Saiba o que rolou no segundo painel do evento “Perspectivas 2025 e a agenda da Reforma Tributária” da Tendências
- Reforma tributária
- 12/12/2024
- Tendências
O evento aconteceu no dia 04 de dezembro de 2024, em São Paulo. Na ocasião, houve um painel dedicado à agenda da Reforma Tributária, que vai impactar empresas de diversos segmentos nos próximos anos. Ernesto Guedes, sócio fundador e diretor de Estudos sob Demanda da Tendências, e Mário Westrup, consultor da Tendências, analisaram os desafios à implementação das mudanças no regime tributário brasileiro e aspectos críticos para que as companhias se preparem para se adequar à nova regulamentação.
Como vai funcionar a Reforma Tributária?
Segundo Ernesto Guedes, uma fala do secretário da Defesa dos Estados Unidos na época da Guerra do Iraque resume bem a Reforma Tributária: “existem coisas que sabemos que sabemos, coisas que sabemos que não sabemos e coisas que não sabemos que não sabemos”. Essa percepção, para ele, é muito importante.
Ernesto vê a Reforma Tributária não como uma simples reforma, mas sim como uma revolução, que mudará a forma como as empresas pagam impostos e a tributação no Brasil, de modo geral. Isso afetará todas as empresas, em todos os ramos de negócios, independentemente de seus tamanhos.
O objetivo da Reforma é a simplificação da tributação sobre a cadeia produtiva. A tributação brasileira sobre o consumo é uma das mais confusas e complicadas do mundo, então as mudanças em andamento buscam reduzir os custos, além da insegurança causada pelo atual sistema. Ernesto explica que ela visa o fim da cumulatividade, uma vez que “quando você tem cumulatividade, é muito difícil saber efetivamente o imposto que está pagando”.
Além disso, a Reforma Tributária traz a redução e a indução de neutralidade tributária. “O ideal de um sistema tributário é que ele seja economicamente neutro, não incentive nem desincentive atividades ou regiões, a não ser em casos excepcionais, quando há uma razão estratégica para isso. Então, esse é um dos objetivos da Reforma. Não vai ser atingido completamente, mas a ideia é que melhore em relação ao que temos hoje, já que a carga tributária sobre os insumos industriais e o setor agropecuário será reduzida”, argumenta ele.
Ernesto também expõe que, em termos regionais, espera-se que a Reforma Tributária ajude a reduzir ou até eliminar a guerra fiscal, além de permitir maior controle sobre subsídios. “As operações interestaduais serão descomplicadas, facilitando a vida de empresas que atualmente vendem para 26 estados e um Distrito Federal. O contencioso tributário deve ser reduzido no longo prazo, pois as regras ficarão mais simples e haverá menos espaço para interpretações variadas. No curto prazo, é provável que o contencioso aumente, mas a Reforma tem como objetivo, no longo prazo, simplificar as regras e torná-las mais claras”.
A maior formalização dos negócios será uma consequência da simplificação do sistema tributário, facilitando a formalização de empresas. Mecanismos como a emissão eletrônica de notas fiscais e o split payment ajudarão a induzir essa formalização e melhorar a percepção dos tributos.
“Atualmente, muitas pessoas não sabem exatamente quanto pagam de imposto, e o cálculo é difícil. Isso deve melhorar com a simplificação tributária”, diz Ernesto.
Período de transição da Reforma Tributária
Ernesto Guedes explica que o período de transição será longo, com duração de 10 anos e que, durante esse período, dois sistemas tributários coexistirão: o atual, que é muito complicado, e o novo, que também será complexo enquanto ainda está sendo implementado. Segundo ele, isso implicará em tentativas, erros e uma compreensão gradual do novo sistema, o que tornará a transição particularmente difícil.
Além disso, haverá a necessidade de renegociar contratos com fornecedores e clientes, pois os preços de insumos e serviços serão alterados. Os contratos de concessão terão que ser reequilibrados, pois têm mecanismos formais de reequilíbrio. Já os contratos das empresas privadas, em geral, serão renegociados.
“A coexistência dos dois sistemas durante a transição pode gerar problemas, especialmente em contratos prolongados, como os de concessões de longo prazo”, destaca.
Ernesto diz que outro ponto que merece atenção é a questão dos créditos acumulados e a forma como eles serão tratados. “Isso ainda não está claro e exigirá um replanejamento empresarial. Por isso, me vejo pouco cético em relação à simplificação, pois há um problema político envolvido – a quantidade de emendas, sendo muitas delas absurdas”. Um exemplo é a tentativa de incluir o bacalhau na cesta básica, o que Ernesto considera um erro.
Mário Westrup, por sua vez, explica que não se trata apenas de uma mudança na carga tributária dos produtos, mas de uma reestruturação tributária mais ampla e que é essencial entender onde a empresa está localizada, sob quais regras tributárias opera, quais incentivos fiscais se aplicam ao CNPJ, além de avaliar quem são seus fornecedores, onde estão localizados e para onde os produtos são vendidos. Essa interconexão entre os diferentes níveis cria uma complexidade significativa na determinação da carga efetiva sobre as empresas.
