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O governo começa a parar – O Estado de S. Paulo

Gerir o Orçamento está se tornando, pois, missão penosa. É palpável o risco de ‘shutdown’ (paralisia) da atividade governamental

Por Maílson da Nóbrega*

Chegou a conta da marcha da insensatez fiscal iniciada com a Constituição de 1988 e continuada com medidas de expansão de gastos da maioria dos governos desde então, particularmente os do PT. Sim, há um grave, crescente e, em breve, total esgotamento do espaço para realizar despesas discricionárias do governo federal. As obrigatórias avançaram sistematicamente a partir da promulgação da Carta Magna. Elas correspondiam, em 1987, a 37% dos gastos primários da União. Subiram para 96%, atualmente, compreendendo as explicitamente mandatórias (pouco mais de 90%) e os pisos das áreas de educação, saúde e investimentos.

Sobra apenas 4% para financiar despesas correntes e as relativas a políticas públicas relevantes associadas à agropecuária, à ciência e tecnologia, à cultura e a outras. Pior, os itens obrigatórios, especialmente os previdenciários, crescem mais rapidamente do que os demais. Daí a velocidade da perda da margem de manobra fiscal. Em 2023, a Secretaria do Tesouro Nacional mostrou que os gastos discricionários ocupariam 100% do espaço orçamentário em 2032. Em 2024, o Ministério do Planejamento antecipou o prazo para 2029 e agora para 2027, ao divulgar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias. A Instituição Fiscal Independente acaba de informar que isso pode acontecer já em 2026.

É crescente a inviabilidade do arcabouço fiscal, inclusive porque o Congresso se mostra intolerante à estratégia de aumento de receitas para cumprir metas fiscais, embora, incoerentemente, atue para aumentar as despesas. Neste ano, até aqui, elevou os gastos em mais de R$ 100 bilhões, o que piora o já estreitíssimo espaço para cortes permanentes de gastos. Os contingenciamentos são temporários, pois é difícil manter parte deles sem prejudicar o funcionamento do Estado. Gerir o Orçamento está se tornando, pois, missão penosa. É palpável o risco de shutdown (paralisia) da atividade governamental.

No limite, sem recursos, o governo para de funcionar. Sinais dessa realidade já se acumulam em 2025. O Exército suspendeu o programa de formação de atletas olímpicos. Os orçamentos das agências reguladoras caíram 25%. Três delas (ANP, ANM e Aneel) suspenderam parte da fiscalização. A Anac teme o aumento de riscos para as operações da aviação civil, “elevando a possibilidade de incidentes ou acidentes aeronáuticos”. A Anatel disse que a “restrição orçamentária atingiu diversos projetos em andamento, entre eles o bloqueio de bets ilegais”. O IBGE enfrenta dificuldades para realizar pesquisas. Sete dos dez aviões da FAB que transportam ministros estão no solo por falta de peças de reposição.

Claro, situações como essas não podem ter continuidade. Em algum momento, o governo ver-se-á obrigado a mudar as metas do arcabouço fiscal ou criar mais exceções, como já solicitado pela Advocacia-Geral da União ao Supremo Tribunal Federal (STF) para viabilizar o ressarcimento dos aposentados e pensionistas que sofreram descontos não autorizados em seus rendimentos. Tudo isso vai reduzir a capacidade de gerar superávits primários, que já são insuficientes – apenas zero em 2005 – para evitar o crescimento da relação entre a dívida pública e o PIB. Em recente relatório, o Banco Mundial estimou que será necessário um superávit primário de 3% do PIB para estabilizar, em seguida reduzir aquela relação e assim evitar que ela ingresse em tendência explosiva, tornando insustentável a situação fiscal do País.

O que fazer em tais circunstâncias? A solução está na realização de reformas estruturais que devolvam a flexibilidade ao Orçamento, para assim assegurar a geração do superávit indicado pelo Banco Mundial. A lista é conhecida e seus principais pontos são: 1) uma nova reforma da Previdência que elimine regimes diferenciados e idades distintas de aposentadoria; 2) desvinculação do salário mínimo de aposentadorias, pensões e outros benefícios sociais; e 3) desvinculação da receita de impostos a gastos com educação e saúde. No contexto da missão de evitar a calamidade do colapso fiscal, caberia explorar alternativas razoáveis de aumento das receitas, o que, diante da situação, poderia ter o apoio da classe política.

Acontece que o atual governo e seu partido, o PT, se opõem a qualquer dessas saídas. Ignora-se a necessidade de evitar o descontrole da inflação – que atingirá duramente os mais pobres –, a redução do potencial de crescimento e outros efeitos negativos do colapso fiscal. Isso se tornará, portanto, tarefa irrecusável do próximo governo, se em 2026 elegermos um líder comprometido com esse programa. Tal qual em outras crises do passado, essa pode gerar o senso de urgência na sociedade, criando o ambiente social e político favorável à realização das reformas. Se o País conseguir dar esse passo, pode-se descortinar um ambiente caracterizado por queda da taxa de juros e por ganhos de produtividade favoráveis a um novo e promissor ciclo de expansão da economia e das oportunidades de elevação da renda e do emprego. Torçamos!

*Maílson da Nóbrega é sócio da Tendências Consultoria e foi ministro da Fazenda

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