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O que pensa a nova classe média? Diploma perde relevância, mas casa própria ainda é sonho – O Globo

Levantamento da Quaest a pedido do GLOBO mostra que aspirações e valores mudaram. Famílias também estão menores e carteira assinada dá lugar ao empreendedorismo

O Brasil voltou a ser um país de classe média em 2024 e seguirá assim, com poucas mudanças na sua estratificação social, pelos próximos dez anos. Hoje, 50,1% dos brasileiros estão nas classes C, B e A — ou seja, metade da população está ao menos no patamar médio de padrão de vida, algo que não ocorria desde 2015. Projeções da Tendências Consultoria mostram que os próximos anos serão de progressão lenta, com o país chegando a 2034 com 54,7% da sua população acima das classes D e E.

Se os números proporcionais na pirâmide social andam de lado, os valores mudaram. Esta é uma outra classe média, com novas aspirações e percepções da sociedade. Levantamento feito pela Quaest com exclusividade para o GLOBO mostra que ícones do imaginário tradicional da classe média já perderam o seu brilho.

O diploma universitário, por exemplo, deixou de ser importante para quase metade desses brasileiros. Por outro lado, o empreendedorismo está em alta. A família encolheu, e o mais comum é ter duas ou três pessoas em casa. Mas a casa própria ainda é uma das principais aspirações.

Nostalgia e imediatismo

Essa nova classe média quer saúde e educação providos pelo Estado e é contra a privatização de estatais tradicionais como Petrobras e Banco do Brasil. E há uma nostalgia: mais da metade acredita que o Brasil era melhor “no tempo dos nossos avós”.

Para o cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest, a desvalorização da faculdade é reflexo de uma perspectiva mais imediatista da realidade nos estratos médios:

— Há uma tentativa de se ganhar dinheiro com menos esforço. É uma visão nova de empreendedorismo e imediatismo, muito explicada pelo comportamento digital, do prazer do consumo rápido. É um sentimento que contamina a visão do trabalho. O esforço para se chegar ao ensino superior não está tão valorizado, e seu retorno já não é tão direto e objetivo quanto antes.

Na última década, o diferencial de renda de quem conclui uma faculdade caiu. Em 2012, ter diploma representava, em média, um salário 152% superior em relação a quem só fez o ensino básico. No ano passado, era 126%, segundo estudo da economista Janaína Feijó, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Diploma desvalorizado

Segundo Lucas Assis, economista da Tendências, é lenta a migração das classes mais baixas, D e E, com renda domiciliar de até R$ 3.400, para as classes C e B, nas quais os ganhos vão de R$ 3.400 a R$ 25 mil, e para a A, que agrupa pessoas com renda familiar média acima de R$ 25 mil.

— Isso acontece em países de alta desigualdade de renda, com baixa mobilidade social, como Brasil.

Professores de História, Clara Marques, de 28 anos, e Rafael Duarte, de 36, são casados há seis anos e hoje ganham a vida principalmente como criadores de conteúdo on-line. É uma família que se considera de classe média alta, mas com renda domiciliar superior a R$ 40 mil, acima do intervalo médio da classe B no país. Ela com mestrado e ele com doutorado têm visões um pouco diferentes sobre a importância do ensino superior.

— Essa ideia (de desvalorizar diploma) tem circulado muito nesse mundo de marketing e da internet — diz Rafael, que tem 180 mil seguidores no YouTube. — Para mim, é uma completa balela. O ensino superior tem ganhos intangíveis que não são só educação. Dá mais facilidade para fazer uma correção de rumo, de se adaptar. É um espaço de formação, de pesquisa, de conhecimento.

Clara também reconhece o valor da instrução, mas avalia que a academia se descolou do mercado de trabalho. Outras habilidades exigidas hoje, como gestão e gerenciamento de conflitos nem sempre estão associadas à faculdade:

— O ensino superior não tem acompanhado a vida real. Encastelou-se.

Endividamento

Clara e Rafael não têm filhos — uma tendência crescente, 23% dos brasileiros em classe média vivem só com uma pessoa, e 10% moram sozinhos, segundo o levantamento da Quaest —, mas é um desejo do casal. Eles entraram na fila de adoção.

O levantamento da Quaest, com dados colhidos no ano passado, mostra que a classe média está pessimista com a situação econômica. Para 41%, a economia piorou nos 12 meses anteriores. Entre os mais pobres, nas classes D/E, essa parcela é menor: 37%. Isso ocorre num momento de maior expansão do PIB — a economia brasileira cresceu 3,5% no ano passado pelas projeções — e de desemprego no menor patamar em 12 anos. Nunes atribui esse descolamento a três fatores:

— Isso reforça a ideia de que “ninguém come PIB” (numa referência à frase da economista Maria da Conceição Tavares, que morreu no ano passado). Outro ponto são as dívidas das famílias, acumuladas nos últimos anos de crise. E existe um componente político com a polarização. Os mais pobres estão mais otimistas que a classe média e alta.

Pelo levantamento, apenas 23% da classe média não têm dívidas. Mas o que é ser classe média do ponto de vista das famílias? Para Clara, com renda que a enquadra na classe alta, ser classe média é “querer muito ficar rico e morrer de medo de ficar pobre”.

A família do servidor público do Estado do Rio Márcio Pereira das Chagas, de 59 anos, que vive com a esposa e as duas filhas na comunidade Pereira da Silva, na Zona Sul do Rio, tem uma renda domiciliar de R$ 10 mil, mas que oscila, já que a esposa Suzana Cristina Pereira é cozinheira e trabalha informalmente.

— Eu cresci sabendo que existiam três classes: alta, média e baixa. Hoje, dizem que a classe C é média, mas, para mim, quem tem minha renda ainda está na classe baixa.

Chagas fala com certa nostalgia do tempo de seu pai. Diz que ele teve mais facilidade para criar sete filhos do que ele tem para educar duas filhas. No levantamento da Quaest, 55% da classe média acham que a situação era melhor no tempo dos avós. A parcela cai para 50% na classe alta, e sobe para 64% na baixa.

A educação é importante para a família de Márcio. A filha Sarah Cristina, de 21 anos, estuda jornalismo em uma faculdade particular com uma bolsa de 60%.

— Eu me vejo trabalhando mais com carteira assinada, mas acredito que isso pode mudar no futuro. Talvez trabalhar como freelancer me traga mais liberdade — diz a jovem.

Menor apego a Carteira

Na família de Clara e Rafael, a carteira assinada tem perdido espaço para o trabalho autônomo. Ela se dedica somente a cursos on-line para ajudar professores a adaptar seu ensino às redes por contra própria:

— Gosto de administrar meus horários. Não quero mais acordar 5h30 da manhã para ir para a escola dar aula.

Ele mantém vínculo com duas escolas, mas dedica tempo considerável à produção de conteúdo para a internet:

— Sou apegado à CLT. Gosto do adicional de um terço de férias e 13º salário.

Reprodução, confira o original clicando aqui!