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Projeção do PIB do Brasil para 2024 é de 3,5%; se confirmada, será a maior alta desde 2021 – Times Brasil

Em entrevista à Times Brasil, Maílson da Nóbrega, economista e sócio da Tendências Consultoria, afirmou que a projeção do PIB do Brasil para 2024 é de 3,5%. Se confirmada, essa será a maior alta desde 2021.

De acordo com a projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil deve crescer 3,5% em 2024. Caso essa expectativa se concretize, esse seria o melhor resultado desde 2021, quando alcançamos crescimento de 4,8% após o impacto negativo da pandemia.

Desempenho do PIB em 2024

Ao ser questionado sobre o que podemos esperar para o desempenho do PIB em 2024, considerando os resultados do terceiro trimestre, Maílson diz que a expectativa da Tendências é de que o setor de serviços vai confirmar a sua liderança na formação do PIB.

A Tendências estima que o setor de serviços pode crescer 3,8%, enquanto a projeção para o PIB é de 3,4%. E dentro dos serviços, a área de informática deve crescer algo perto de 6%. Na visão de Maílson, esses são os principais destaques que provavelmente virão na divulgação do PIB.

Além disso, existem outros destaques como, por exemplo, do lado da demanda. Veremos uma forte expansão das importações. Isso é um sinal de uma economia aquecida, que está crescendo acima do seu potencial.

Maílson explica que, quando a economia cresce acima do seu potencial, significa que a oferta doméstica não é capaz de atender à demanda e uma parte dela vaza para o exterior, importando mais. Portanto, se houvesse algum atestado necessário para mostrar que a economia está crescendo acima do seu potencial – e isso gera o risco de inflação – é o nível de importações. E, se a importação acaba subindo, correspondentemente nós exportamos menos. No ano, Maílson acredita que a exportação praticamente vai empatar com 2023.

Sobre o crescimento do PIB ser um crescimento sustentável, em que medida ocorreu esse crescimento e se isso deve se reproduzir em 2025, Maílson diz que, em primeiro lugar, não é um crescimento sustentável.

Todos os cálculos indicam – embora seja difícil fazer esse cálculo, mas a Tendências e outras consultorias fazem, assim como o próprio governo faz – que o PIB potencial do Brasil, isto é, o nível de crescimento que não gera nem inflação nem problema de balanço de pagamentos, está em torno de 1,5% a 2%. Se cresceu 3,5%, cresceu muito acima do seu potencial e isso não é sustentável.

Maílson explica que uma prova de que não é sustentável é a expansão vigorosa das importações, algo que ele acredita que não pode continuar. Também temos inflação acima da meta.

As projeções de inflação para este ano estão próximas de 6%. O limite superior da meta é de 4,5%. Por isso, a projeção da Tendências para 2025 é de um crescimento de apenas 1,99%, muito próximo do potencial.

Maílson diz que o Brasil não tem capacidade produtiva, infelizmente, para crescer acima de 2% ou pouco mais e isso é triste, porque significa que estamos “ficando para trás”. Mesmo nos países desenvolvidos, a média de crescimento dos Estados Unidos tem sido maior do que a do Brasil. E, se a gente quiser virar um país rico, é preciso crescer mais rápido do que eles.

A chave é a produtividade. Temos que fazer uma cruzada pela produtividade e a produtividade deriva de um conjunto amplo de fatores, como a educação e a infraestrutura, por exemplo.

Entretanto, Maílson explica que temos um governo disfuncional, com gastos excessivos e uma rigidez orçamentária grave, com 96% dos gastos primários do Governo Federal sendo de natureza obrigatória.

Isso significa que o governo dispõe de apenas 4% dos seus gastos primários para fazer políticas públicas pró-crescimento. O Brasil está diante do risco de ter uma crise muito séria, que terá natureza fiscal e pode se desdobrar numa crise financeira. E o país só vai crescer se atacar esse problema da rigidez e direcionando os esforços para o aumento da produtividade.

Questão fiscal do Brasil

Temos um governo que precisa cortar gastos, mas, ao mesmo tempo, temos um judiciário que gasta mal, com penduricalhos, e também temos um congresso que não quer cortar suas emendas, que foram recém-conquistadas aí no governo anterior. Ao ser questionado sobre como desativar essa “bomba atômica” no curto prazo ou, pelo menos, no médio prazo, Maílson diz que esses são os pontos-chave do problema fiscal no Brasil.

Ele explica que o judiciário brasileiro custa 1,4% do PIB, sendo que a média mundial é 0,3% do PIB. E, dentro dessa grande participação do judiciário no gasto público brasileiro, está a maior fonte de privilégios no Brasil, que são os salários dos juízes e procuradores. Isso é algo que tem que ser atacado. Hoje, os tribunais são aqueles que reajustam seus próprios benefícios, ou seja, tem um conflito de interesse. Isso tudo tem que ser revisto.

Sobre os gastos obrigatórios, Maílson diz que o Brasil não tem uma economia sustentável se não resolver esse problema da rigidez orçamentária. De acordo com um estudo de dois conceituados consultores da Câmara, em 2027, os gastos obrigatórios – que são os de Previdência, Pessoal, Saúde, Educação, programas sociais e, agora, pelo arcabouço fiscal, os investimentos – vão ser de 100%. Ou seja, não vai ter espaço para sustentar as Forças Armadas, financiar o Judiciário… Apesar de que Maílson acredita que vai colapsar antes, mas nós estamos chegando muito perto desse ponto, em que ou atacamos esses problemas ou vamos para uma crise muito séria, com graves consequências sociais e econômicas.

E, infelizmente, o governo atual não tem as condições para atacar esse problema, primeiro porque não tem vontade, segundo porque acredita que quem faz a economia é o gasto público e não a produtividade.

