% no volume absoluto de viagens.

Já as motocicletas ganharam espaço, com aumento de 16% no total das viagens. O principal motivo para o uso é o trabalho (86% das viagens), confirmando sua importância para serviços de entrega e o deslocamento de trabalhadores. No entanto, a pesquisa ainda não reflete o recente avanço do transporte de moto por aplicativo. Embora ainda enfrente resistência de alguns grupos de interesse, tal modalidade possui enorme potencial de crescimento, e devido ao seu baixo custo, deve concorrer principalmente com as viagens a pé e com o transporte público.

Embora as viagens de carro tenham caído 7,8% em relação a 2017, paradoxalmente, a frota de veículos particulares cresceu 14%, alcançando 5,02 milhões em 2023. O uso do automóvel aumentou principalmente entre os mais ricos: 21% na segunda faixa de renda mais alta e 59,1% na primeira. Essa aparente contradição é explicada por mudanças nos padrões de trabalho, especialmente a adoção do home office nas classes de maior renda, que utilizam menos o carro no dia a dia, mas continuam a mantê-lo.

Os dados da Pesquisa OD indicam uma transformação profunda nos padrões de mobilidade urbana em São Paulo. A diminuição no total de viagens, especialmente aquelas vinculadas a trabalho e educação, reflete mudanças estruturais nos modos de trabalhar e estudar. Embora 87,3% dos trabalhadores tenham permanecido no formato presencial, 12,7% adotaram trabalho híbrido ou home office.

Com relação especificamente às viagens a pé e em transporte coletivo, embora tenham diminuído em função de novos hábitos, também foram substituídas por viagens de moto e por aplicativo. O transporte público coletivo representa uma alternativa essencial por reduzir as emissões de gases poluentes e ocupar menos espaço nas vias, enquanto transporta um número maior de passageiros.

A adoção de modais ativos como a caminhada e o ciclismo também promove benefícios diretos à saúde pública por estimular a atividade física e diminuir problemas relacionados ao sedentarismo.

Assim, mudanças observadas nos últimos anos não apontam para um avanço em termos de sustentabilidade ou eficiência urbana. A queda expressiva no uso do transporte coletivo, acompanhada pela ascensão dos aplicativos e das motocicletas, indica uma migração para modais individuais menos sustentáveis. Além disso, a redução nas viagens a pé e o ainda baixo uso da bicicleta demonstram que a cidade não oferece condições adequadas para promover a mobilidade ativa. Se essas tendências se consolidarem, São Paulo pode ver comprometido seu potencial de evolução para um sistema de transporte mais eficiente e ambientalmente responsável.

*Fábio Tieppo é engenheiro e consultor da Tendências Consultoria

**Laura Frare é bacharel em Filosofia e consultora da Tendências Consultoria

***Bruno Rossini é economista e consultor da Tendências Consultoria

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