Renda dos mais pobres deve crescer menos em 2026. Como isso pode afetar o governo em ano eleitoral? – Estadão
- Na Mídia
- 13/08/2025
- Tendências

No ano que vem, a renda das classes D e E deve crescer num ritmo mais fraco do que a das demais e abaixo da média do País
Com o governo empenhado no discurso “pobre versus rico” numa estratégia para melhorar os índices de popularidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode enfrentar um cenário difícil entre os brasileiros de menor renda — um público historicamente fiel ao petista — caso dispute seu quarto mandato em 2026. No ano que vem, a renda das classes D e E deve crescer num ritmo mais fraco do que a das demais e abaixo da média do País.
Composta por quase metade dos lares brasileiros e por famílias com ganho mensal domiciliar de até R$ 3,5 mil, as classes D e E devem colher um aumento de 1,9% na renda no próximo ano, segundo estudo realizado pela consultoria Tendências.
O melhor desempenho será observado na classe A, com alta de 3,8%. Na sequência, virão as classes B (3,4%) e C (2,3%).
“O ano de 2026 deve ser marcado por um ambiente de desaceleração econômica, vinculado a uma conjuntura política sensível, típica de anos eleitorais”, afirma Giuliana Folego, analista econômica da Tendências Consultoria. “Deve haver um crescimento mais moderado da massa de renda domiciliar em comparação a 2025, refletindo os efeitos persistentes da política monetária contracionista, a menor expansão do crédito e o esgotamento do impulso fiscal.”
Pela projeção da Tendências, a massa de renda do País deve avançar 3% em 2026 — o que, se confirmado, representará um ritmo mais fraco do que os 3,9% esperados para 2025.
Ao menos por ora, o cenário que se desenha para o ano que vem é de uma economia que deve combinar um crescimento fraco com uma taxa básica de juros ainda elevada. No relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, os analistas consultados esperam que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 1,88% — um pouco abaixo da prevista para 2025 (2,23%) — e projetam que a Selic deve terminar no patamar de 12,5% em 2026 — atualmente está em 15%.
O que influencia a renda
No ano que vem, a renda da classe A deve crescer mais por causa do ganho do capital investido, impulsionado pelos juros elevados e pelos dividendos. “No entanto, a contribuição da política monetária para a renda do topo da pirâmide tende a se reduzir ao longo de 2026, à medida que se consolida o processo de flexibilização da taxa de juros, afirma Giuliana.
No outro extremo, as famílias das classes D e E dependem de forma expressiva das transferências provenientes da Previdência Social, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Bolsa Família.
Nesse estrato mais pobre da população, os recursos do BPC e do Bolsa representam 17,6% da origem da renda obtida. Outra fatia relevante vem da Previdência Social (37,6%).
O Bolsa Família passou por uma grande reformulação desde o início do governo Lula, quando o valor base do programa foi estabelecido em R$ 600, além de adicionais para crianças, adolescentes e gestantes. Em 2025, não houve reajuste do benefício.
“Essa recomposição das transferências elevou temporariamente a massa de recursos direcionados às famílias mais pobres”, afirma a analista da Tendências. “No entanto, a partir de 2024, com o aperto fiscal e o endurecimento das regras de elegibilidade, como a obrigatoriedade de biometria, o recadastramento bienal e a revisão de famílias unipessoais, houve estagnação na expansão das transferências sociais.”
Já a classe B segue beneficiada por um emprego ainda aquecido — os recursos do trabalho são responsáveis por 87,4% da renda dessa parcela da população. Por fim, a classe C deve registrar um ganho menor por causa da inflação alta e do custo elevado do crédito.
“Caso a proposta de isenção do Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5 mil seja aprovada, poderá haver um alívio fiscal relevante para essa faixa, aumentando a renda disponível para consumo”, diz Giuliana.
Em busca de aprovação
Na disputa entre ricos e pobres que o governo encampa, a grande aposta da administração petista para recuperar a popularidade e entrar mais forte na disputa presidencial do ano que vem é a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Embora ainda falte mais de um ano para a eleição de 2026, as pesquisas eleitorais divulgadas até agora indicam que o presidente Lula não deve ter vida fácil e que a busca pelo voto será disputada.
“O Lula tem dificuldade de aprovação na classe com maior renda. Ele já tem uma imagem cristalizada”, afirma José Luiz Soares Orrico, diretor político da Futura, empresa de pesquisa da Apex Partners. “Nas classes com renda mais baixa, (a aprovação) tem a ver com o dia a dia das pessoas. Se a vida das pessoas está melhor, a avaliação pode melhorar. Se não está melhor, piora.”
Em meio a esse cenário, Lula anunciou medidas que atingem as classes mais baixas, como a ampliação da tarifa social, que dará gratuidade na conta de luz para 40 milhões de pessoas, uma nova faixa do Minha Casa Minha Vida, destinada à classe média, e a isenção a taxistas do pagamento da taxa de verificação de taxímetros.
O governo também irá lançar um novo vale gás, ampliando o alcance do benefício. Estão na fila de anúncios ainda uma linha de crédito para motoboys e outra para pequenas reformas.
“Ninguém que receber Bolsa Família, bolsa gás, financiamento de motocicleta e de reforma de casa vai ficar contra. Pode não ficar a favor (do governo) por outros motivos, por uma fadiga de material em relação ao Lula e ao PT, mas não exatamente por conta dessas políticas. O governo aposta que isso vai continuar ajudando”, afirma Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.
Apesar de um vasto cardápio de medidas, o grande entrave para o governo é a questão fiscal. A desconfiança em relação ao rumo das contas públicas é grande, e uma aceleração nos gastos pode piorar esse cenário. O Brasil tem uma dívida crescente e elevada para uma economia emergente, o que amplia a percepção de risco entre os investidores internacionais.
“Governos são voltados para resultados eleitorais mais do que para o longo prazo, para a estabilidade fiscal e a sustentabilidade ao longo do tempo. Querer que essa lógica se inverta é esperar ação de um estadista, que não temos”, diz Melo.
No acumulado do terceiro governo Lula, o comportamento da renda por classes econômicas deve ser semelhante ao projetado para o próximo ano. Entre 2023 e 2026, a renda da classe B deve acumular um ganho de 35%, e a A vai registrar um aumento de 25,1%, de acordo com a Tendências. Em seguida, aparecem os ganhos acumulados da classe C (21,2%) e, por último, das classes D e E (10%).
“A maior parte do eleitorado está entre os mais pobres. Em termos absolutos, vale muito mais a pena você ter essa conexão do que com os mais ricos. Cada pessoa é um voto. E é ótimo que assim seja”, afirma Melo, do Insper. “O PT tem ganho as eleições assim. Não é à toa que tem ganho no Nordeste, nas periferias, onde as políticas públicas têm sido mais efetivas. Continuarão sendo? Essa é a pergunta que devemos fazer.”
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