Recomposição da classe média se reflete em consumo no país – Meio & Mensagem
- Na Mídia
- 03/02/2025
- Tendências
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Após uma década, o total de domicílios brasileiros com renda mensal superior a R$ 3,4 mil – os representantes das classes A, B e C – voltou a ser maioria, com 50,1%, segundo relatório da consultoria Tendências. A alteração elevou em 7% a massa de renda total do País. O aumento na fatia que compõe a classe C – com renda mensal domiciliar entre R$ 3,5 mil e R$ 8 mil – foi ainda maior, chegando a 9,5%. Para a classe B, que tem renda entre R$ 8 mil e R$ 25 mil, o crescimento ficou em 8,7%. Entre os fatores que levaram à melhora são apontados a recuperação econômica pós-pandemia de Covid-19, queda no desemprego, reajustes salariais acima da inflação e programas de transferência de renda. Tudo isso tem se refletido em aumento do fluxo de consumidores nas lojas físicas, o que é considerado um termômetro da economia, e a mudança para um consumo mais aspiracional.
Brasil com C
País volta a ter maioria da população com renda domiciliar mensal superior a R$ 3,4 mil e consumo acelera com busca por qualidade e escolha aspiracional, embora futuro também inspire preocupações
Levantamento da Tendências Consultoria aponta uma mudança na distribuição das famílias brasileiras. Depois de quase uma década, o Brasil voltou a ser um País majoritariamente de classe média. De acordo com o estudo, no fim de 2024, 50,1% dos domicílios estavam posicionados nas classes C, B e A. Ou seja, com uma renda mensal domiciliar superior a R$ 3,4 mil. O movimento acompanha um aumento na massa de renda total do País que cresceu, em média, 7%. Isso inclui os salários, benefícios sociais, aposentadorias e pensões, assim como outras rendas.
Na classe C, que define as famílias com rendimento domiciliar mensal de R$ 3,5 mil a R$ 8 mil, o aumento foi ainda maior. Cerca de 9,5%. Na sequência, aparece a classe B, com crescimento de 8,7% e uma renda familiar mensal que varia entre R$ 8 mil e R$ 25 mil. Como consequência, as classes D e E, com rendimento de até R$ 3,4 mil, tiveram queda na representatividade de 50,4% para 49,9%. A previsão da Tendências Consultoria, responsável pelo estudo, é que a classe C continue tendo um desempenho melhor que o da média nacional em 2025. Mas os números são inferiores aos de 2024. A classe C deve registrar crescimento de 6,4%, enquanto a média nacional pode subir 3,8%.
Muitos fatores ajudam a explicar esse movimento, como explica a professora de economia e coordenadora do laboratório de inteligência financeira da ESPM, Paula Sauer: “A recuperação econômica, pós-pandemia da Covid-19, impulsionou o aquecimento do mercado de trabalho. Somados a reajustes salariais acima do índice de inflação e programas de transferência de renda que foram alguns dos fatores que conduziram o Brasil para essa classificação. No País, foram criadas, entre 2023 e 2024, 3,6 milhões de vagas de emprego formais, contribuindo para o aumento da renda das famílias. Esse crescimento da classe média reflete a recuperação econômica e a intensificação de políticas de distribuição de renda”.
No que tange à ocupação, a mais recente publicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, referente ao trimestre terminado em novembro, apontou que a taxa de desemprego no País caiu para 6,1%. A menor taxa de desocupação de toda a série histórica do levantamento, que teve início em 2012. Antes disso, o menor índice de desemprego havia sido em 2013, quando a taxa atingiu 6,3%.
Associado ao emprego, a economista e professora da FGV, Carla Beni cita a mecânica de correção do salário mínimo brasileiro. Até o governo Dilma Rousseff (de 2011 a 2016) a valorização do salário mínimo seguia a fórmula estabelecida pela Lei 12.382/2011 que previa aumentos anuais com base na inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores para garantir ganho real atrelado ao desempenho econômico.
