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O impacto real do fim dos incentivos aos defensivos agrícolas – Jota

Retirada tem impacto direto sobre preços, produção, emprego e segurança alimentar

Há quase dois meses, as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5553 e 7755 tiveram seu julgamento retomado no Supremo Tribunal Federal. Ambas questionam os benefícios fiscais concedidos aos defensivos agrícolas no país.

De lá para cá, foram seis sessões sobre o tema: a primeira com sustentações das partes sobre a revisão dos benefícios e as últimas duas, com votos proferidos – 3 deles reconhecendo constitucionalidade do incentivo fiscal; 2 sinalizaram parcial constitucionalidade, sob diretrizes para a concessão; o outros 2 em desfavor do benefício. Outros 3 votos estão pendentes no julgamento.

A ADI 5553 trata da redução do ICMS prevista no Convênio 100/97 e a isenção de IPI na Tabela de Incidência (TIPI), enquanto a ADI 7755 amplia a discussão e inclui a redução das futuras alíquotas do IBS/CBS, criadas pela reforma tributária. Os autores das ações afirmam que os benefícios em pauta violam a Constituição, sustentando que defensivos são produtos nocivos e não essenciais, sem qualquer consideração ao processo regulatório e ao sistema de avaliação de risco que regem a aprovação de insumos, bem como o papel desses produtos para produtividade e segurança alimentar.

No voto da ADI 5553, o ministro responsável pelo caso, Edson Fachin, defendeu o fim dos incentivos e afirmou que isso não aumentaria o preço dos alimentos. Contudo, as evidências apresentadas no próprio processo indicam o contrário.

O que mostram os dados 

Estudo da Tendências Consultoria (2024), juntado aos autos da ação, avaliou de forma detalhada o impacto econômico da retirada dos benefícios fiscais. A simulação considerou o aumento do ICMS médio de 3,5% para 17% e o restabelecimento do IPI em 7,4%.

O resultado demonstra de forma clara que o preço médio dos defensivos agrícolas subiria cerca de 25%, podendo chegar a 60% em alguns estados e produtos, dependendo das alíquotas locais e do tipo de defensivo utilizado. Essa variação impactaria diretamente no custo de produção das principais culturas, com elevação de 4,8% no feijão, 4,25% na cebola, 3,52% no tomate e 2,55% no arroz — todos produtos básicos na mesa das famílias brasileiras. Esses reajustes seriam suficientes para pressionar a inflação de alimentos, sobretudo entre as faixas de renda mais baixa.

A pesquisa também aponta que os defensivos agrícolas representam de 10% a 20% dos custos de produção em culturas alimentares e até 30% em culturas intensivas, como algodão e hortaliças. Isso significa que qualquer variação tributária sobre esses produtos tem efeito direto e rápido sobre o custo final de produção. Nenhum produtor consegue absorver sozinho um aumento de 25% em um insumo essencial. Parte é repassada ao consumidor e é nesse ponto que o impacto econômico ultrapassa as barreiras do campo e se transforma em questão social.

Da fazenda ao consumidor: efeito em cadeia 

O aumento do custo dos insumos agrícolas não afeta apenas quem planta. Ele atinge toda a cadeia de alimentos — indústria, transporte, distribuição e varejo.

O estudo da Tendências destaca ainda que os defensivos são insumos estratégicos para manter a produtividade agrícola e evitar perdas nas lavouras, reconhecendo a função no campo. Sem eles, a produção poderia cair entre 15% e 40%, dependendo da cultura analisada, o que elevaria ainda mais os custos, gerando escassez de alguns alimentos de alto consumo interno, como feijão, arroz e hortaliças.

Impacto econômico amplo 

A Tendências estima ainda que o fim dos benefícios reduziria o PIB agropecuário em R$ 6,5 bilhões, cortaria R$ 7,9 bilhões em produção agrícola e eliminaria cerca de 242 mil empregos ao longo da cadeia. Com menor produção e competitividade, o país arrecadaria menos, contrariando o argumento de que a retirada dos benefícios aumentaria a receita fiscal.

Esses números reforçam que a discussão vai além da tributação. Ela atinge a segurança alimentar, a inflação e a sustentabilidade da produção agrícola, sobretudo na mesa do cidadão.

Outras perspectivas, conclusões semelhantes 

O estudo acima não está isolado. Outras instituições chegaram a conclusões semelhantes.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em estudo de 2013, analisou o efeito dos custos agrícolas sobre os preços dos alimentos. O resultado mostra que eventual aumento de 10% nos insumos pode gerar uma elevação média de 1,5% a 3% nos preços dos alimentos básicos, dependendo da cultura e da estrutura de mercado.

Segundo o IPEA, em economias como a brasileira, com grande dependência de insumos na agricultura de larga escala e pouca margem de substituição, o repasse de custos é rápido e previsível.

A FAO, em seu relatório de 2021 sobre mercados agrícolas, reforça essa lógica. Segundo a organização, variações no custo de insumos como defensivos, fertilizantes e energia têm impacto direto sobre a inflação de alimentos e sobre o poder de compra das famílias. Esse efeito é mais forte em países emergentes, onde os custos de produção são mais sensíveis a variações tributárias e cambiais.

Já o CEPEA/ESALQ, em relatório técnico publicado em 2022, aponta que os defensivos representam de 15% a 20% do custo total de produção em culturas intensivas. O estudo também revela que aumentos expressivos de custo levam a redução de área plantada e a uma readequação de investimentos, o que limita a oferta e pressiona os preços internos.

Mesmo em momentos distintos, as três fontes convergem no mérito e dialogam com a análise da Tendências. Juntas mostram que o impacto tributário sobre os defensivos não é marginal e suas repercussões nos preços dos alimentos se materializam de forma real, concreta e mensurável.

Convênio 100/97: o que é e por que existe? 

Os benefícios fiscais aos defensivos agrícolas não foram criados por acaso.

O Convênio 100/97, firmado entre os estados no âmbito do CONFAZ, surgiu para equilibrar custos regionais, evitar distorções competitivas e conter pressões sobre os preços dos alimentos. A isenção de IPI segue o mesmo princípio: aliviar o peso tributário sobre insumos essenciais à produção de alimentos e garantir abastecimento interno em condições estáveis.

Esses mecanismos permitiram que o Brasil se tornasse um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, mantendo preços acessíveis no mercado doméstico.

Eliminar tais incentivos significaria romper esse equilíbrio, desarmonizando custo e preço, e afetando toda a cadeia alimentar, do campo à mesa.

Para além do patamar jurídico, é preciso que a votação dispense premissas isoladas, especialmente a de que a retirada dos benefícios seria neutra sobre os preços dos alimentos. As evidências econômicas, nacionais e internacionais, são notórias e apontam o oposto.

Decisões sobre tributos agrícolas não afetam apenas planilhas. Afetam o arroz, o feijão e o tomate do prato de quem come. Afetam o custo de vida e a segurança alimentar de milhões de brasileiros. É legítimo revisar incentivos e buscar eficiência fiscal, mas é preciso considerar dados, apontar lastros e conter suposições.

Não se trata apenas de uma política tributária, mas sim sobre garantias de acesso à alimentação e de estabilidade do um setor que sustenta boa parte da economia do país.

Reprodução. Confira o original clicando aqui!