Saiba tudo o que rolou na nossa live sobre como o resultado da eleição nos EUA afeta o Brasil
- Macroeconomia e política
- 12/11/2024
- Tendências
O resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos e as consequências para as políticas monetária, fiscal e comercial norte-americanas, em um contexto geopolítico desafiador, podem representar riscos para países emergentes como o Brasil.
A fim de avaliar e discutir esse evento tão relevante para o cenário global, a Tendências Consultoria realizou uma live exclusiva na manhã do dia 12 de novembro de 2024.
A apresentação foi conduzida por Alessandra Ribeiro, sócia e diretora da área de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências, e contou com a participação de Silvio Campos Neto, sócio responsável pela análise da economia internacional na Tendências, e Rafael Cortez, sócio responsável pela análise de risco político na Tendências.
Confira neste artigo um resumo do debate!
Resultado da eleição
A despeito de uma trajetória bastante turbulenta desde seu último mandato, envolvendo condenações criminais, atentado e até mesmo um processo de impeachment aberto, Trump foi eleito novamente como presidente dos Estados Unidos.
Os resultados eleitorais sugerem um mandato forte, com os demais poderes também sendo de maioria republicana. Inclusive, os atuais membros da Suprema Corte foram, em sua maioria, indicados em algum momento pelo governo Trump.
Um dos principais motivos para sua vitória foi a dupla rejeição sofrida pelo partido democrata: o governo de Joe Biden e a candidatura de Kamala Harris. Quando Biden retirou sua candidatura, mas indicou e apoiou Harris, o governo atual não deixou de estar no centro da campanha. Dada a significativa rejeição, ficou difícil para Harris reverter a situação.
Efeitos do governo Trump nos países emergentes
Há dois fatores principais que devem definir a força do mandato de Trump e como ele impactará o mundo, em especial os países emergentes: política doméstica e política externa.
Se o republicano se mostrar forte em ambas, podemos esperar mudanças significativas e um aumento na instabilidade global, já que o que conhecemos como status quo será desafiado. Isso deverá trazer alterações profundas na política externa, nas regulamentações e na gestão econômica. Trata-se do cenário mais provável para os primeiros anos, e os países emergentes terão de lidar diretamente com as consequências desse novo mandato.
Já no caso de Trump ser forte na política econômica mas fraco no cenário internacional, o mundo tenderá a manter o status quo geopolítico, enquanto mudanças significativas serão esperadas na economia dos Estados Unidos. O foco estará, então, na gestão macroeconômica, com menor interferência no cenário global.
Por outro lado, se Trump for fraco nas duas áreas, a continuidade prevalecerá, com poucas alterações no status quo. No entanto, esse cenário é pouco provável, considerando os sinais que apontam para um novo mandato fortalecido.
Se Trump for fraco na política doméstica, mas forte na política externa, são esperadas mudanças na ordem internacional. Isso incluirá questões como relações comerciais com a China, posicionamentos sobre o Oriente Médio e o conflito entre Ucrânia e Rússia. Tais alterações contribuiriam para as incertezas globais, refletindo a agenda agressiva do presidente nesse campo.
No âmbito doméstico, Trump deverá adotar um longo e ambicioso processo de desregulamentação econômica, com foco especial no setor de energia. A agenda de energia verde, que poderia beneficiar países como o Brasil, deve ser deixada de lado. Espera-se que o governo priorize o aumento da oferta energética, uma estratégia que busca reduzir pressões inflacionárias. Tal medida reflete as preocupações da equipe econômica em equilibrar os efeitos de tarifas elevadas, que costumam gerar inflação com o aumento da oferta em outras áreas para aliviar o impacto.
Além disso, o início do mandato deve trazer incentivos tributários significativos para os mais ricos, retomando a lógica da Supply Side Economics. A ideia é que a redução da carga tributária estimule a oferta, ajudando também no controle da inflação. Essa abordagem deve ser uma das marcas mais fortes do governo Trump no início do novo mandato, refletindo sua visão de política econômica para o mundo.
Sabemos que o Fed vem reduzindo as taxas de juros, o que tem gerado um impacto positivo nos ativos nos últimos meses. No entanto, à luz das expectativas em torno das políticas do novo governo, há um clima de apreensão quanto à continuidade dessa tendência.
Tal incerteza também traz implicações globais, já que as taxas de juros norte-americanas e o comportamento do dólar influenciam ativos ao redor do mundo. No Brasil, por exemplo, essas pressões se combinam com desafios domésticos, o que faz com que seus efeitos sejam potencializados.
Política fiscal
Diversos estudos, especialmente de instituições especializadas nos Estados Unidos, analisam as implicações fiscais das políticas de Trump. Ressalta-se que, tanto no cenário Harris quanto no cenário Trump, era prevista uma piora fiscal para os próximos anos. No entanto, as propostas do republicano tendem a agravar ainda mais essa situação.
Segundo projeções, o governo Trump pode gerar um aumento de déficit da ordem de US$ 7,5 trilhões ao longo de 10 anos, o que elevaria a relação dívida/PIB dos atuais 100% para 125% em um cenário básico. Com a implementação de políticas como a ampliação dos cortes de impostos realizados no passado, essa relação pode alcançar 142% do PIB no mesmo horizonte.