A regra foi mantida até sua validade, em 2019, mas não foi renovada. Durante o governo Michel Temer (de 2016 a 2018), e com a aprovação do teto de gastos que pretendia equilibrar as contas públicas, os reajustes foram definidos ano a ano. Durante o governo Jair Bolsonaro (de
2019 a 2022) o reajuste foi feito apenas para repor a inflação, sem considerar o crescimento do PIB. Em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou a mecânica de inflação mais o crescimento do PIB de dois anos antes. Ou seja, depois de quatro anos, o salário mínimo teve ganho real, o que impacta positivamente a renda das famílias.
Neste ano, no entanto, a regra passará por uma nova mudança. Isso porque, no fim de dezembro passado, o presidente Lula sancionou a lei que limita o reajuste do salário a 2,5% acima da inflação de 2025 a 2030. A medida compõe o pacote de corte de gastos obrigatórios, proposto pelo Governo Federal e aprovado pelo Congresso. “Vamos ter ganho real, mas vai haver um achatamento”, aponta Beni sobre a mudança.
Endividamento e concentração de renda
Assim como os fatores que explicam o crescimento, existe uma série de contrapontos. “Apesar de todo esse movimento com a classe média, estamos concentrando renda”, aponta a economista e professora da FGV. No ano passado, o Global Wealth Report, desenvolvido pelo UBS, apontou aumento de 16,8% na concentração de renda no Brasil em 15 anos. O desempenho levou o País à segunda colocação no ranking de países mais desiguais, perdendo apenas para a África do Sul. A previsão é que o número de milionários deva aumentar 22% até 2028.
Ao mesmo tempo, 49,9% da população compõem as classes D e E com renda familiar mensal de R$ 3,4 mil. “Outro aspecto que deve ser considerado são os desafios estruturais que ainda persistem, como a informalidade no mercado de trabalho, desigualdades salariais e a necessidade de investimentos em educação e qualificação profissional. Esses fatores podem influenciar a mobilidade social nos próximos anos”, descreve Sauer.
A economista e professora da ESPM adiciona que a formalização do trabalho pode conduzir ao aumento de concessões de crédito, o que impulsiona o consumo, crescimento econômico e a contratação de mais mão de obra. “Mais gente empregada, mais renda, mais consumo, mais trabalho. Porém, existem alguns contrapontos: o aumento da concessão de crédito, sem educação para o consumo, ou educação financeira, pode agir como uma navalha afiada no orçamento familiar. Não se pode esquecer que no Brasil temos a segunda maior taxa de juros do planeta, e estamos entre os últimos colocados nos testes que avaliam a educação do jovem no mundo, o teste Pisa. Como resultado dessa delicada equação, há milhões de famílias endividadas e inadimplentes no País”, alerta.
Dessa forma, os avanços na economia sem mudanças estruturais no que diz respeito à educação emperraram a mobilidade social. Independentemente da longevidade do movimento, no curto prazo ele afeta o consumo e, logo, as empresas. “Por um lado, existe a possibilidade do aumento do consumo e da diversificação dos produtos oferecidos com a inclusão de milhões de novos consumidores, do outro, existe uma insegurança por parte da indústria e especialmente dos empresários, quanto tempo dura essa conjuntura econômica e, em se tratando de Brasil, país com tanta volatilidade e tão sensível a acontecimentos domésticos e internacionais”, descreve Sauer.
Haveria, ainda, um olhar cauteloso do empresariado com relação às decisões políticas que podem impactar a taxas de juros, confiança do consumidor e, por conseguinte, a atividade produtiva e consumo, além de movimentações em outras economias como os Estados Unidos.
Apetite ao consumo
Do lado das marcas, o movimento já vem sendo sentido. O Magalu encara suas lojas físicas como um termômetro da economia. “Quando vemos um aumento no movimento e na procura por produtos, é sinal de que a economia está se aquecendo. Nos últimos trimestres, observamos um desempenho positivo em nossas lojas, com crescimento no público e na demanda por produtos “, descreve Bernardo Leão, diretor de marketing do Magalu. O aquecimento teria sido reiterado pelo bom desempenho do varejo na Black Friday – a companhia registrou crescimento de dois dígitos na data – e a “Liquidação Fantástica”, que a companhia realiza no meio do ano.
