Tendências no podcast CEPP Talks – Parte 2
- Na Mídia
- 02/10/2025
- Tendências
No 13° episódio do podcast CEPP Talks – Papo com Especialista, os consultores da Tendências Fábio Tieppo e Mário Westrup falam sobre a Reforma Tributária e seus efeitos no cotidiano e em projetos de estruturação de parcerias público-privadas (PPPs) e concessões
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Westrup continua o papo explicando que, hoje, existem muitos tributos contabilizados no imobilizado das obras de infraestrutura ou de qualquer outra construção. Ou seja, pelo CPC 27, é claro que aquilo que não é recuperável se imobiliza. Então, ISS e PIS/COFINS, que não podem ser recuperados, acabam sendo imobilizados, compondo esse ativo. Esse é um dos pontos mais básicos da contabilização. No pós-reforma, Westrup diz que estamos falando de tributo que gera crédito.
Tieppo segue explicando que a regra irá afetar profundamente o desenho dos projetos — tanto para novos quanto para os contratos que já estão mais do meio para o fim, nos quais já foi feito o grosso do CAPEX.
A princípio, o que Tieppo diz que viu todo mundo falando e usando é a regra: “fez CAPEX, aproveita.” Mas ele ainda tem suas dúvidas se será 100% isso ou se haverá alguma discussão, pois acredita que existe margem para debate.
Contratos e reequilíbrios
Tieppo toca em um tema importante, falando que os créditos podem ser levados para reequilíbrio. E aí, uma dúvida que ocorre é: o que será reequilibrado? Existe essa clareza?
Ele responde dizendo que ainda há dúvida, porque a lei já traz algumas diretrizes atualmente, como, por exemplo, uma seção específica sobre contratos de longo prazo. Ela foi incluída muito por advocacy na fase de edição da lei, para incluir a questão do reequilíbrio cautelar.
Tieppo diz que isso é importantíssimo, porque, se é gerado algum tipo de desequilíbrio que afeta a viabilidade de um contrato, pode gerar um efeito bola de neve, uma vez que o desequilíbrio faz você não ter recursos para cumprir uma obrigação, gerando multa, e assim por diante.
Ele pontua, entretanto, que, apesar de existir o reequilíbrio cautelar, o texto não define exatamente o que nem como reequilibrar, que é é algo importante a ser definido.
Começando sobre o que reequilibrar, Tieppo explica que o texto fala que, para fins de reequilíbrio, devem ser considerados os efeitos da carga tributária, da não cumulatividade, a possibilidade de repasses para terceiros e os impactos decorrentes de alteração dos tributos e benefícios ou incentivos fiscais.
Quando se fala dos efeitos da não cumulatividade, isso se refere à mudança das alíquotas e a sistemática, que passa a gerar mais créditos.
A possibilidade de repasses para terceiros é outro ponto que deve gerar bastante discussão, porque hoje existem algumas concessões com tarifa regulada ou receita já definida, mas também há contratos com mecânica diferente.
Há contratos com tarifa-teto, em que a concessionária pode explorar o que for abaixo desse teto — como em ferrovias e aeroportos —, e outras em que há liberdade para o privado explorar receitas. Há também concessões que exploram publicidade ou outros tipos de serviço. Algumas concessões de lixo, inclusive, exploram ICMS, por exemplo.
Tieppo explica que, quando a lei fala em possibilidade de repasses, eventualmente pode ter uma concessão que sofrerá um impacto pressionando a margem, e teoricamente ela poderia aumentar preços, explorar publicidade, deixar mais caro, mas daí é preciso ver se o outro lado terá elasticidade, porque poderia deixar mais caro e os clientes simplesmente não contratarem.
A mesma dúvida vale para fornecedores — negociar outros elos da cadeia e repassar. Para Tieppo, também não está claro qual é exatamente o escopo dessa possibilidade de repasses. Ele acredita que serão discussões mais complexas, até porque entra a questão da matriz de risco.
Ainda falando sobre o que reequilibrar, Tieppo explica que a lei fala também que é para considerar benefícios ou incentivos fiscais. Pensando em modelagem dos projetos, existem muitos que são viáveis por causa de algum tipo de benefício ou incentivo atual ou têm uma alíquota de ISS menor, por exemplo. Ele diz que, hoje, talvez, as prefeituras, para alguns projetos municipais, consigam, dentro da própria liberdade, a autonomia de alguma forma gerar um benefício para viabilizar projetos. Isso também talvez seja impactado e daí entra pouco na discussão de como reequilibrar para manter a sustentabilidade dos projetos.