A escalada da dívida deve aumentar anualmente a necessidade de rolagem dos financiamentos do Tesouro, pressionando as taxas de juros de mercado. Portanto, o impacto das políticas fiscais de Trump será significativo, com efeitos diretos sobre o custo do capital e o ambiente econômico global.
Comércio exterior
Durante o primeiro mandato de Trump, houve uma escalada nas tarifas comerciais, especialmente para a China. Entre 2018 e 2020, as tarifas médias sobre produtos chineses subiram de menos de 5% para mais de 20%, desencadeando uma guerra comercial que também levou Pequim a elevar as tarifas sobre produtos norte-americanos.
Na campanha recente, Trump sugeriu um aumento universal das tarifas para todos os países, com alíquotas entre 10% e 20%, ante os atuais 3%. Para a China, ele mencionou uma possível elevação para até 60%. Mesmo que suas propostas não sejam implementadas em sua totalidade, qualquer movimento nessa direção terá efeitos profundos no comércio internacional.
Esse cenário reforça uma tendência protecionista global que já vinha se consolidando, mas agora alcança uma nova escala. Isso não apenas impactaria os fluxos comerciais, mas também a estrutura das cadeias de suprimento globais, com potencial para gerar novas ondas de incerteza econômica.
Impactos no Brasil
Os impactos das políticas comerciais dos Estados Unidos, especialmente sob uma postura mais protecionista, geram desafios para o Brasil. Apesar de o país não ser um alvo direto devido ao déficit comercial recorrente que possui com os norte-americanos, ele pode sofrer efeitos indiretos de um aumento universal nas tarifas, como ocorreu no passado, o que afetaria setores como aço e alumínio.
As exportações brasileiras para os Estados Unidos são predominantemente compostas por itens industrializados, como aço semiacabado, petróleo, aeronaves e equipamentos de engenharia civil. O setor agropecuário tem uma participação menor devido à competição direta com os norte-americanos, sendo o café o principal produto, com cerca de 3% do total exportado em 2023.
Caso as tarifas universais sejam implementadas de forma mais ampla, itens específicos brasileiros – como aeronaves, por exemplo – sofrerão impactos diretos, devido à competição com empresas dos Estados Unidos. No passado, medidas como cotas para a compra de aço e uma taxação de 10% no alumínio chegaram a afetar o Brasil, resultando em uma redução nas exportações siderúrgicas para o território norte-americano desde 2017.
Por outro lado, o setor agro pode ter algum benefício indireto, como observado em 2018, quando a guerra comercial gerou prêmios maiores para a soja brasileira exportada à China. Contudo, considerando a atual dominância do Brasil no mercado chinês de soja, com mais de 70% de participação, o potencial de ganhos adicionais seria menor, mesmo com uma safra positiva esperada para 2025.
Além disso, a China tem adotado uma postura mais agressiva na busca por novos mercados para seus produtos industriais, o que pode representar desafios para a indústria brasileira em um cenário de maior concorrência.
Internamente nos Estados Unidos, a adoção dessas políticas protecionistas, quando combinada a uma piora no campo fiscal, pode resultar em uma maior necessidade de financiamentos e pressões sobre as taxas de juros, o que afetaria os mercados globais e o comportamento do dólar. Tal contexto reforça os potenciais impactos indiretos para o Brasil, ainda que o país não esteja diretamente no centro das políticas tarifárias norte-americanas.
Ressalta-se que as taxas de juros de longo prazo nos Estados Unidos já estavam em patamares elevados devido aos choques inflacionários dos últimos dois a três anos. As estimativas para os próximos 10 anos chegaram a picos próximos a 5% com a margem de queda observada recentemente.
No entanto, com a proximidade do fator eleitoral e o cenário de Trump, as taxas encontram-se novamente pressionadas, acima dos níveis observados antes da pandemia, quando os juros eram mais baixos. A leitura atual é que o cenário econômico leva a juros neutros mais elevados nos Estados Unidos, o que impõe uma barra mais alta para as taxas de juros globalmente, afetando principalmente os países emergentes.
A moeda norte-americana encontra-se em um período de fortalecimento histórico. A era do dólar fraco, que começou com os programas de afrouxamento quantitativo do Fed após a crise de 2008, deu lugar a um período de valorização, especialmente após a mudança de política monetária nos anos Trump e, mais recentemente, o choque inflacionário impulsionado pela pandemia. Isso resultou em um dólar ainda mais forte globalmente.
O fator Trump contribui particularmente para que a moeda continue forte, apesar da expectativa de uma redução nas taxas de juros.
Com relação ao câmbio, o comportamento do real frente ao dólar segue a tendência global, com moedas de países emergentes sendo mais impactadas por um dólar fortalecido. Embora medidas fiscais internas possam reduzir a pressão sobre o câmbio, a força da moeda norte-americana e a manutenção das incertezas externas limitam a margem para uma desvalorização significativa do real nos próximos meses.
Em resumo, o cenário nos Estados Unidos, com juros mais elevados e um dólar fortalecido, tem impactos diretos para o Brasil, que enfrenta alta nos juros internos e a possibilidade de um câmbio mais depreciado. As questões fiscais nacionais e a desaceleração do comércio global também são fatores importantes que influenciam esse cenário, com a possível entrada de produtos chineses e o impacto das tensões comerciais entre China e Estados Unidos sobre os setores industrial e agropecuário brasileiros.
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