Projeto reduz taxas sobre a classe média e eleva as da alta renda – O Globo
- Na Mídia
- 10/11/2025
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Beneficiados devem direcionar parte da isenção ao consumo e estimular PIB
O principal efeito do projeto de lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), aprovado ontem em definitivo pelo Congresso, será melhorar a progressividade da tributação, diminuindo as taxas sobre a classe média e aumentando sobre os contribuintes de alta renda. A maior progressividade virá do IRPF mínimo para quem ganha acima de R$ 600 mil ao ano, ou R$ 50 mil por mês.
Desde que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o governo proporia a modificação, no fim do ano passado, economistas que estudam a dinâmica de distribuição de renda vinham apontando para o fato de que os contribuintes de alta renda pagam pouco IRPF em termos relativos.
Diversos estudos, com base em dados da Receita Federal, apontaram que as taxas que incidem sobre os ganhos da alta renda são menores do que as que recaem sobre as classes médias ou médias altas. E o grupo beneficiado por taxas mais baixas é pequeno, no topo da pirâmide da distribuição de renda.
Tanto que, desde que anunciou o envio do projeto de lei (PL) ao Congresso, em março, o Ministério da Fazenda vem informando que o IRPF mínimo atingiria apenas 141 mil contribuintes de alta renda que atualmente pagam menos de 10% sobre o total de seus ganhos anuais.
Nas contas de Paulo Henrique Pêgas, professor de contabilidade do Ibmec-RJ, 234 mil brasileiros têm renda total de R$ 106 mil a R$ 422 mil por mês, conforme dados da Receita Federal. Pela nova regra, esse grupo estaria sujeito ao IRPF mínimo, mas a incidência do piso dependerá de cada caso, levando em conta quanto o contribuinte já paga.
Nos cálculos de Pêgas, esse grupo paga uma alíquota efetiva — que é a parcela dos ganhos totais que se paga de IR, já considerando deduções e tributações exclusivas — de 4,1%, na média. Também estariam sujeitos ao IRPF mínimo os 45 mil contribuintes com renda mensal acima de R$ 422 mil. E esse grupo de altíssima renda paga ainda menos IR: a alíquota efetiva média deles foi de apenas 1,2%, nas contas do professor.
— O imposto mínimo é uma medida paliativa que ameniza algumas distorções do nosso sistema tributário e, simbolicamente, essa aprovação rompe uma inércia de duas décadas de resistência contra a necessária reforma da tributação da renda — disse o economista Sérgio Gobetti, assessor da Secretaria de Estado de Fazenda do Rio Grande do Sul e pesquisador licenciado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defendendo mais ajustes no futuro.
O grupo que mais sairá ganhando é o de quem recebe, de salário com carteira assinada, em torno de R$ 5 mil ao mês, o novo limite de isenção do IRPF. Nas contas de Pêgas, esses contribuintes pagam hoje pouco mais R$ 300 ao mês de IR retido na fonte. Com a nova regra, terão esse valor mensal para aliviar o orçamento doméstico.
Parte desse alívio deverá ser revertido para o consumo, girando a economia já em 2026. Um estudo da Tendências Consultoria estima que a ampliação da isenção poderá elevar de 1,8% (média das previsões captadas pelo Boletim Focus, do BC ) para 2,0% o crescimento do PIB em 2026.
Tributação de dividendos
Por outro lado, mudanças que atingem grandes companhias e investidores estrangeiros poderão ser foco de problemas, disseram tributaristas ao GLOBO.
As novas regras preveem também retenção na fonte em nos pagamentos de dividendos — a principal forma de distribuição do lucro das empresas para sócios ou acionistas — acima de R$ 50 mil e nas remessas de lucros para o exterior, de quaisquer valores, sem limite mínimo.
As novas regras levarão as grandes companhias abertas e multinacionais a uma corrida para consultar bancas de advocacia, fechar balanços e distribuir os lucros até o fim deste ano, disse Eric Visini, sócio na área tributária do escritório TozziniFreire Advogados. Isso porque o PL aprovado nesta quarta-feira prevê que continuarão isentos os ganhos registrados até 31 de dezembro deste ano.
O problema, segundo o tributarista, é que a redação final do PL encaminhado para sanção presidencial deixou lacunas. Uma instrução normativa (IN) da Receita Federal poderia esclarecer os procedimentos, mas é improvável que isso ocorra antes do prazo de 31 de dezembro próximo.
A retenção na fonte do IRPF sobre dividendos e a tributação sobre as remessas de lucro ao exterior têm estado na mira das críticas de tributaristas e de entidades empresariais ao longo da tramitação da proposta no Congresso.
No mês passado, a Câmara Americana de Comércio (Amcham), a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), a Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil (Britcham) e o Grupo de Estudos Tributários Aplicados (Getap) divulgaram um comunicado conjunto criticando a tributação sobre as remessas para fora.
“A introdução dessa taxação também inibe o ingresso de capitais estrangeiros”, diz o texto. A nova cobrança “ignora os impactos do aumento de carga tributária sobre investidores estrangeiros e trata de forma inadequada os mecanismos internacionais para evitar a bitributação, como o crédito do imposto estrangeiro e a isenção da renda externa”, continua o comunicado conjunto.
Para Visini, o problema não está na tributação em si. Tributar remessas de lucros de um país a outro é prática comum em uma série de nações, disse o tributarista.
Tratados internacionais para evitar que o mesmo lucro seja tributado duas vezes também são corriqueiros — assim como o mecanismo de abater, da cobrança de tributos sobre o lucro do país que recebe a remessa, o montante que foi pago no país onde o ganho foi auferido.
O problema, segundo Visini, é como as cobranças e as compensações serão colocadas em prática. O PL que vai a sanção coloca alguns obstáculos. Um deles, segundo o tributarista, é que a cobrança sobre todas as remessas para o exterior, independentemente dos valores, ainda estará sujeita a ajuste anual, para verificar a alíquota efetiva, o que poderia até gerar crédito para o contribuinte, mas poderia dificultar eventual compensação no país de destino.
O também tributarista Hermano Barbosa, sócio do BMA Advogados, alertou para o fato de que poderá ser difícil obter compensações nos países de destino das remessas.
Segundo ele, diversos países desenvolvidos, como EUA, Canadá, Reino Unido e membros da União Europeia (UE), evitam a cobrança repetida de tributos sobre os lucros por meio de um mecanismo chamado “participation exemption”. Na prática, isso isenta as remessas de multinacionais e fundos de investimentos.
— Quando esse investidor recebe dividendos da empresa em que investe no Brasil, ele tem a receita vinda do exterior isenta, não levará crédito (por eventual tributo já pago no Brasil). Na prática, qualquer tributação na fonte no Brasil passa a ser um custo para o investidor. Isso já seria ruim quando pensamos em investimentos futuros, mas é ainda mais grave quando pensamos em investimentos já existentes, nos quais o investidor confiou no sistema anterior — disse Barbosa.
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