Westrup diz que existe também a questão dos efeitos e a necessidade de captar dinheiro para todas as operações. E aí sim, na hora que se pensa em grandes obras de infraestrutura, estão pensando também na concessão e um pouco mais ainda dos impactos e do próprio custo de capital.
Em resumo, Westrup afirma que realmente haverá uma alteração muito grande nessa estrutura, quando se pensa nos aspectos do que vai ser reequilibrado ou não. Toda essa questão de funding, necessidade de capital de giro, quem vai fazer toda a parte de cálculo de quanto está efetivamente o custo de capital…
Westrup vê que será necessário ter linhas específicas só para adequação da Reforma Tributária e que os bancos terão que se preparar muito para oferecer recursos para essa adequação.
Tieppo traz outra preocupação nessa linha: mais do que pensar nos impactos, é preciso pensar na parte prática de como reequilibrar. E isso vale não só para contratos existentes, mas também para o desenho de novos projetos.
De acordo com Tieppo, se olharmos para as concessões desde a década de 1990, já existe uma estrutura de ferramentas e modelos financeiros bastante consolidada. Claro que isso evoluiu muito — as planilhas de hoje são bem mais sofisticadas que as de 30 anos atrás. Mas a lógica básica continua: parte-se da receita bruta, aplica-se ISS, PIS e COFINS, chega-se à receita líquida, calcula-se Imposto de Renda e capital de giro, e assim por diante.
Agora, com a Reforma Tributária, teremos que incluir novos elementos estruturais nessas ferramentas, o IBS e CBS, será necessário aprimorar a mecânica de aproveitamento desses tributos e também considerar o período de transição, então precisará ser escalonado ao longo dos anos.
Isso, de acordo com Tieppo, representa um desafio tanto para novos projetos quanto para o reequilíbrio de contratos antigos. Hoje, quando há reequilíbrio, ele se baseia no plano de negócios vinculante — uma ferramenta conhecida. Mas com a Reforma Tributária , qual ferramenta será usada? Vamos adaptar as antigas? Traduzir os dados para novos modelos? É preciso tomar cuidado para que a simples mudança da ferramenta não gere um novo desequilíbrio.
Tieppo ainda pontua sobre ser importante lembrar que, quando projetos chegarem à fase de audiência pública, os investidores certamente já estarão atentos à Reforma Tributária e irão questionar o que foi considerado nas modelagens. Quanto maior a incerteza, maior o risco — e maior o custo que os investidores vão embutir nas propostas.
Mesmo sem todas as respostas, é importante começar a testar esses cenários e construir algum grau de previsibilidade. Ainda é um tema novo para todo mundo, mas, com o tempo, as práticas irão se aprimorar.
Tieppo explica que há discussões federais, estaduais e municipais — para cada município. Mesmo a nível federal, a gente vê discussões: agências reguladoras têm visões diferentes; umas são mais restritivas, outras mais abertas à negociação. Cada agência reguladora, em sua esfera federal, já tem uma visão um pouco diferente sobre como atacar os casos de reequilíbrio. Mesmo que uma agência reguladora emita uma norma geral, cada concessão terá características e particularidades diferentes.
Quando falamos de equilíbrio contratual, Tieppo diz que costumamos ter a visão de que é o privado sendo penalizado e pedindo reequilíbrio, mas pode acontecer que algum projeto seja muito beneficiado. Então, eventualmente, o poder público também poderá pedir reequilíbrio. Você terá discussões vindas dos dois lados e serão debates bem intensos.
Westrup pontua que é importante registrar bem os efeitos — documentar o que acontecer — porque, lá na frente, quando for reequilibrar, será importante demonstrar isso. Ele acredita que muito vai se perder no meio da transição.
Ele adiciona um ponto na análise: quando falamos de concessões federais, o problema se torna mínimo pelo porte do ente federal, mas há outra preocupação. Na Reforma Tributária, existem municípios perdedores e municípios ganhadores em termos de arrecadação. Uma pergunta é: o quanto isso pode impactar a capacidade de pagamento de determinados municípios em concessões menores? Independentemente do tamanho do município, há serviços e concessões. Em concessões federais talvez não seja um problema, mas em concessões menores, como avaliamos a capacidade de pagamento dos municípios nos próximos 20–30 anos?
A transição para as empresas é mais curta — são 8 anos — mas a questão do destino afeta bastante a arrecadação dos municípios durante a transição. Mesmo que a amortização seja longa (50 anos, por exemplo), daqui a 20–30 anos já se verá parte do efeito. Então esse é um ponto que chama atenção de quem está do lado privado: vale a pena essa concessão do ponto de vista de projetar o futuro do município e entender a atratividade?
