Outro jeito de analisar ministros da Fazenda – O Estado de S. Paulo
- Na Mídia
- 05/06/2025
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‘Os homens da moeda’ analisa como os ministros da Fazenda da Nova República pensaram e influenciaram a política econômica do País
Por Maílson da Nóbrega*
São vários os livros que se dedicam a analisar o trabalho de ministros da Fazenda de distintos períodos da economia brasileira. De um modo geral, eles narram a atuação dos biografados, as dificuldades de formular e conduzir a política econômica e os desafios de enfrentar as complexidades do ambiente político e econômico em que desenvolveram sua missão. O professor da Escola de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Ivan Colangelo Salomão organizou uma obra distinta, intitulada Os homens da moeda: o que pensavam os ministros da Fazenda da Nova República (1985-2018).
A descrição do trabalho dos ministros não omite as ideias e propostas típicas de sua atuação, bem como seus êxitos e fracassos. Vai além, ao abordar o Zeitgeist de cada época. De forma inédita, analisa o pensamento dos titulares do cargo e como evoluíram, inclusive para, em muitos casos, professar visões distintas daquelas que defendiam antes de assumir o comando da economia brasileira. O livro incursiona nas influências intelectuais que moldaram seu modo de pensar e na adoção de suas ideias ao formular ou modificar a política econômica. Ao mesmo tempo, compara o trabalho dos ministros com as teorias econômicas dominantes em seus respectivos tempos. A prova do fôlego desse método é a extensa bibliografia apresentada ao fim de cada capítulo.
O período abrangido pelo livro foi testemunha de grandes transformações pelas quais passou a economia brasileira. A Nova República teve início sob inflação de três dígitos, alcançada ainda no período militar, que havia sido agravada por uma espiral preço-salários deflagrada pela mudança da política salarial do último governo militar, de João Figueiredo (1979-1985). Procurando atenuar a expressiva perda do poder de compra dos trabalhadores, o ministro do Planejamento Delfim Netto alterou a periodicidade do reajuste salarial, de anual para semestral, cuja fórmula de cálculo levava em consideração a inflação passada. Antes disso, o controle oficial de preços já admitia reajustes utilizando de certa forma o mesmo método, o que levara Mário Henrique Simonsen a identificar pioneiramente o problema da inércia inflacionária (nome escolhido posteriormente), a que denominou de “retroalimentação inflacionária”.
Outra herança da época foi a crise da dívida externa, iniciada com a moratória mexicana anunciada em agosto de 1982, cuja solução somente começou a ser engendrada e resolvida com o Plano Brady, apresentado pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas Brady, em 1989. O default decretado pelo México deu origem ao nosso acordo de janeiro de 1983 com o Fundo Monetário Internacional, que contribuiu para evidenciar, de forma definitiva, que a inércia inflacionária inviabilizava o uso isolado de políticas fiscais e monetárias para estabilizar os preços em níveis aceitáveis. Sua persistência acarretava efeitos sociais negativos de tal monta que as tornavam politicamente inviáveis.
Economistas brasileiros haviam formulado duas soluções para desindexar os preços e tornar factível o controle da inflação. A primeira era o congelamento de preços por um ano, associado à proibição de indexar automaticamente preços e salários à inflação passada. A proposta foi adotada primeiramente no Plano Cruzado (1986) e em outros quatro planos que o sucederam. Todos fracassaram. A segunda era a ideia simples e genial de André Lara Resende e Pérsio Arida, de mimetizar as hiperinflações europeias dos anos 1920, nas quais a indexação utilizava o dólar como unidade de conta. Quando a taxa de câmbio se estabilizava, a inflação acabava quase instantaneamente. Lara Resende e Arida se inspiraram nessa realidade para propor o modelo em que a unidade de conta era estabelecida pelo governo, no caso a Unidade Real de Valor (URV), que foi a base do bem-sucedido Plano Real.
O êxito do Real viabilizou a adoção de uma série de políticas públicas e reformas estruturais destinadas a consolidar a iniciativa, as quais propiciaram mudanças institucionais de monta, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a importante reforma do Estado caracterizada pela privatização de grandes empresas estatais – entre elas a gigante Telebrás – e pela concessão dos serviços de infraestrutura de energia e transportes.
Depois do Plano Real, o País não retornou, felizmente, a certas políticas do passado, como o controle de preços, embora resquícios da antiga estratégia de substituição de importações resistam por meio de políticas industriais nas quais sobrevivem o protecionismo e os incentivos fiscais responsáveis por renúncias tributárias substanciais. Continuamos longe da abertura da economia para submeter a indústria à competição internacional e para estimular a inovação. A insustentável situação fiscal permanece uma ameaça ao futuro próximo da economia brasileira.
Os homens da moeda é altamente recomendável para quem se interessa por entender essas e outras transformações da economia brasileira, assim como os desafios enfrentados pelos ministros da Fazenda da Nova República.
*Maílson da Nóbrega é sócio da Tendências Consultoria e foi ministro da Fazenda
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