Outro ponto importante destacado por Mário é que, mesmo analisando-se os resíduos tributários para identificar a carga atual, ainda não estão sendo consideradas as mudanças que a Reforma Tributária pode trazer, como readequações operacionais, impactos nos preços, alterações na competitividade e novos investimentos. “A Reforma também deve modificar a lógica de percepção dos investimentos no Brasil, revelando ineficiências históricas, como o chamado ‘turismo tributário’, em que produtos percorrem longas distâncias apenas para aproveitar benefícios fiscais que, muitas vezes, não fazem sentido econômico”, explica ele.
Mário diz, ainda, que esse tipo de situação pode, sim, mudar a percepção dos investidores e dos tomadores de decisão nas empresas, mas algumas realidades não serão alteradas completamente.
“Na prática, haverá reflexos dentro das empresas, especialmente nas estruturas de custos, despesas e dinâmicas internas. Operacionalmente, será necessário adotar novas regras contábeis para refletir as mudanças, algo que deve começar já na transição. Isso inclui a implementação de novos mecanismos de cobrança e a revisão de obrigações acessórias, pontos que ainda não estão totalmente claros, mas já demandam atenção para 2026. Além disso, haverá impacto na gestão fiscal e na adaptação de sistemas tecnológicos”.
Apesar desses desafios, existem perspectivas positivas no longo prazo, como a redução dos custos com compliance e a simplificação da gestão tributária. Contudo, a alteração para cobrança no destino em vez da origem trará impactos logísticos significativos, como mudanças na localização de centros de distribuição e operações de logística.
Alguns estados que hoje se beneficiam de incentivos fiscais, como Santa Catarina, podem enfrentar perdas duplas: a saída de operações locais e a redução no consumo interno de serviços tributados. Mário explica que esse é um problema dinâmico e regional que demandará atenção.
Dentro das empresas, haverá alterações nos preços relativos. Segundo ele, “a carga tributária vai mudar, e isso impacta diretamente os custos e margens de lucro. Os setores buscarão manter suas margens, o que pode resultar em repasses de preços”.
Para evitar que a cadeia de distribuição ou o consumidor final sejam penalizados, será necessário rever acordos, ajustar cláusulas e renegociar contratos de longo prazo com índices econômicos que podem ser impactados pela própria Reforma. O impacto inflacionário das mudanças também poderá afetar os índices utilizados para correção de contratos, criando uma relação tautológica que precisará ser cuidadosamente avaliada.
Impactos da Reforma Tributária
De acordo com Mário Westrup, um ponto importante diz respeito ao capital necessário para se ajustar às alterações trazidas pela Reforma Tributária. Além disso, as mudanças contábeis podem tornar os balanços empresariais voláteis durante a transição, o que pode ser negativo para os analistas de crédito e para quem analisa balanços.
Além disso, vale mencionar os efeitos da Reforma sobre indicadores financeiros. “Por exemplo, debêntures podem ser executadas ou disparar covenants, já que utilizam métricas sensíveis a mudanças tributárias, como endividamento e dívidas tributárias. Este é um ponto crítico que destacamos para os gestores financeiros”, explica ele.
Existe a preocupação de que, pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 108, de 2024, ainda se mantenha algum formato de subsunção tributária. Segundo Mário, governadores têm certa resistência a mudanças nesse aspecto, o que pode gerar conflitos. Outro ponto é a operacionalização do split payment dos créditos, cuja viabilidade ainda é incerta. “Embora o Brasil tenha tido avanços tecnológicos significativos, como o Pix, ainda não temos clareza de como isso funcionará no âmbito tributário”, diz Mário.
No caso da Zona Franca de Manaus, embora ela continue existindo, dispositivos legais podem ser alterados, incluindo regras sobre processos produtivos básicos, devido à Reforma. Essas mudanças podem impactar profundamente as empresas que operam na região.
Outro efeito significativo está nos preços de compra e venda de produtos e serviços, que exigirão renegociações com clientes e fornecedores. “Se os preços relativos mudam, o comportamento dos agentes econômicos também muda. Isso envolve ajustes nos contratos e na formação de novos preços, o que será um desafio para os gestores. Sistemas de informação e estratégias de compliance tributário também precisam ser ajustados, assim como o monitoramento de fornecedores e clientes”, diz Mário.
Decisões estratégicas, como projetos de verticalização, também serão impactadas. “Temos casos de empresas que planejavam cisões, mas reavaliaram a estratégia devido à Reforma”, exemplifica ele. “É importante destacar que ela afetará todos os níveis organizacionais, incluindo áreas como RH, que geralmente não se consideram diretamente impactadas”.
Ainda assim, há muitas incertezas: “Em uma palestra recente, um secretário admitiu que algumas questões ainda não foram contempladas, como a tributação na caução de aluguel. Até quem está implementando a Reforma encontra lacunas que precisarão ser discutidas”.
No setor de real estate, são previstos impactos relacionados à localização de empresas e aos preços dos imóveis. Por exemplo, mudanças na tributação sobre serviços podem influenciar a decisão de empresas sobre onde se instalar, levando a ajustes nos preços imobiliários em diferentes regiões. Isso reflete uma reorganização econômica que pode corrigir distorções tributárias históricas.
“A Reforma Tributária também promete mudanças nos incentivos fiscais, eliminando ineficiências econômicas promovidas por políticas que contrariavam a lógica econômica. Entretanto, haverá pressões políticas e muitos contenciosos judiciais para resolver disputas relacionadas às novas regras. Será um período de transição repleto de incertezas, mas com o potencial de trazer melhorias ao sistema tributário”, conclui Mário.
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