Silvio Campos Neto na Conversa com Zé Márcio: “EUA e China: disputa por hegemonia deve só crescer” – Genial Investimentos
- Na Mídia
- 06/03/2025
- Tendências

Em conversa com Zé Márcio, da Genial Investimentos, Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, discute as relações entre os EUA e a China, destacando que a disputa por hegemonia global tende a se intensificar nos próximos anos.
Governo Trump
Há um novo governo nos Estados Unidos, bastante diferente do anterior, tanto do ponto de vista geopolítico quanto do ponto de vista econômico e comercial.
Ao ser questionado sobre os impactos desse governo sobre a economia e política americana, internacional e brasileira, Campos Neto diz que esse é o grande tema sobre o qual será preciso se debruçar daqui para frente, porque isso vai ter implicações e desdobramentos muito claros nos próximos anos.
Campos Neto acredita que os mercados, investidores e analistas – a economia global como um todo – estão muito reféns agora dessas visões e decisões de Donald Trump, que é uma pessoa imprevisível.
Sabemos das visões de mundo dele, dessa cabeça um tanto quanto mercantilista, de entender que o país será mais forte se exportar mais e importar menos. Essa é uma visão de alguns séculos atrás, que foi totalmente derrubada ao longo das últimas décadas de globalização. Mas ele vem de novo com essa agenda.
A dúvida que fica, de acordo com Campos Neto, é até que ponto ele vai avançar com essas medidas, sabendo que isso também traz consequências negativas para os consumidores e para as empresas dos Estados Unidos.
Imagina-se que haja um certo limite, um certo pragmatismo, que possa impor barreiras a essa agenda tarifária, justamente por causa dessas implicações internas. Mas nunca podemos afirmar com certeza que esse limite vai aparecer.
No fundo, como Campos Neto disse, ele é uma pessoa imprevisível, com uma cabeça um tanto quanto diferente, que rompe com algumas tradições históricas. Há uma série de instituições e aspectos multilaterais que estão sendo abandonados, em uma visão bem imperialista. De certa forma, o mundo, num primeiro momento, fica assustado, assombrado com essas sinalizações que vão além da economia.
Tem todo esse assédio territorial em cima do Canadá, da Groenlândia, do Canal do Panamá, da Faixa de Gaza, a relação com a Europa Ocidental – que tende a ser, a princípio, muito conturbada e já temos alguns sinais disso nas relações com a Rússia… É uma miscelânea de questões novas, que certamente vão trazer desdobramentos por muitos anos.
Campos Neto diz que vai depender muito dessa agressividade com que ele levará adiante essas agendas. Ou, no lado mais otimista, talvez haja algum freio funcionando, inclusive vindo de forma interna, com o próprio impacto que essas medidas terão na economia. E aí empresários, entidades e os próprios freios e contrapesos podem atuar para barrar algumas iniciativas.
Campos Neto, tentando ser pragmático e “resumindo um pouco da ópera”, diz que o cenário aponta para a manutenção de juros altos nos Estados Unidos por um longo período, mesmo com alguma queda residual na margem e um dólar forte, impulsionado também pelo canal de aversão ao risco. E tudo isso com implicações para os emergentes, especialmente para o Brasil. Será um ano difícil para o país.
Com as tarifas e ações de Trump, Campos Neto acredita que esse seria um processo de reversão de todo o ciclo de globalização que observamos ao longo desse longo período pós-Segunda Guerra, onde o mundo foi buscando meios de aumentar eficiência, de reduzir custos, de diversificar a produção em termos geográficos, buscando países que tinham maiores vantagens comparativas.
Campos Neto diz que o mundo se tornou uma grande montadora de produtos, com cada país dando a sua contribuição onde ele realmente tem a maior produtividade. O que vemos nesse tipo de posicionamento de Trump é uma rejeição a esse modelo. E quando ele coloca que, impondo tarifas, as empresas vão voltar a produzir nos Estados Unidos, isso não é verdade. Sabemos que isso não vai acontecer. No fundo, não existem condições de substituir determinadas vantagens que existem em alguns países, nos asiáticos em particular.
Claro que tem toda uma retórica envolvida, um público que ele pretende atingir, tem ambições do ponto de vista geopolítico. Isso gera também muito ruído. Mas, pensando em termos econômicos, Campos Neto diz que essa tentativa de reversão da globalização traz muito mais problemas do que soluções.
