Os impactos da reforma tributária no setor de resíduos sólidos – Reforma Tributária
- Na Mídia
- 13/03/2025
- Tendências

Por Fábio Tieppo*, Mariana Palandi** e Mário Westrup***
A Reforma Tributária deve ensejar uma série de disputas envolvendo o reequilíbrio econômico-financeiro de contratos, dentre os quais estão os contratos de concessão e parcerias público-privadas (PPPs) no setor de resíduos sólidos.
Os desafios impostos pelas mudanças no sistema tributário são multifacetados: vão desde o aumento da carga tributária e a necessidade de adequação operacional das empresas até a complexidade técnica dos processos de reequilíbrio, agravada pela descentralização das contratações que é feita pelos municípios.
O impacto financeiro mais direto a ser observado decorre da alteração da alíquota efetiva. Como o setor de resíduos sólidos não foi contemplado dentre aqueles que terão redução de alíquota, ele será afetado pelo valor “cheio” do tributo, aumentando sua carga tributária e pressionando as margens de lucro.
Algumas empresas, no entanto, serão mais afetadas do que outras. A depender de suas características específicas, como estrutura de custos e a possível geração de créditos, é possível que a sua alíquota efetiva seja até mesmo reduzida.
Outros impactos também são esperados. Por exemplo, custos da transição relacionados à adequação de sistemas contábeis e assessoria jurídica, além de adequações na gestão do capital de giro das empresas, sobretudo decorrentes da alteração na mecânica de aproveitamento de créditos prevista na Reforma.
Sobre esse último tema, a Reforma Tributária estabelece uma mudança importante: apesar de a empresa só poder recuperar o imposto pago em suas compras após efetivamente pagar seus fornecedores, ela terá que recolher o imposto sobre suas vendas assim que entregar o produto ou receber o pagamento (o que acontecer primeiro). Na prática, quando uma empresa comprar mercadorias a prazo, ela terá que pagar o imposto sobre seus serviços antes de poder recuperar o imposto que pagou em suas compras. Ou seja, essa nova sistemática implicará alterações na disponibilidade de recursos.
Além disso, atividades complementares, como a exploração de receitas oriundas da reciclagem, poderão ser afetadas pelas mudanças na demanda e nos custos tributários. Destaca-se a previsão do texto da Lei Complementar 214/2025, a primeira que regulamenta a Reforma, indicando a possibilidade de um crédito presumido a quem adquirir materiais recicláveis de “coletores incentivados”, no montante de 20% (art. 170).
Todas essas alterações, que decorrem de atos do governo não previstos nos contratos, implicam a necessidade de reequilibrar os contratos de concessão e PPPs do setor de resíduos sólidos.
Longe de trivial, esse processo demandará análise das especificidades técnicas de cada contrato, com necessários estudos individualizados e rigorosos, que respeitem a matriz de risco de cada contrato. A análise dos pleitos demandará alta capacidade técnica, a fim de qualificar e estimar os inevitáveis desequilíbrios ou até mesmo a inviabilização de certos contratos.
Uma vez definidos e quantificados tais desequilíbrios, deve-se passar à etapa seguinte: buscar restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, o que implica um desafio adicional: usualmente os contratos de concessão e PPPs de resíduos sólidos são pactuados na esfera municipal. Esta característica estrutural pode resultar na adoção de critérios heterogêneos nos processos de reequilíbrio, potencializando a insegurança jurídica em todo o setor. Soma-se a isso uma questão crítica relacionada aos municípios de menor porte, que é a carência de expertise técnica necessária para avaliar adequadamente os impactos da Reforma Tributária nos contratos e, ainda, conduzir os procedimentos de reequilíbrio contratual.
Outro aspecto relevante diz respeito às alternativas para reequilibrar os contratos. No caso de reequilíbrio por meio de aumento de receita, por exemplo, não poderá haver comprometimento das finanças do município. No caso de reequilíbrio por meio de extensão do prazo contratual, a possível redução das margens de lucro das empresas faz com que o reequilíbrio por extensão do prazo seja menos interessante. Em termos práticos, com margens mais estreitas, a prorrogação do período de concessão gera benefícios financeiros menores, exigindo, consequentemente, extensões mais longas para atingir o reequilíbrio necessário, o que pode se tornar inviável. Uma terceira forma de reequilíbrio – a realização de aportes pelo Poder Concedente – é ainda mais improvável.
Dessa forma, a solução de reequilíbrio deverá passar por um modelo complexo, contemplando uma combinação de aumento da receita e extensão do prazo do contrato, além de alterações no conjunto de obrigações.
Diante desse cenário, o setor de resíduos sólidos deve buscar uma adaptação proativa às mudanças trazidas pela Reforma Tributária. Isso inclui, entre outros, a reavaliação de seus contratos, a revisão de estratégias financeiras e operacionais e a colaboração com os órgãos reguladores para mitigar os custos de transição, além de uma capacitação e homogeneização dos processos de reequilíbrio entre os diversos municípios envolvidos.
O caminho para a estabilização do setor demandará um esforço conjunto entre poder público e iniciativa privada, com soluções que combinem diferentes mecanismos de reequilíbrio, respeitando as capacidades financeiras dos municípios e as particularidades de cada contrato. O sucesso dessa transição será fundamental não apenas para a saúde financeira das empresas, mas principalmente para garantir a continuidade e qualidade deste serviço essencial.
*Fábio Tieppo é consultor da Tendências Consultoria. Mestre em Teoria Econômica pela FEA/USP. Bacharel em Engenharia de Produção pela POLI/USP e em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com pós-graduação em Administração de Empresas pela FGV-SP.
**Mariana Palandi é consultora da Tendências Consultoria. Mestre em Administração de Empresas pelo Insper e Bacharel em Ciências Econômicas pela PUC-SP.
***Mário Westrup é consultor da Tendências Consultoria. Doutor e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Possui MBAs em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas e em Finanças e Mercado de Capitais pelo Instituto de Finanças de Nova Iorque. Bacharel em Ciências Contábeis pela UNESC e em Relações Internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
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