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O impacto das ligas privadas no mercado de corridas de rua – Jota

À medida que o setor se estrutura em grandes circuitos fechados e eventos globais, dinâmica concorrencial deve ser acompanhada

Por Fabiana Tito*

O mercado de corridas de rua vive um momento de expansão no Brasil e no mundo. Movido por um público crescente e engajado, o setor movimenta milhões com inscrições, turismo, patrocínios e produtos licenciados. Ao mesmo tempo, esse ambiente dinâmico vem sendo moldado por estruturas organizacionais que não só geram importantes ganhos de escala e visibilidade, mas também levantam discussões sobre seus efeitos concorrenciais e regulatórios.

O exemplo mais emblemático é o circuito World Marathon Majors (WMM), que reúne as seis maratonas mais prestigiadas do mundo: Boston, Londres, Berlim, Nova York, Chicago e Tóquio. Embora tenha elevado o padrão de qualidade e segurança dos eventos, a criação de um circuito fechado, com critérios rígidos de entrada e práticas comerciais exclusivas, suscita reflexões sobre os limites entre coordenação legítima e restrição excessiva da concorrência.

Em novembro de 2024, a Maratona de Sydney foi anunciada como a sétima prova a integrar o circuito WMM, e os efeitos foram imediatos: houve uma explosão no número de inscrições, o que levou à adoção de sorteio como critério de entrada, e um significativo aumento nos valores cobrados para participação — sinalizando, mais uma vez, os impactos que a entrada em um circuito fechado pode gerar sobre o acesso, os preços e a estrutura concorrencial.

Um mercado aquecido, mas com acesso limitado

Participar de uma maratona do circuito WMM é o objetivo de milhares de corredores. A demanda é crescente: a Maratona de Londres de 2026 registrou um número recorde de interessados, com mais de 1,13 milhão de pessoas para cerca de 50 mil vagas, um aumento de 35% em relação a 2024. Em Boston, os tempos de qualificação foram recentemente endurecidos para controlar o volume recorde de inscritos. Em muitos casos, a distribuição de vagas ocorre por sorteio, tempo mínimo ou por intermédio de agências de turismo credenciadas com exclusividade, muitas vezes atrelando a inscrição à compra de pacotes completos.

Esse modelo de acesso restrito, com acordos comerciais exclusivos, levanta questões sobre transparência, acessibilidade e possíveis práticas que podem afetar negativamente a concorrência, como a venda casada ou o uso de cláusulas restritivas na distribuição.

Impactos sobre organizadores e patrocinadores

As maratonas que não integram o circuito WMM enfrentam atualmente um ambiente competitivo desafiador. A visibilidade, o prestígio e a concentração de patrocinadores nas provas majors elevam as barreiras para eventos concorrentes, que muitas vezes precisam oferecer incentivos elevados para atrair corredores ou disputar a atenção de patrocinadores.

Em termos de plano organizacional, o circuito WMM se assemelha à lógica de uma liga esportiva privada, com estrutura centralizada, calendário próprio, regras de adesão, critérios de qualificação e contratos exclusivos de mídia e distribuição. Esse tipo de modelo pode ser eficiente para a organização e padronização de eventos, mas precisa ser avaliado sob a perspectiva dos efeitos que gera sobre o funcionamento competitivo do mercado como um todo.

Considerações regulatórias e econômicas

Do ponto de vista regulatório e econômico, o funcionamento de circuitos como o WMM ilustra bem os desafios de avaliar colaborações empresariais em mercados com fortes características de rede e reputação. A literatura econômica reconhece que tais colaborações podem gerar ganhos relevantes de eficiência e bem-estar — como qualidade superior, segurança e arrecadação para causas sociais. No entanto, é necessário avaliar se os benefícios superam os custos concorrenciais associados à exclusividade, limitação de participantes e barreiras à entrada.

A lógica da regra da razão — consagrada na análise antitruste — parece particularmente adequada a esse tipo de avaliação, permitindo ponderar os efeitos positivos e negativos de estruturas colaborativas em mercados esportivos. No caso das corridas de rua, práticas como distribuição exclusiva, critérios restritos de participação e acordos comerciais pouco transparentes são aspectos que, embora muitas vezes legítimos, devem ser analisados com rigor quando passam a afetar o equilíbrio competitivo e o acesso dos diversos agentes envolvidos.

Conclusão

O crescimento do mercado de corridas de rua representa uma oportunidade relevante para a economia do esporte, o turismo e o bem-estar social. No entanto, à medida que o setor se estrutura em torno de grandes circuitos fechados e eventos globais, é importante que a dinâmica concorrencial e as práticas comerciais sejam acompanhadas com atenção, especialmente à luz dos princípios de política de concorrência.

A análise econômica pode contribuir para identificar, de forma equilibrada, quais práticas são necessárias para garantir eficiência e qualidade e quais poderiam gerar efeitos excludentes ou assimetrias de acesso no mercado. A evolução desse setor, portanto, oferece um campo fértil para reflexões mais amplas sobre o papel da regulação e do antitruste em atividades esportivas organizadas de forma privada.

*Fabiana Tito é sócia e diretora de Novos Negócios da Tendências Consultoria. Doutora em Economia pela FEA/USP, é especialista em defesa da concorrência. Maratonista, foi a 7ª mulher brasileira a ter concluído o circuito World Marathon Majors (WMM)

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