Pela própria reação da lógica econômica, Campos Neto avalia que terá um canal de contenção dessas medidas. As empresas que vão ser prejudicadas – empresas americanas importantes, que têm peso político – vão também se mobilizar para tentar, de certa forma, conter esse processo.
Campos Neto diz que é um período de quatro anos pela frente que a gente vai ter que lidar com isso. E, certamente, o mundo está passando por uma fase bem conturbada. E que pode ser muito além de quatro anos, porque não sabemos o que vai vir depois do governo Trump. Pode não ser ele, mas pode ser alguém com as mesmas ideias. Isso pode ser uma mudança muito mais estrutural do que muita gente está esperando no curto prazo.
Relação dos Estados Unidos com a China
Quando se trata das relações dos Estados Unidos com outros países, Campos Neto diz que esse é um xadrez complicado. O ponto central dessa história toda é a China. Ele acredita que essa tentativa de aproximação entre Estados Unidos e Rússia possa ter a ver com a estratégia norte-americana de frear as ambições chinesas em relação a alguns países, como a própria Rússia.
O que vemos é um mundo que converge para uma disputa direta entre Estados Unidos e China nas próximas décadas, cada um com suas deficiências e fortalezas. A China tem uma questão econômica estrutural importante a ser resolvida. Ela cresceu muito ao longo das últimas duas ou três décadas, baseada em investimentos internos massivos, com um país que tem uma poupança gigantesca e investe de 40% a 50% do PIB ao ano.
Sabemos que esse modelo não se sustenta. Um país precisa de demanda final e a demanda interna chinesa cresce em um ritmo mais fraco. Além disso, Campos Neto diz que há um problema demográfico estrutural que, no curto prazo, não é tão dramático, mas, com o passar do tempo, tende a piorar significativamente.
Ele explica que a China precisa buscar alternativas – e o mundo é uma delas, desovando sua produção para outros países. Agora, os Estados Unidos estão entrando de forma mais firme para conter o avanço chinês. Esse é um tema difícil de ter uma resposta definitiva neste momento.
Campos Neto acredita que essa disputa por hegemonia se tornará cada vez mais presente, podendo até respingar no Brasil por meio da questão dos BRICS. Esse bloco está se encaminhando para um antagonismo não só em relação ao mundo ocidental, mas especialmente aos Estados Unidos. Dependendo do caminho que o Brasil seguir, pode haver um custo a ser pago.
A questão entre Estados Unidos e China, de acordo com Campos Neto, será central nos próximos anos para entendermos como cada um jogará nesse tabuleiro. Por enquanto, os Estados Unidos parecem tentar impor um freio à China, que está em uma situação delicada. O modelo econômico chinês passa por uma transição e uma desaceleração estrutural já contratada.
A princípio, no curto prazo, eles devem conseguir suavizar esse impacto. Campos Neto não é pessimista com o desempenho da China em um período aí dos próximos cinco anos, mas claro que, numa situação de pressão mais extrema com as tarifas comerciais, a China também vai ter um pouco mais de dificuldades, mesmo já no curto prazo.
Podemos dizer que o mercado da China é o mundo e metade do mundo são os Estados Unidos. Com essa tarifa de 20% sobre as importações chinesas para os Estados Unidos, certamente vamos ter um desvio de comércio enorme, com uma grande parte das exportações que iam para os Estados Unidos tendo que ir para outro lugar. E esse outro lugar seria a Europa e o Brasil.
Ao ser questionado sobre quais serão os efeitos sobre a economia brasileira, Camos Neto diz que esse é um jogo delicado, de difícil arranjo e que pode ser um equilíbrio pior para todo mundo, inclusive para os Estados Unidos.
Campos Neto imagina que grandes empresas podem não estar satisfeitas com essas tarifas, porque, no fundo, se o mercado norte-americano é importantíssimo para a China, ele também é fundamental para os Estados Unidos – para os consumidores e para as empresas –, o acesso ao comércio norte-americano e a produtos chineses também é importante.
Não é um equilíbrio muito óbvio, para Campos Neto, achar que simplesmente os Estados Unidos vão colocar os 20% e só a China vai se prejudicar. Também há uma implicação importante interna nos Estados Unidos. Por isso, eventualmente, podem surgir alguns limites para essas tarifas. Mas, enquanto isso não acontece, fica um equilíbrio mais difícil para todo mundo, inclusive com essa busca desesperada da China para acessar outros mercados.
