Qual o risco de guinada populista com queda da aprovação de Lula? – Estadão
- Na Mídia
- 19/02/2025
- Tendências

Analistas políticos ouvidos pela coluna consideram que presidente com menor popularidade aumenta dependência do Centrão no Congresso, e não terá espaço para voluntarismos.
A queda da aprovação do governo Lula de 35% para 24% no último Datafolha obviamente acendeu o sinal de alerta no círculo presidencial. Mas também afetou o mercado financeiro, que vem reagindo positivamente a notícias que indiquem menor probabilidade de que Lula seja presidente do Brasil a partir de 2027 – isto é, que perca ou não concorra na eleição presidencial de 2026.
Embora os efeitos “positivos” dessa percepção é que estejam fazendo preço, há também uma preocupação mais imediata, relativa aos pouco menos de dois anos que restam do atual mandato de Lula. Será que, diante da piora da sua popularidade, Lula pode tentar compensar com mais populismo distributivista, tornando ainda pior a situação fiscal e macroeconômica?
Não é o caso, para Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências.
“O cenário político não autoriza a interpretação de que a gente terá grandes guinadas na condução do governo, especialmente na política econômica”, diz o analista. Ele cita alguns fatores para embasar sua previsão.
O primeiro é que o Lula 3 é um governo que vive uma divisão interna em relação a diagnósticos, o que provoca certa paralisia, mas também evita que se curse um caminho mais extremo.
Assim, Cortez não vê nenhum sinal de que Lula trocaria o seu atual ministro da Fazenda por um nome mais heterodoxo e/ou populista. Ao mesmo tempo, porém, a “agenda Haddad” tem sempre dificuldades em se consolidar de forma definitiva e andar num ritmo mais dinâmico, pelas correntes dentro e fora do governo que resistem ao que veem como ortodoxia e liberalismo do ministro.
A mesma divisão se mantém em relação ao que Lula deve fazer para superar o mau momento de popularidade: reforçar a política econômica de Haddad, para tentar segurar o dólar e a inflação (a grande vilã da piora da aprovação); ou adotar mais medidas distributivas e impulsos à economia para tentar reviver os bons momentos de seus mandatos anteriores.
Cortez considera essa divisão “quase estrutural” porque vê o atual governo de Lula como um “mandato vazio” em termos programáticos. Lula foi reeleito a partir da rejeição de Bolsonaro, do desejo de parte do eleitorado de assegurar a democracia e da intenção de recompor alguns programas e políticas públicas descaracterizados, reduzidos ou eliminados pelo presidente anterior. Toda essa agenda é reativa a Bolsonaro, mas muito pouco propositiva, na avaliação do especialista.
O analista da Tendências não vê no momento algum cenário que altere a atual dinâmica política do governo Lula – seja no sentido de um voluntarismo de esquerda, seja na direção de um substancial reforço da agenda de Haddad e de uma aproximação com a Faria Lima.
Nos dois casos, ele diz, os alarmes de incêndio poderiam soar muito altos. A guinada voluntarista – como Lula percebeu no final do ano passado – pode significar disparada do dólar e inflação ainda mais elevada e distante da meta, com efeitos destrutivos na aprovação do governo. Já um abraço caloroso ao mercado poderia provocar turbulência política junto a sua base eleitoral e boa parte do PT.
Uma segunda questão apontada por Cortez, que corre na mesma direção, é a divisão entre um Congresso dominado pelo Centrão e pela direita e o governo de esquerda de Lula. Com a perda de popularidade, o custo no Congresso de implementação de medidas do governo sobe, o que tende a fazer com que Lula seja mais cauteloso politicamente, isto é, mais avesso a grandes guinadas.
Para o analista, as recentes mudanças na presidência das duas Casas do Congresso não aumentaram a governabilidade do Lula 3, porque nenhum dos dois novos presidentes é percebido como fazendo solidamente parte da coalizão governista.
A própria composição da agenda do governo também empurra Lula 3 para certa imobilidade política, com “baixo dinamismo seja para um lado, seja para outro”.
Cortez nota que o Congresso não é afeito nem a aumentar tributos nem a cortar despesas, o que trava tanto um surto voluntarista (com zero equilíbrio orçamentário, a deterioração dos ativos seria imediata e altamente deletéria) como um ajuste fiscal mais aprofundado.
“O Congresso não quer mexer em despesa obrigatória, nem taxar muito o andar de cima, nem retirar isenções tributárias”, aponta Cortez.
Um possível caminho de recuperação de Lula, para o analista, passa pela atual confusão no seio da direita. Bolsonaro tende a esticar ao máximo a indefinição sobre sua possível candidatura (num cenário muito hipotético de anistia ou mudanças na Lei da Ficha Limpa) para reter o máximo de poder político – o que inviabiliza que potenciais candidatos competitivos, como Tarcísio de Freitas, saiam à luz do dia e se organizem da fato como alternativa para 2026.
“A queda da popularidade pode fazer com que políticos e partidos saiam do barco governista, mas para isso é preciso haver uma alternativa segura, o que, com a atual confusão no campo da direita, ainda não parece haver”, resume Cortez.
Cláudio Gonçalvez Couto, cientista político da FGV-EAESP, vai até um pouco além de Cortez, ao considerar que a queda de popularidade de Lula deve até reforçar a área econômica do governo. Os argumentos são parecidos: a queda da aprovação deve exigir um esforço ainda maior do governo para se acertar politicamente com o Centrão.
“Se o governo não conseguir aprovar a sua agenda neste primeiro semestre, vai chegar no segundo nas cordas”, avalia Couto.
No lado econômico, o pesquisador nota que Lula percebeu que qualquer ruído pode impactar o dólar, que impacta a inflação, que impacta a popularidade – tudo no sentido ruim, é claro.
Couto pensa que o governo deve insistir com a medida de isenção de Imposto de Renda até R$ 5 mil, como tentativa de recapturar uma parcela da classe C. Mas isso não significa que vá desembalar pela trilha desesperada de arrombar o cofre para tentar se eleger. Lula percebe que, neste caso, o castigo irá atingi-lo bem antes da eleição.
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