Países ricos alimentam nova onda de incertezas na economia global – O Estado de S. Paulo
- Na Mídia
- 13/10/2025
- Tendências

Taxa de rendimento de títulos de 30 anos está acima da média em diversos países; no Japão, alcançou o mais alto patamar desde 2000
Nos últimos meses, tem aumentado a sensação de desconforto em relação aos rumos da economia global. Em meio a um cenário de tensões geopolíticas e incertezas trazidas pelas políticas comerciais de Donald Trump, as dúvidas não vêm apenas dos Estados Unidos: elas se espalham também pela Europa e Ásia. O ponto comum entre essas grandes economias é o desequilíbrio fiscal e o avanço do endividamento.
Um indicativo do crescente mal-estar com a economia global é o aumento da taxa de rendimento dos títulos de 30 anos das grandes economias. O avanço em papéis de países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Reino Unido e até no Japão é um sinal claro de que investidores estão mais desconfiados da capacidade dos governos de manter suas contas equilibradas. Nessas nações, o rendimento está acima da média dos últimos 25 anos.
No Japão e no Reino Unido, o rendimento alcançou o mais alto patamar desse período. Isso significa que os investidores estão cobrando mais para emprestar a esses países, dado que consideram que os riscos se elevaram.
Nos Estados Unidos — onde a taxa de rendimento desses títulos está em 4,75%, enquanto a média dos últimos 25 anos é de 3,88% —, o impacto das tarifas sobre importações é apenas uma das dúvidas em relação ao futuro da economia. A crescente dívida do governo é outro problema que acende o alerta em boa parte dos analistas.
A França também vive um dilema com o rumo das contas públicas, em meio a um impasse político. Na Ásia, há uma preocupação com a política fiscal expansionista da provável nova primeira-ministra do Japão, Sanae Takaich, e com o ritmo do crescimento chinês.
“Acho que os riscos vêm de todos os lados”, afirma Luis Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners. “Mas boa parte é fiscal.”
A questão fiscal emergiu como um problema em quase todas as economias com a pandemia de covid-19, em 2020. À época, diversos países adotaram medidas de estímulos para suportar a interrupção das atividades.
Sócia da consultoria Tendências, a economista Alessandra Ribeiro destaca que o aumento do gasto público em todo o mundo, inclusive em países ricos, já é uma dinâmica conhecida do investidor. Ela pondera, porém, que novos fatores têm elevado as incertezas e que a sensação é de que a economia global está “azedando”.
Por ora, o cenário global não é de crise, mas os diversos focos de incerteza com o descontrole das contas públicas deixam a economia mundial numa conjuntura delicada, muito mais sensível à qualquer tropeço. De forma geral, essa conjuntura mais tensa tem sido contrabalanceada por um dólar mais fraco.
“Parece que a economia está andando numa linha tênue. O risco geopolítico aumentou e o risco fiscal no resto do mundo também”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management. “A inflação também não está vindo forte, o que ajuda muito. E, no final, o dólar se enfraqueceu. Quando o dólar se enfraquece, é bom para o resto do mundo.”
Por outro lado, Alessandra Ribeiro destaca que o fato de a situação fiscal da França estar piorando pode gerar uma turbulência mundial. A França tem a segunda maior economia da União Europeia, atrás apenas da Alemanha. Se em 2010, a crise em países menores como Espanha e, principalmente, Grécia já tumultuou o cenário global, uma deterioração na França teria impactos maiores.
O que está acontecendo nesses países?
Nos Estados Unidos, o dilema fiscal estava no radar desde antes da campanha presidencial do ano passado. Eleito para um novo mandato, o presidente Donald Trump desenhou uma fórmula arriscada em seu governo, na qual as tarifas de importação vão ajudar a bancar o projeto orçamentário já aprovado e batizado de “One Big Beautiful Bill” (Um grande e belo projeto). Isso deve aumentar a dívida pública dos Estados Unidos em cerca de US$ 3,3 trilhões (R$ 18 trilhões) ao longo dos próximos anos.
A grande dúvida é se essa equação vai parar de pé. Em novembro, a Suprema Corte dos EUA deve julgar se o presidente Trump tem o poder de impor tarifas. “Se Trump perder, acho que a gente vai ter um problema. Não vai ficar com a receita para fechar o buraco”, avalia Leal.
Mesmo se as tarifas continuarem valendo, os Estados Unidos seguirão com um déficit nas contas públicas, o que levará ao aumento do endividamento. No ano passado, a dívida dos EUA chegou a 98% do PIB, um pouco acima do observado em 2023 (97% do PIB).
Em maio, a agência de classificação de risco Moody’s — uma das mais importantes do mundo — rebaixou a nota de crédito do país de ‘Aaa’ para ‘Aa1’ e alterou a perspectiva de negativa para estável diante do aumento da dívida do país. A Moody’s estima que a dívida americana vai alcançar 134% do PIB de 2035.
Ribeiro, da Tendências, acrescenta que o fator extra de preocupação em relação aos EUA é a tentativa de interferência de Trump no Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Com o término do mandato do atual presidente do Fed, Jerome Powell, em maio, cresce a tensão entre os investidores de que o indicado a substituí-lo seja alguém mais condescendente com a inflação.
O ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Kenneth Rogoff disse, no fim de setembro, estar preocupado com a possibilidade de uma crise fiscal nos EUA. “Existe a probabilidade de que nos próximos cinco anos os Estados Unidos tenham problemas fiscais sérios”, afirmou ao participar de evento promovido pelo Itaú BBA. “E a França também já está com esses problemas”, acrescentou.
Qual a situação da França?
A crise fiscal também que atinge a França se soma a um impasse político que culminou na renúncia do primeiro-ministro Sébastien Lecornu na segunda-feira, 6. Na sexta-feira, 10, ele foi reconduzido pelo presidente francês, Emmanuel Macron.
O rendimento dos títulos de 30 anos franceses estão hoje em 4,32%. A média dos últimos 25 anos é de 3,31%.
O país viu o seu endividamento crescer de forma acelerada nos últimos anos. Sem uma estabilidade política, os analistas não enxergam uma solução para o dilema das contas públicas tão cedo. No ano passado, o governo francês registrou um déficit de 5,8% do PIB. É um desempenho pior do que o observado em outros países da zona do euro, como Itália e Grécia, que enfrentaram duras crises no início dos anos 2010.
No Japão, há uma dúvida com a agenda econômica da provável nova primeira-ministra, Sanae Takaichi. Ela venceu a disputa dentro do Partido Liberal Democrata (PLD) e deve ser a primeira mulher a liderar o governo japonês — Takaichi ainda precisa do aval do parlamento. Na sexta-feira, 10, a aliança em torno da política sofreu um abalo com a saída do partido Komeito da coalizão.
Conservadora, Takaichi prometeu aumentar o gasto público, num contexto em que a dívida já é elevada e que a inflação roda acima da meta de 2%. “O problema do Japão é mais conjuntural. A líder do PLD é vista como expansionista, mas acho que é uma questão de colocar os pingos nos ”is” e não ir tão longe assim”, diz Leal.
A relação dívida/PIB do Japão é superior a 200% há cinco anos. Hoje, o rendimento dos títulos de 30 anos do país está variando entre 3,2% e 3,3% — o patamar mais elevado dos últimos 25 anos.
Como está o crescimento chinês?
Por fim, a economia chinesa vem apresentando dados fracos de crescimento. O país lida com uma crise imobiliária e um cenário complexo. A taxa de poupança é alta — cerca de 40% do PIB — e a predisposição do chinês para consumir é baixa.
“As coisas acabam se misturando. A China tem um problema de consumo por causa do excesso de poupança. Esse excesso de poupança acaba gerando um sobre investimento, que vai gerar um excesso de capacidade”, afirma Leal. “Esse excesso de capacidade acabou criando uma bolha imobiliária e, quando ela estoura — dado que boa parte da poupança é em imóvel —, você piora ainda mais a situação de consumo.”
O futuro econômico da China depende, em parte, de como a economia global vai se rearranjar com o tarifaço de Donald Trump. Hoje, 32% das manufaturas produzidas no mundo são fabricadas pelos chineses, mas eles só consomem 12%. O excedente acaba sendo exportado.
No primeiro semestre, a antecipação de exportações, por causa do tarifaço, ajudou a economia chinesa a ter um desempenho acima do esperado, mas analistas apontam para o risco de a China crescer abaixo da sua meta de 5% neste ano. Em abril, a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) era de 4%.
Em agosto, o gigante asiática colheu uma série de dados econômicos decepcionantes para seus padrões. A produção industrial cresceu 5,2% na comparação anual de agosto, abaixo do apurado em julho (5,7%). Também em agosto, as vendas no varejo subiram 3,4%, um resultado também mais fraco do que o do mês anterior (alta de 3,7%).
“Para a China sustentar taxas de crescimento elevadas, será fundamental fortalecer o consumo doméstico, idealmente por meio de reforços à seguridade social, o que aumentaria a confiança das famílias e estimularia a demanda doméstica”, informou o Itaú em relatório divulgado na sexta-feira, 10. O banco estima crescimento de 4,7% neste ano e de 4% em 2026.
O que o Brasil tem a ver com isso?
Para o economista Marco Antonio Caruso, do Santander, o modo mais expansionista como diferentes países do mundo têm conduzido sua política fiscal favoreceu o Brasil recentemente. Segundo ele, a percepção de risco em relação à situação fiscal brasileira acabou se reduzindo. “Essas questões externas fizeram com que o grau de atenção para o quadro do Brasil diminuísse. Surgiu uma certa tolerância com o País.”
Alessandra Ribeiro, da Tendências, no entanto, diz que uma intensificação desses riscos internacionais pode fazer com que investidores recorram a ativos considerados mais seguros, como o ouro. Nesse caso, ainda que a situação fiscal dos Estados Unidos não seja das melhores, capitais também podem ser desviados para o país — tido como mais estável.
“Não vejo o Brasil se beneficiando disso. Se os riscos se concretizam, acaba havendo um efeito negativo no PIB global e nós somos contaminados.”
Reprodução. Confira o original clicando aqui!