Isso, na verdade, já tem acontecido, não chega a ser uma novidade. Já podemos observar, até por conta da própria desaceleração da demanda chinesa. Se olharmos por segmentos, sabemos do problema sério que eles têm hoje no setor imobiliário, que foi um dos principais condicionantes de crescimento das últimas décadas.
A construção civil e toda a infraestrutura de transportes e imobiliária foram impulsionadas por essa demanda. Mas, claro, isso já chegou no limite. Já há uma estrutura construída e um excesso de capacidade, principalmente no segmento imobiliário.
A China já vem tentando deslocar produtos ligados a esses segmentos para outros países ao longo dos últimos anos, como máquinas e equipamentos ligados à construção. Um efeito que a gente já tem observado é na parte de metais, como o próprio minério de ferro, que acaba sendo um ativo de maior risco nesse contexto.
E, claro, com toda essa questão tarifária, Campos Neto diz que isso vai se espalhar para outros segmentos, para produtos e insumos diversos. A Europa já vem sofrendo esses impactos. A indústria da Alemanha está andando para trás há três anos, e isso tem muito a ver com a alta competitividade da China, que a Alemanha não consegue enfrentar. Um exemplo típico são os veículos elétricos, que têm gerado reações dentro da própria Europa. Isso já está acontecendo e vai acontecer mais aqui no Brasil.
Então, Campos Neto acredita que é um equilíbrio difícil de enxergar com um desfecho positivo para todo mundo. Muito pelo contrário. É um desfecho complicado e vamos passar por alguns anos em que a situação tende a piorar para todos, até que se consiga reequilibrar essa dinâmica em bases um pouco mais sustentáveis.
Num primeiro momento, Campos Neto vê com muita preocupação as implicações disso para a China e, consequentemente, para o comércio internacional.
Economia do Brasil
Tivemos uma tempestade bastante complicada no final do ano passado. Depois, tivemos uma bonança no começo deste ano, com uma melhora na situação econômica. No entanto, agora estamos vendo uma queda de popularidade surpreendente do governo e do presidente Lula. Essa queda de popularidade deixa uma incerteza sobre como o governo vai reagir.
Ao ser questionado sobre como a Tendências está avaliando esse processo e se acredita que o governo vai dobrar a aposta na questão fiscal, tentando aumentar programas sociais para recuperar a popularidade ou se, pelo contrário, o governo vai tentar reduzir o déficit fiscal para conseguir baixar a taxa de juros sem gerar pressões inflacionárias adicionais, Campos Neto diz que a segunda opção é pouco provável.
Ele acredita que o governo tentar, nessas alturas do campeonato e com baixa popularidade, a pouco mais de um ano e meio antes das eleições, fazer agora o que deveria ter feito lá atrás, em 2023, não parece viável.
Se tivesse feito isso antes, certamente estaríamos em uma outra situação. Mas, agora, imaginar que vai haver um grande choque ortodoxo em termos fiscais e de sinalizações de política econômica é improvável.
Ao mesmo tempo, Campos Neto diz que também não parece óbvio que o governo vá partir para o outro extremo, dobrando a aposta sem se preocupar com as implicações disso. Ou seja, um grande avanço de medidas fiscais e parafiscais que rapidamente seriam penalizadas pelos mercados. Sabemos que qualquer decisão equivocada nesse sentido afeta o dólar, os juros de mercado e, consequentemente, a economia.
Além disso, não haveria tempo hábil até as eleições para colher os frutos dessas medidas, pelo contrário, os resultados poderiam ser negativos. Campos Neto acredita que a equipe econômica tem consciência disso e que o próprio presidente também.
Provavelmente, o governo buscará uma saída intermediária, adotando medidas pontuais, como já vimos nos últimos dias. São ações que criam discurso, ou seja, que podem ser vendidas à população para tentar recuperar capital político. Mas, ao mesmo tempo, não são medidas bombásticas que irão mudar drasticamente a situação do governo.
Campos Neto diz que que podemos esperar até o ano que vem é um cenário difícil para o governo. Claro que um país ainda polarizado até perto da eleição pode até conseguir alguma recuperação, mesmo que parcial, desse capital político, mas num ambiente muito desafiador.
