Planos de saúde: Uma década e os problemas permanecem

O setor de saúde suplementar está com problemas e não é de hoje. De um lado, centenas de milhares de empresas que oferecem planos de saúde aos seus colaboradores enfrentam enormes aumentos de preços quase todos os anos. Paradoxalmente, as seguradoras que oferecem esses planos, e que cobram tais preços crescentes, enfrentam déficits ou prejuízos também crescentes.

Não foi por falta de aviso. A equação econômica do setor, essencial para garantir o acesso das famílias aos procedimentos médicos realizados por prestadores privados, não se equilibra.

Estudo da Tendências de 2015 já previa desequilíbrio

Em agosto de 2015, divulgamos o “Estudo Econômico Sobre os Desafios do Setor de Saúde Suplementar no Brasil”, cujas conclusões são premonitórias sobre o setor. Entre as causas do desequilíbrio, destacavam-se vários fatores. Um deles, que afeta o mundo inteiro, é o custo crescente da saúde decorrente da evolução da demografia, com o envelhecimento das populações e o uso de procedimentos médicos cada vez mais sofisticados, com novos tratamentos, remédios, tipos de exames e equipamentos médicos.

No caso brasileiro, o estudo apontava que a atuação do poder público era uma das principais fontes desse desequilíbrio. Devido à grande importância do mercado, o governo passou a regular de forma mais restritiva o seu funcionamento. Paulatinamente foram sendo impostos limites à atuação das operadoras de planos de saúde, tanto com restrições aos reajustes de preços, que agravaram o desequilíbrio existente e resultaram na quase extinção da oferta de planos individuais, como por determinar quais serviços deveriam ser cobertos por aqueles preços. As incertezas ligadas à crescente “judicialização” da saúde também contribuíram para essas distorções.

A proposta apresentada no estudo de 2015 era criar uma agenda de reformas para o setor, atuando em três frentes principais: (i) ampliar a transparência do mercado, por exemplo, com a adoção de prontuário eletrônico dos pacientes, rankings de hospitais e monitoramento da remuneração de médicos por fornecedores de medicamentos e dispositivos médicos em geral; (ii) implantar políticas capazes de alinhar os incentivos dos diversos agentes que compõem esse mercado, com ajustes nos modelos de remuneração das instituições e dos profissionais da área médica e eventual adoção de cobrança de franquia dos beneficiários dos planos, medidas essenciais para reduzir custos mediante o controle de algumas das fontes de desperdício de recursos; e (iii) dar suporte à competição no setor, permitindo a entrada de novos ofertantes e facilitando a troca de planos.

Cenário atual gera preocupação

Passados sete anos, no entanto, o que se vê é que pouco foi feito, resultando no agravamento da crise no setor. Algumas das medidas tomadas foram na direção oposta ao preconizado. Por exemplo, em setembro de 2022 foi publicada a Lei 14.454, que ampliou a cobertura obrigatória dos planos de saúde, exigindo arcar com custos de procedimentos ou tratamentos que não constam na lista de referência básica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O resultado que se observa em 2023 é preocupante, com uma grande operadora anunciando que a partir do próximo ano deixará de atuar no setor, e outras apresentando prejuízos de bilhões de reais. Grandes grupos estão vendendo imóveis, renegociando dívidas e buscando reduzir a alavancagem do negócio. A sinistralidade tem crescido. As operadoras encontram dificuldades crescentes para repassar aos segurados o aumento dos custos, agravando o desequilíbrio.

Consequências da insolvência afetam toda a sociedade

A insolvência de operadoras de planos de saúde tem graves consequências econômicas e sociais. Hospitais, clínicas e laboratórios da rede credenciada são diretamente afetados, com risco de fechamento de unidades, demissões e queda na geração de renda e de arrecadação tributária. Como consequência ainda mais grave deste processo, o encolhimento do mercado de saúde suplementar reduz o número de atendimentos e o acesso da população a serviços privados de saúde, resultando em maiores pressões sobre o já sobrecarregado sistema público de saúde (SUS).

Resta repetir a conclusão do estudo de 2015, ainda muito atual: a complexidade do setor de planos de saúde e a grande importância desse mercado para as famílias torna imperativa a busca por um melhor funcionamento da cadeia. Políticas que não levem em conta problemas estruturais do modelo tendem a agravar os desafios existentes, propagar distorções e condenar o setor.

Ernesto Guedes é diretor executivo e sócio fundador da Tendências Consultoria.

Eric Brasil é diretor de planejamento e sócio da Tendências Consultoria.

Compartilhe essa postagem:

Como podemos te ajudar? Entre em contato conosco por telefone ou envie um e-mail.