Quando a crise financeira vai chegar? – Estadão
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- 16/02/2025
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Em grande parte porque o governo está focalizado na reeleição em 2026, não dá para contar com uma ‘mensagem forte de compromisso fiscal’
Por Maílson da Nóbrega*
No dia 5 de novembro de 2008, logo após a crise financeira mundial disparada com a falência do banco americano Lehman Brothers, a rainha Elizabeth II, ao comparecer a uma cerimônia na London School of Economics, em Londres, fez uma pergunta: “Por que ninguém percebeu isso?”. Dias depois, economistas enviaram carta à soberana para explicar que houve uma falha coletiva de muitas pessoas brilhantes, no país e no exterior, que as impediu de entender os riscos do sistema.
Na verdade, mesmo quem entendeu os riscos (e houve muitos alertas) não conseguiria cravar o momento da erupção da crise. Segundo a lei de Dornbusch (homenagem ao saudoso economista alemão Rudiger Dornbusch), “a crise demora muito mais a chegar do que se imagina, mas depois ocorre mais rapidamente do que se pensa”. Daí por que os mercados não precificam uma grande crise. A enorme incerteza não permite calcular o desconto pelo risco de um determinado ativo financeiro.
O Brasil, como já afirmei neste espaço, caminha para uma profunda crise financeira decorrente de um colapso fiscal. É a consequência da marcha da insensatez fiscal iniciada na Constituição de 1988 e continuada em governos posteriores, especialmente os do PT. Decidiu-se resolver a desigualdade social e a pobreza por meio de gastos de Previdência e assistência social, sem indagar se haveria as condições para tanto. Segundo um de nossos melhores especialistas, Raul Velloso, esses gastos representam hoje 84,8% das despesas primárias da União.
Claro, a crise pode ser evitada por meio de expressivo corte de gastos, o que é impossível sem reformas estruturais. Fora disso, os cortes serão sempre tímidos, insuficientes e na maioria temporários. É o que ficou provado com o recente pacote fiscal, que decepcionou o mercado financeiro, o qual esperava, inocentemente, que ele seria robusto e levaria à estabilização e depois à queda da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). Na verdade, o fracasso derivou, em parte, da excessiva rigidez orçamentária. De fato, quando computados os gastos com educação, saúde e o piso de investimentos, 96% das despesas primárias federais têm natureza obrigatória. Isso tende a piorar nos próximos anos.
Essa realidade é, todavia, pouco percebida. Demandam-se cortes expressivos de gastos, mas isso dependeria da aprovação das citadas reformas estruturais, o que é quase impossível no atual governo, principalmente agora que Lula da Silva entrou no modo de reeleição. Tudo indica que a Secretaria de Comunicação Social terá a inédita palavra final em medidas fiscais. Ações impopulares, mesmo que modestas, não passarão no filtro.
Há quem imagine que o governo possa fazer cortes do mesmo modo que o setor privado. “O Brasil precisa de mensagem forte de compromisso fiscal”, disse um banqueiro em Davos, o que tem chances zero de acontecer atualmente. Na verdade, restrições políticas, a reeleição, a ausência de determinação e a rigidez orçamentária explicam a relativa timidez do pacote fiscal. Claro, é bom que o mercado tenha percebido a existência desse grave problema e entenda que a dívida pública é o calcanhar de aquiles. Essa percepção explica em grande parte o forte estresse recente, quando o dólar chegou a valer R$ 6,20 e continuou acima de R$ 6 por vários dias.
Como se sabe, a causa básica do estresse foram a decepção com o pacote fiscal e as expectativas em torno das medidas do novo presidente americano, as quais, se implementadas, podem acarretar forte valorização do dólar nos mercados mundiais e desvalorizações de outras moedas, inclusive o real. Como isso não aconteceu na dimensão imaginada, criou-se a percepção de que Trump pode não implementar totalmente suas promessas de campanha relativas às tarifas. Os mercados desfizeram posições e corrigiram excessos, o que resultou em queda da moeda americana em relação ao real. No momento em que este texto era escrito, a cotação do dólar estava em R$ 5,83. O ministro da Fazenda afirmou que não compraria o dólar a R$ 5,70, sugerindo que esse seria o patamar do dólar com base nos fundamentos da economia brasileira.
Nada garante que o cálculo do ministro será confirmado ou que o dólar não volte a ser cotado acima de R$ 6,00. Em outras crises, de tempos em tempos, tudo parecia que a situação se normalizava, mas o estresse retornava diante da reemergência dos fatores que o justificaram. Assim, o problema pode renascer por um fato novo que relembre a insustentabilidade da trajetória da dívida pública. Por exemplo, a percepção de que o programa de Donald Trump é para valer. Basta ver a imposição de tarifas para punir a Colômbia por recusar-se a receber deportados e de 25% nas importações do México e do Canadá. Em resumo, em grande parte porque o governo está focalizado na reeleição em 2026, não dá para contar com uma “mensagem forte de compromisso fiscal”. Isso poderá acontecer no pós-crise, dependendo de quem estiver na Presidência da República.
*Maílson da Nóbrega é Sócio da Tendências Consultoria e foi ministro da Fazenda
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