É preciso lembrar que a desaceleração econômica mal começou. O que se espera até o ano que vem é que a economia mostre um ritmo de crescimento menor do que o observado nos últimos anos. O mercado de trabalho, como a gente sabe, é uma variável defasada, reage por último e vai reagir ao longo do ano que vem, com uma piora em relação ao que vimos também nos últimos tempos.
O desemprego deve apresentar alguma alta já no segundo semestre deste ano, mesmo que pequena, e no ano que vem deve rodar em níveis pouco acima de 7%, que ainda são patamares reduzidos.
A inflação, que é talvez a grande questão dessa história, pode explicar uma parte relevante dessa perda de popularidade. A inflação de alimentos, por exemplo, não deve ter grande alívio neste ano. A Tendências projeta um IPCA de 5,5% para 2025 e, para o ano que vem, um IPCA de 4,5%, que também não dá um alívio importante do ponto de vista do governo.
Ou seja, é um cenário difícil até o ano que vem. Sabemos que dentro do governo existem diferentes diagnósticos. Se depender de alguns, certamente “se mandariam às favas” qualquer tipo de controle macroeconômico e partiriam para uma saída de populismo mais exacerbado.
Mas ainda existe, não só na equipe econômica, mas até mesmo no próprio presidente, a noção de que não dá para ir por um caminho muito extremo, pois as decisões se voltariam contra o próprio governo. Campos Neto acredita que ele vá por um caminho do meio, sem grandes ajustes fiscais daqui até lá. O que tinha que ser feito já foi anunciado no final do ano passado, mas a estratégia segue uma agenda mais populista, indo muito pelas beiradas e sem tomar decisões que se voltariam de forma imediata contra o próprio governo.
Ao ser questionado se o Banco Central vai tentar atingir a meta com todo esse cenário e se isso exigiria uma taxa de juros próxima a 18% ao ano, Campos Neto acredita que não vai acontecer.
Quando Campos Neto fala do “caminho do meio”, não quer dizer que é um caminho bom. Na verdade, todos têm seus problemas e esse também terá. No fundo, o resultado disso é que a economia desacelera menos do que deveria, porque você continua dando muitos estímulos à demanda. A inflação, consequentemente, cai menos do que deveria, e o Banco Central não consegue reduzir muito os juros.
Até 2026, Campos Neto diz que o cenário é ruim. O governo vai empurrando essa situação até o ano que vem, tentando manter minimamente uma percepção de que as coisas estão relativamente em ordem para pelo menos manter o mercado de trabalho com desemprego baixo e chegar à eleição com chances de vitória. Depois, vê o que faz.
A gente já sabe que em 2027, seja quem for o vencedor, será necessário partir para uma agenda muito mais agressiva de ajuste, principalmente na reversão de medidas adotadas nos últimos anos. Mas, até lá, não há nada nesse sentido.
O governo tenta manter a economia minimamente andando, sem deixar a inflação sair do controle. Nesse contexto, o Banco Central deve subir os juros mais um pouco. A Tendências estima que eles cheguem até 15,25%, mas isso não será suficiente para trazer a inflação para a meta tão cedo. Isso está muito claro nas projeções. Até 2026, é um cenário ruim, mas sem a economia afundando completamente. E, a partir de 2027, quem estiver no governo terá que tomar medidas muito mais drásticas.
Entretanto, Campos Neto pontua que 2026 é um ponto de grande incerteza. A Tendências projetou uma inflação de 4,5% para 2026, baseada na expectativa de desaceleração da atividade econômica. É estimado um crescimento de 1% a 1,5% no ano que vem, o que ajudaria a conter a pressão inflacionária, principalmente nos serviços. Mas, Campos Netos diz que, se tiver que apontar um risco, ele está claramente para cima.
A estimativa da Tendências de juros em 15,25% neste ano não trará a inflação para a meta e nem reduzirá as expectativas, mas terá um efeito na atividade que, em nossa avaliação, ajudaria a frear um pouco a inflação.
É um cenário bastante desafiador e depende muito das respostas do governo. Quanto mais estímulos à demanda forem mantidos, mais difícil será para a inflação cair. Então, ponderando tudo isso, a Tendências ainda vê 2026 como um ano de variação. Por enquanto, esse é o cenário, mas os riscos são claros e apontam para uma inflação mais alta.
Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!