Cenário externo

Além desse contexto interno, também temos um cenário externo com uma geopolítica muito turbulenta, em rearranjo o tempo inteiro, uma instabilidade, e muitos investidores recuando.

A política tarifária do presidente Trump, de acordo com Maílson, tende a caminhar para um grande desastre e que os Estados Unidos vão ser os grandes perdedores. Historicamente, tarifa aduaneira nunca foi arma. Desde o século XIX, quando o comércio mundial começou a se ampliar, a tarifa é crescentemente um instrumento de comércio exterior. É por isso que países têm, aliás, diferenças de importação. Os mais competitivos não precisam se proteger. Então, pode ter tarifa zero. Os menos competitivos, isto é, aqueles que ainda estão caminhando para um estágio de desenvolvimento mais alto, precisam de uma certa proteção, ainda que temporária.

Maílson diz que o presidente Trump nem isso entende e vai fazer a tarifa recíproca, ou seja, se o Brasil cobra 18% do etanol americano e eles cobram 2% do etanol brasileiro, ele aumenta para 16%. A Economist fez um estudo mostrando que há 13.000 posições tarifárias no comércio americano com 180 países, o que dá 23 milhões de combinações diferentes. Seria um caos se uma empresa tivesse que importar e precisasse saber se é de Hong Kong, se é da Coreia do Sul, se é do Brasil e qual a alíquota de cada um desses países.

Segundo Maílson, isso tudo vai resultar em duas consequências. Primeira: aumento da inflação nos Estados Unidos, porque quem vai pagar a tarifa mais alta é o consumidor, não o exportador. E, a segunda consequência é a pressão inflacionária. Isso significa que haverá perspectiva de aumento da taxa de juros americana pelo Fed (Federal Reserve, o Banco Central americano). Isso significa um dólar mais alto.

Quais são as consequências disso tudo para o Brasil: menos crescimento, mais inflação, juros mais altos. E por que isso? Porque juros mais altos nos Estados Unidos significam fortalecimento do dólar, o que significa real mais fraco, desvalorizado. E essa desvalorização do real significa mais pressão inflacionária, com a necessidade do Banco Central aumentar a taxa de juros. E, se a Selic está mais alta, menor é a capacidade do Brasil de crescer.

Maílson diz que certamente, do lado da exportação, o Brasil vai preencher a lacuna que vai ser aberta com a redução das importações ou mesmo eliminação de importações da China proveniente dos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, teremos um crescimento menor da economia mundial, aumentando a inflação e tudo isso é prejudicial. Os Estados Unidos tendem a empobrecer com essa política do Trump e o Brasil tende a ter prejuízo no seu processo de crescimento e na inflação.

Ao ser questionado se a Europa não poderia ser protagonista nessas tensões globais, Maílson explica que a percepção da Europa é que os Estados Unidos estão abandonando uma aliança de cerca de 80 anos que garantiu a prosperidade da Europa e a recuperação do desastre da Segunda Guerra Mundial.

O mundo cresceu muito mais nos anos 50, 60 e 70 por força dessas alianças e de um sistema tarifário inteligente, não o que Trump está defendendo. Maílson diz que são chamados os 30 anos gloriosos da Europa. Tudo isso está ficando para trás e os europeus agora se deram conta de que eles têm que se defender e defender e apoiar a Ucrânia.

A percepção, para Maílson, é de que Trump tomou um lado na guerra da Ucrânia, ficando do lado dos russos, porque a negociação foi só com eles. Ele atende às demandas dos russos.

Maílson acredita que estamos voltando à era do século XVIII e XIX, em que as relações comerciais entre os países obedeciam à regra do mais forte. E vimos no que deu: a colonização do século XVIII e XIX, a invasão da China no chamado século da humilhação por potências europeias, a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial… Esse conjunto de regras que foram criadas depois da Segunda Guerra Mundial, sob a liderança dos Estados Unidos – e que Trump agora está abandonando – foi o que gerou não só essa prosperidade, mas a paz.

Os países ricos, os países democráticos, estão há 80 anos sem uma guerra. E isso não tinha acontecido antes na história, pelo menos nos últimos séculos. O presidente Trump está desmontando todo esse conjunto de avanços institucionais e estratégias que fizeram da prosperidade a marca da segunda metade do século XX. Nós estamos num momento muito delicado.

Inflação e juros altos no Brasil

Ao ser questionado sobre ser ou não possível segurar a inflação sem manter os juros tão altos, Maílson acredita que é possível, mas não é provável.

Ele explica que o combate à inflação historicamente, pelo menos nos últimos 60, 70, 80 anos ou mais, é uma combinação de política monetária – o uso da taxa básica de juros para esfriar a demanda e o investimento – e da política fiscal para reduzir o gasto do governo e contribuir com esse mesmo objetivo. Ou seja, os dois atuam no sentido de esfriar a economia. Se, por algum motivo, não há inflação, há apenas esfriamento, isso leva à desaceleração dos preços.

Hoje, nós temos uma situação em que, para usar uma metáfora comum entre os economistas, um lado aperta no acelerador – o gasto público – e o outro aperta no freio – que é a política monetária. Isso não gera as condições adequadas para levar a inflação para a meta e, assim, permitir, além de uma coordenação de expectativas, a redução da taxa básica de juros.

Nossa situação hoje é de uma taxa de juros que vai permanecer alta por muito tempo, sobretudo se confirmadas essas ameaças da política tarifária do Trump. Isso vai gerar, como eu disse aqui, mais inflação no Brasil e mais dificuldades para reduzir a taxa Selic.

Confira a entrevista completa no vídeo abaixo!