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Os juros de mora e a atualização monetária dos débitos judiciais – Jota

Apesar de recente tentativa de resolução por parte do legislador e do CMN, debate está longe do fim

Por Mirela Scarabel* e Melissa Borges Oña**

O Código Civil de 1916 estabeleceu que um devedor, ao não cumprir uma obrigação, entra em mora, tornando-se inadimplente. Em decorrência disso, o credor pode exigir a reparação de perdas e danos, abrangendo, além do que efetivamente foi perdido, aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar.

Em 1966, foi instituído o Código Tributário Nacional, que estabeleceu que o devedor era obrigado a pagar juros de mora à taxa de 1% ao mês, caso a lei não dispusesse de modo diverso. Com relação à correção monetária, não havia disposição legal específica para um índice oficial.

Já em 2002, foi instituído o novo Código Civil, o qual estabeleceu que, no entendimento de parte do judiciário, o devedor responde pelo pagamento pelas perdas e danos com atualização monetária e juros moratórios pela Selic. Ou seja, a Selic neste caso engloba juros moratórios e correção monetária.

No direito, surgiram duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais quanto à taxa dos juros moratórios legais. A primeira defende que a taxa deve ser de 1% ao mês, enquanto a segunda sustenta que a Selic é a taxa aplicável à mora.

Com a entrada em vigor da Lei 14.905, de 28 de junho de 2024, tal imbróglio foi dissipado ou, a depender do ponto de vista, despertado. Essa legislação estabeleceu que o índice oficial de correção monetária passou a ser o IPCA, enquanto o índice oficial da taxa de juros de mora (“taxa legal”) passou a corresponder à taxa Selic, deduzida do IPCA-15. Assim, apesar das peculiaridades na forma de capitalização, pode-se dizer que prevaleceu, em termos gerais, a vertente de que os juros de mora seriam equivalentes à taxa Selic.

Sob a racionalidade econômica e conforme abordado por Posner na análise da relação entre direito e economia, os juros de mora têm função compensatória e punitiva. Trata-se de uma penalidade aplicada ao devedor que não cumpre a obrigação no prazo estipulado, logo os juros de mora visam não apenas compensar o credor pela demora, mas também desestimular a inadimplência.

Os juros de mora deveriam, portanto, ser superiores à Selic capitalizada de forma composta. A Selic é o principal custo de oportunidade da economia brasileira, o que deixa os agentes econômicos indiferentes em relação ao valor do dinheiro no tempo. Aplicá-la a um devedor inadimplente gera incentivo para que o devedor postergue o cumprimento de suas obrigações.

Em suma, a Selic capitalizada de maneira composta como juros de mora cumpre a função de compensação pela demora no pagamento, mas não tem caráter punitivo. A Selic capitalizada de forma simples, como é aplicada atualmente nas condenações em face da Fazenda Pública, tampouco consegue exercer ambas as funções.

Então, seria a combinação de IPCA mais juros de mora de 1% ao mês mais adequada que a aplicação da Selic (juros de mora que já engloba correção monetária)? Não necessariamente.

Para que o IPCA mais juros de mora de 1% ao mês exerça as funções desejadas de compensação e punição, ele deve exceder a taxa Selic capitalizada de forma composta e isso depende do contexto econômico do momento, não sendo uma característica inerente da taxa. Há momentos, por exemplo, em que a combinação de IPCA mais juros de 1% ao mês foi menor do que a Selic, como nos períodos de janeiro de 1992 a maio de 2000, de dezembro de 2003 a maio de 2004 e de novembro de 2005 a novembro de 2006, quando avaliada no período de 12 meses.

Portanto, ambas as alternativas – Selic ou a combinação de IPCA mais juros de 1% ao mês – possuem fraquezas que precisam ser observadas. Mas, no curto prazo, com a entrada em vigor da Lei 14.905, a despeito do benefício da eliminação da incerteza quanto à aplicação dos juros de mora, a sensação que paira é de piora institucional. Esta sensação advém da substituição de uma regra que recentemente tem cumprido as funções desejáveis dos juros de mora (pois tem sido maior que a Selic capitalizada de maneira composta) por outra que peca nestes atributos (dado que a combinação de IPCA mais taxa legal capitalizada de maneira simples no geral é menor que a Selic capitalizada de maneira composta).

Além disso, outros aspectos da Resolução CMN 5.171/2024 precisarão ser revisados – por exemplo, a coexistência dos conceitos de juros simples e compostos. A nova taxa legal mensal é apurada com base na capitalização composta, porém as taxas mensais são capitalizadas de maneira simples ao longo do período considerado.

O propósito de uniformizar os juros de mora com a aplicação da taxa legal também não foi alcançado. Quando o devedor é a Fazenda Pública, se aplica a taxa Selic acumulada de forma simples. Quando o devedor não é a Fazendo Pública se aplica a taxa legal com capitalização mensal simples, mas combinada com o IPCA, que sempre é acumulado de forma composta.

A própria coexistência entre o IPCA-15 e o IPCA pode trazer alguns desafios.

Portanto, as discussões sobre o tema de juros de mora, apesar da recente tentativa de resolução por parte do legislador e do Conselho Monetário Nacional, ainda estão longe do fim.

*Mirela Scarabel é economista da Tendências Consultoria

*Melissa Borges Oña é economista da Tendências Consultoria

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