Desequilíbrios
Sabemos que a Reforma Tributária tende à neutralidade global para quem arrecada, mas haverá desequilíbrios entre entes federativos. Ao ser perguntado como está esse panorama e o que já sabemos e o que ainda não sabemos, Westrup diz que existem alguns fundos compensatórios.
Para as empresas, a transição é mais rápida; as que recebiam benefícios fiscais, principalmente de ICMS, terão acesso ao FCBF — o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais. Esse fundo tem, agora, R$ 32 bilhões da União.
Por baixo, em 2024, os Estados concederam mais de R$ 100 bilhões em créditos onerosos ou presumidos. Por que só R$ 32 bilhões para o fundo? Porque aqui se fala em compensar apenas os benefícios onerosos, ou seja, aqueles com contraprestação. O benefício que o Estado concede como crédito presumido ou redução de base de alíquota, para incentivo setorial geral sem contraprestação, não entra nesse fundo, embora exista uma compensação prevista para empresas.
Vimos que os Estados tinham, no mínimo, poder de fogo para créditos presumidos de R$ 100 bilhões. Como compensar isso para os Estados? Westrup explica que há o FNDR — Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional — que será composto por valores que chegam até R$ 60 bilhões em 2043 (valores nominais, com correções). Mas o cobertor é curto: começando o FNDR com R$ 112 bilhões e chegando a R$ 60 bilhões em 2043, ainda é muito abaixo das renúncias fiscais existentes. A distribuição será feita em parte pelo Fundo de Participação dos Estados e Municípios e em parte pela população.
De acordo com Westrup, o grande problema para Estados e, principalmente, municípios é a alteração do destino da arrecadação.
Conclusão
A grande pergunta que fica é: como os entes públicos e concessionárias devem se preparar para o que está por vir e quais as recomendações para esses agentes.
Como a Tendências é uma consultoria econômica, Tieppo diz que sua resposta terá um viés mais econômico.
Pelo ponto de vista econômico, o que vale a pena fazer no curto prazo é tentar entender como a mudança do sistema e das alíquotas afetará a empresa ou a concessão em cada caso concreto, para ver justamente se o sinal será positivo, negativo ou neutro. E então, com base nisso, começar a se preparar para os diferentes cenários.
Se as contas mostrarem que a tendência da Reforma Tributária é benéfica, a situação fica mais tranquila; se prejudica, aí é preciso se preocupar mais. Nessa linha, se for uma concessão ou empresa que depende muito de um insumo específico, vale estudar também como funciona a lógica para os fornecedores: será que no curto/médio prazo haverá elevação de preço? Ou, no limite, o insumo pode ficar mais barato e dar margem para renegociação com fornecedores? Pensando no curto prazo, dá para se preparar dessa forma, de acordo com Tieppo.
Ele ainda diz que, para o poder público, é importante já, nos novos projetos, desenhar as ferramentas e planilhas considerando o IBS e o CBS dentro do modelo, e fazer análise de sensibilidade para estressar o projeto e verificar sua viabilidade e risco. Mesmo sem uma definição completa de todos os cenários, já é possível incorporar essas coisas.
Ainda assim, quando entrarmos nas questões de reequilíbrio, teremos discussões super complexas sobre o que será reequilibrado ou não, o que é ordinário e o que é extraordinário, como equilibrar em termos de planilha, que ferramenta usar etc.
Para Tieppo, já dá para, com certo nível de segurança, analisar para cada empresa se a reforma traz sinal positivo, negativo ou neutro, e a partir disso gerar alertas e preparar medidas.
Westrup complementa dizendo que a grande trilha de dica são duas palavras: preparo e diálogo. Diálogo porque é preciso conversar e encontrar as esferas e pontos de interesse com o setor público e promover esse diálogo. Essa aproximação precisa ser maior do que a que existe hoje, inclusive envolvendo outras áreas da economia além do setor de concessões.
Do ponto de vista das empresas, além do preparo, é preciso, de acordo com Westrup, olhar para a cadeia. Se seu fornecedor não paga um tributo ou não tem crédito, você pode perder o seu próprio crédito. Então o compliance será ainda mais importante.
É preciso fazer o dever de casa internamente e externamente, olhando para pares e stakeholders e levando todo mundo junto; senão, Westrup diz que irá travar. Se não fizer a parte operacional, não olhar a cadeia e garantir que todos caminham na mesma direção, você terá falhas operacionais, perderá créditos e enfrentará problemas de caixa. Isso ocorre antes do reequilíbrio, então é importante passar por essa fase de transição e preparação antes das discussões maiores.
Confira a Parte 2 do podcast na íntegra no vídeo abaixo!