No universo da moda e da beleza, o impacto é numa maior predisposição ao consumo aspiracional e focado no autocuidado. “Percebemos essa distribuição junto com uma mudança de comportamento das clientes, entre as quais o apetite de consumo voltou a ganhar tração e o público está mais confortável para realizar compras voltadas ao desejo e ao lazer. Não se trata de abundância financeira, mas de um espaço no orçamento que permite consumo mais aspiracional, com foco em qualidade”, explica Fernando Brossi, vice-presidente de operações da C&A.
Nesse cenário, o consumidor também chega ao ponto de venda mais informado, com um repertório vasto de marcas e referências. Isso impulsiona a busca por custo-benefício e uma compra planejada. “Quando há uma folga no orçamento das famílias, a decisão de consumo se torna menos óbvia, porque há um leque de opções mais amplo”, acrescenta o executivo. A varejista também relata crescimento no apetite por presenteáveis e a força de datas comemorativas, comportamento que renova a importância de categorias voltadas para ocasiões especiais.
Denise Coutinho, diretora de marketing e comunicação da Natura Brasil, conta que a companhia também sentiu o aumento na busca por produtos de alta performance. Ela explica: “Além do aumento da demanda, de modo geral, há um maior poder de escolha, o que pode levar a uma busca por itens de melhor qualidade e performance, além do custo-benefício. Isso costuma ser uma consequência da ascensão econômica, que possibilita um acesso maior a informações, inclusive sobre o que o mercado de beleza tem a oferecer em termos de novidades, tendências, tecnologia e inovação”.
A executiva cita que, na perfumaria, o crescimento no ano passado foi alavancado pelas marcas que a companhia define como prestige (de valor agregado elevado), como Essencial, Natura Homem, Luna, Una e Ilía. A empresa também investiu no relançamento da marca de alta performance para cuidados capilares Natura Lumina.
Adaptação ao negócio
No dia a dia do negócio, essa percepção de mudança no comportamento de consumo é traduzida em ações como o desenho do calendário de promoções. O Magalu mantém a liquidação “Dia de Pagamento”, no quinto dia útil do mês, quando muitos brasileiros recebem o salário, com ofertas especiais para pagamento à vista. Já no fim do mês, quando o orçamento estaria mais comprometido, a companhia foca em ofertas de parcelamento e condições de até 21 vezes sem juros. De olho na busca por custo-benefício, no ano passado, a rede firmou uma parceria com a plataforma chinesa AliExpress para trazer uma curadoria de produtos para o marketplace.
Já a C&A investe na oferta de crédito desde 2021, quando lançou o C&A Pay. O cartão digital tem pagamento por biometria facial. Hoje, a base da empresa inclui 6,5 milhões de cartões emitidos. A vertical é tida como uma solução da empresa para se adaptar ao contexto econômico sem afetar a experiência do cliente. Nesse cenário de disposição ao consumo e alta competitividade, a marca quer tornar seu diferencial e valor cada vez mais claros para o cliente e investe em hiperpersonalização. A varejista usa o trabalho de CRM para tentar antecipar as necessidades do público e garantir uma comunicação assertiva.
A comunicação, inclusive, é impactada pelo avanço em renda à medida que impulsiona o nível de conexão do consumidor. Como aponta a diretora de marketing e comunicação da Natura Brasil: “O crescimento da renda proporciona um maior acesso à informação e diversifica ainda mais os perfis dos clientes que estão dispostos a investir em cosméticos. Isso faz com que eles sejam constantemente inundados por informações sobre beleza, como lançamentos, dicas, tendências e conteúdos mais aprofundados sobre o tema. E, para cada canal, precisamos de uma estratégia e conteúdo diferentes”.
Assim, é preciso adaptar os formatos e as pautas. A empresa de beleza destaca o patrocínio, pela terceira vez, do Rock in Rio com experiências sensoriais e experimentação de produtos. A pluralidade do evento permitiria a conexão com audiências diversas. Outro ponto é a diversificação de portfólio que atende diferentes faixas de renda. “Além disso, a tendência é haver um aumento da busca por produtos mais tecnológicos, que oferecem performances mais sofisticadas dentro de um cenário altamente competitivo. Por isso, há uma exigência maior para que as empresas desse setor invistam mais em pesquisa e desenvolvimento de cosméticos, bem como em estratégias de diferenciação e personalização de experiência de compra para se destacarem nesse segmento e conquistarem o novo público”, completa Denise.